Criança não é mãe!

Mulheres voltam às ruas de Porto Alegre (RS) em mais um ato contra o PL do Estupro

Nesta quinta (20), manifestantes pediram o arquivamento do projeto, que deve voltar à pauta da Câmara no 2º semestre

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
A marcha desta quinta (21) percorreu as ruas de Porto Alegre contra o 'PL do Estupro' e em defesa da vida das mulheres - Foto: Jorge Leão

“É pela vida das mulheres, legaliza, o corpo é nosso, é nossa escolha”. Essas palavras de ordem foram entoadas por manifestantes ao som da bateria que percorreu as ruas de Porto Alegre (RS), no final da tarde desta quinta-feira (20), durante marcha contra o Projeto de Lei 1.904/2024, conhecido também como "PL do Estupro". Neste segundo ato realizado na capital gaúcha, milhares de mulheres pediam o arquivamento do projeto que equipara o aborto realizado após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio. 

“Estamos mais uma vez na rua, em Porto Alegre, para nos manifestar contra o PL 1904/2024. A gente já teve na última vez um recuo do Lira, mas agora queremos que isso acabe de fato. Nós não queremos mais esse PL, queremos a vida das mulheres, das meninas e das pessoas que gestam”, afirma a diretora de mulheres da União Estadual dos Estudantes (UEE/RS), Melissa Pires.


Manifestantes levaram cartazes em defesa do aborto como questão de saúde pública / Foto: Jorge Leão

De autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), o PL conta com assinatura de 32 outros deputados, a maioria deles é do Partido Liberal, o mesmo do ex-presidente Jair Bolsonaro, sendo 11 mulheres. A proposta, também chamada do PL da Gravidez Infantil, prevê que meninas e mulheres que vierem a fazer o procedimento após 22 semanas de gestação, inclusive quando vítimas de estupro, terão penas de seis a 20 anos de reclusão. 

Pela legislação atual, a interrupção da gravidez é permitida em casos de estupro, de risco à vida da mãe e de bebês anencefálicos. Não está previsto um tempo máximo da gestação para que seja realizado. O aborto é punido com penas que variam de um a três anos de prisão, quando provocado pela gestante; de um a quatro anos, quando médico ou outra pessoa provoque um aborto com o consentimento da gestante; e de três a dez anos, para quem provocar o aborto sem o aval da mulher.

Tramitação na Câmara 

No dia 12 de junho, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aprovou o regime de urgência para a tramitação do projeto a toque de caixa. Em 23 segundos, o presidente da Casa legislativa considerou a urgência aprovada em votação simbólica – sem registro do voto de cada deputado no painel eletrônico. Em geral, a votação simbólica ocorre quando já existe acordo entre os parlamentares sobre o tema em pauta, o que não foi o caso.

A ação fez com que eclodissem manifestações por todo o país, tanto nas ruas, quanto nas redes, assim como notas contrárias emitidas por diversas entidades e movimentos sociais. A repercussão negativa fez que Lira recuasse e anunciasse, nesta terça-feira (18), que o PL 1904/2024 não será pautado em plenário antes do recesso legislativo, que acontece em um mês. Segundo ele, o tema será discutido anteriormente em uma comissão representativa, com participação de todos os partidos.

Na ocasião, o parlamentar disse que há possibilidade de mudança no texto durante a discussão. “Nada irá retroagir nos direitos já garantidos, e nada irá avançar que trate de qualquer dano às mulheres. Nunca foi e nunca será tema de discussão do colégio de líderes qualquer uma dessas pautas”, garantiu.

Mesmo com o recuo, o protesto nas ruas da capital gaúcha seguiu pedindo a saída de Lira do parlamento. 


Críticas ao presidente da Câmara, Arthur Lira Foto: Jorge Leão

“Estamos aqui em mais uma das manifestações tão importantes para o arquivamento do PL 1904. Inclusive em Porto Alegre também tem um PL da vereadora Comandante Nadia (PL) que faz com que as vítimas de estupro ouçam os batimentos cardíacos dos fetos. Então o nosso pedido é pelo arquivamento no Congresso Nacional e que esse PL aqui na Câmara de Vereadores seja retirado”, destaca a vice-presidente da União Nacional de Estudantes, Niara Dy Luz.


"Nosso pedido é pelo arquivamento no Congresso Nacional e que esse PL aqui na Câmara de Vereadores seja retirado” / Foto: Jorge Leão

Violência em números 

Em 2022 o Brasil registrou o maior número de estupros da história, de acordo com a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Foram 74.930 vítimas, sendo que mais da metade (56.820 mil casos) são estupros de vulnerável, ou seja, crimes praticados contra menores de 14 anos. Mais de 68% dos casos aconteceram dentro de casa. 86% dos estupradores de crianças de até 13 anos eram conhecidos das vítimas.

A cada 8 minutos, uma menina ou mulher foi estuprada no primeiro semestre de 2023 no Brasil, maior número da série iniciada em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Foram registrados 34 mil estupros e estupros de vulneráveis de meninas e mulheres de janeiro a junho, o que representa aumento de 14,9% em relação ao mesmo período do ano passado.  

De acordo com o Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) desde 2007, 1.140 meninas de até 14 anos precisaram realizar o aborto legal no Brasil. Só no ano passado foram 154 meninas. Segundo reportagem do jornal O Globo,1.074 mulheres precisaram sair de suas cidades em 2023, em alguns casos até de seu estado, para conseguir realizar o aborto legal no Brasil. O número equivale a 36,2% de todos os 2.963 procedimentos registrados no país no ano passado. 

Entre 2012 e 2022, 483 mulheres morreram por aborto em hospitais da rede pública de saúde do Brasil. O levantamento é da Gênero e Número, que analisou mais de 1,7 milhão de internações registradas no Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS) como gravidez que termina em aborto.


Entre 2012 e 2022, 483 mulheres morreram por aborto em hospitais da rede pública de saúde do Brasil, segundo levantamento da revista Gênero e Número/ Foto: Jorge Leão


“O Estado brasileiro deve garantir acesso a políticas de prevenção”

Em nota divulgada contra o PL nesta quinta-feira, a Fiocruz defende que o Estado brasileiro deve garantir acesso a políticas de prevenção, proteção e suporte às vítimas de violência e ao abuso sexual. “A gravidez em vítimas de estupro, sobretudo crianças, exige uma abordagem sensível e baseada em direitos para que os efeitos possam ser minimizados e que lhes sejam garantidas a chance de uma vida digna. Como instituição estratégica do Estado brasileiro para o fortalecimento do SUS, da democracia e das políticas de saúde pública, a Fiocruz posiciona-se de forma contrária à proposta trazida pelo PL 1904 e soma-se à mobilização da sociedade para a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres”, afirma.

Conforme pontua a nota, estima-se que ocorram 820 mil casos de estupro por ano, sendo 80% de mulheres e apenas 4% detectados pelo SUS. “Destaca-se nas notificações de violência sexual no SUS que as maiores vítimas são crianças e adolescentes negras. A gravidez resultante de estupro é uma tragédia social de grande impacto na saúde física e mental, assim como na vida de estudo, laboral e de lazer, especialmente quando a vítima é uma criança.”

A nota completa pode ser conferida neste link 


Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira