Rio de Janeiro

CINEMA

Artigo | A concentração de recursos do FSA: um olhar para o estado do Rio

É urgente repensar a distribuição de recursos do audiovisual e elaborar editais mais inclusivos para o setor

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Concentração do FSA nas capitais contribui para agravar as desigualdades econômicas e sociais - Foto: reprodução/ FORUMDOC.BH

Em 2026, o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) completará 20 anos de existência. Desde o início de sua execução, em 2008, o FSA se consolidou como a principal ferramenta de fomento ao cinema brasileiro, foram mais de R$3 bilhões investidos até 2022.

Nesta caminhada do FSA sempre foi uma constante o debate sobre o formato dos editais e as cotas regionais, afim de se evitar a concentração dos recursos nos grandes centros do país: São Paulo e Rio de Janeiro.

Ao analisarmos a tabela dos valores contratados pelo FSA de 2008 a 2022 trazemos para o debate novos elementos sobre a concentração dos recursos do FSA que complexificam ainda mais a questão.

No referido período, o estado de São Paulo ficou com 30,27% de todos os recursos do FSA; seguido pelo Rio de Janeiro com 29,84%, Bahia com 5,97% e Pernambuco com 5,28%, conforme apresentado na tabela 1*.

O estado do Rio de Janeiro teve projetos de produtoras de oito municípios contratados, porém ocorreu uma concentração de recursos na capital fluminense, responsável por 99,8% de todos os valores destinados ao estado (tabela 2*). A capital São Paulo ficou com 91,3% dos recursos destinados ao estado, que teve 21 municípios contemplados. Em Minas Gerais foram 13 municípios com projetos contratados, e Belo Horizonte concentrou 86% dos valores.

Foi possível identificar também que na cidade do Rio de Janeiro ocorre uma superconcentração dos recursos em determinadas regiões da cidade, conforme tabela 3**. A Região Administrativa (RA) de Botafogo concentra 31,6% dos recursos contratados; seguida pela Lagoa (28,88%); Centro (16,77%); Barra da Tijuca (13,15%) e Copacabana (4,3%).

Com o agrupamento dos dados por Áreas de Planejamento (AP), de mais fácil compreensão pelos produtores e órgãos públicos, nota-se que a zona sul carioca (AP 2.1) concentra 64,78% dos valores e a Barra da Tijuca (AP 4.2), outros 13,15%; juntas detiveram 78% de todo o valor contratado no município do Rio (tabela 4*). As duas áreas de planejamento detiveram mais de R$708 milhões, 77,78% de todos os valores destinados ao estado do Rio. Uma única produtora da Barra da Tijuca, em 19 contratos, recebeu cerca de R$36,5 milhões, valor maior do que recebeu produtoras localizadas em outras 11 regiões administrativas e maior do que foi recebido por toda zona oeste e zona norte carioca (tabela 3*).

Desta forma, em relação ao estado do Rio de Janeiro, podemos concluir que o mais correto é dizer que a concentração de recursos ocorre em determinados bairros da capital ou, dito de outra forma, os recursos não se concentram no “estado do Rio”, mas sim em determinadas regiões de sua capital. A mesma lógica de concentração territorial ocorre também com os recursos da RioFilme e já foi objeto de queixa dos produtores cariocas.

Essa concentração do FSA contribui para agravar as desigualdades econômicas e sociais em uma cidade já extremamente desigual e injusta. Também impede o desenvolvimento do audiovisual e aperfeiçoamento de seus profissionais em outros municípios do estado e regiões da cidade carioca.

Os editais do FSA funcionam como uma capa protetora intransponível, que impede o acesso aos recursos por produtoras localizadas fora do eixo zona sul - Barra. Assim, não contribuem para a democratização dos recursos e nem para diversidade do audiovisual carioca e fluminense, deixando à margem muitas de produtoras iniciantes, pequenas e médias, que não conseguem participar da divisão do bolo.

E sim: existe produção audiovisual para além da zona sul carioca. Há grupos organizados em diferentes regiões do estado e da periferia carioca como o “Baixada Filma”, que articula produtores dos oito municípios da Baixada Fluminense, e já produziram, com raríssimo apoio, curtas e longas premiados em diversos festivais nacionais e internacionais.

Um indicador do represamento de produtoras iniciantes no acesso de recursos para realizarem seus projetos foi o Edital de Novos Realizadores do FSA, exclusivo para produtoras nível 1 e 2, lançado em 2022, que teve 776 inscrições, das quais 520 foram habilitadas e foram contemplados 62 projetos. Hoje, segundo dados da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), as produtoras independentes nível 1 representam 93,6% de todas as produtoras independentes registradas e as de nível 2 correspondem a 3,2%; juntas totalizam 10.676 produtoras independentes em um total de 11.035 registradas (tabela 5**).

As cotas para o Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste (CONNE) e o Fórum Audiovisual Minas Gerais, Espiríto Santo e Estados do Sul (FAMES) são importantes mas, para além destas, temos que pensar em outros tipos de cotas territoriais e, para os estados de São Paulo e Rio de Janeiro, elas são fundamentais e urgentes.

Para reverter essa lógica concentradora, que se retroalimenta em um círculo vicioso, é urgente pensarmos novos modelos de editais, criar cotas territoriais dentro dos estados e nas grandes capitais, definir um limite máximo anual de contratação por CNPJ, formular editais mais inclusivos e democráticos condizentes com toda a diversidade existente na sociedade e no audiovisual brasileiro.

A distribuição territorial dos recursos diz muito sobre o que os gestores, e o governo, pretendem com a política pública de incentivo ao audiovisual. Democratizar o acesso aos recursos do FSA é a melhor maneira de fortalecer a produção audiovisual. O momento de fazê-lo é agora ou perderemos essa oportunidade histórica de termos, de fato, uma produção audiovisual com a cara do nosso Brasil e de seu povo. 

*Confira as tabelas mencionadas do texto clicando aqui.

**Talles Reis é produtor audiovisual.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Jaqueline Deister