Governo brasileiro deveria entender que não adianta fazer esforço para tentar agradar bolsonaristas
Os brutais ataques à cidade de Rafah, localizada no sul da Faixa de Gaza – um dos episódios mais marcantes dos últimos oito meses de massacre contra a população palestina na região – tem atingido de maneira considerável a imagem de Israel perante a comunidade global.
Além disso, o reconhecimento do Estado palestino por países europeus como Irlanda, Noruega e Espanha e as condenações do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e do ministro da Defesa de Israel, Yoav Galant, pelo Tribunal Penal Internacional, se somam ainda a manifestações massivas em vários países, clamando por um cessar fogo em Gaza.
Segundo a professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP), Arlene Clemesha, "Israel nunca antes se encontrou tão isolado quanto se encontra hoje".
Clemesha é a convidada desta semana no BdF Entrevista. Para ela, a única maneira de encerrar o conflito seria uma posição mais contundente dos Estados Unidos contra os ataques de Israel. No entanto, enquanto o presidente Joe Biden afirmava que atacar a cidade de Rafah equivaleria a cruzar uma linha vermelha, os ataques no sul de Gaza se intensificaram
"Netanyahu não deu a menor bola para isso. Entrou, invadiu e enquanto Biden estava falando, Netanyahu já estava invadido e aumentando inclusive a velocidade dessa invasão", explica.
Diante do impasse, segundo Clemesha, não há outra possibilidade "a não ser o mundo dizer com todas as letras: 'não vamos brindar qualquer apoio comercial, militar, armas, negócios, contratos, enquanto Israel estiver atuando dessa forma, enquanto inclusive não reconhecer autodeterminação nacional Palestina'", afirma.
Na conversa, Clemesha ainda fala sobre o envolvimento de países árabes no conflito, as pressões internas contra Netanyahu e a posição assumida pelo governo Lula (PT) em relação ao massacre israelense na região. O presidente da República afirmou, por diversas vezes, que o ataque de Israel à Faixa de Gaza é um genocídio e, recentemente, retirou o embaixador brasileiro de Israel, Frederico Meyer, após incidentes diplomáticos no começo do conflito.
"O governo brasileiro tem aumentado – diante da gravidade da situação e da catástrofe que está acontecendo – o apoio em relação à Palestina e as sinalizações de que não aceita a atuação israelense, ou seja, o genocídio. Elas vêm crescendo timidamente, digamos assim, devagar, mas num ritmo de crescimento".
Confira a entrevista na íntegra do vídeo acima e abaixo, leia alguns trechos da conversa:
Brasil de Fato: Ao mesmo tempo em que os ataques à Faixa de Gaza seguem de maneira brutal, também se levantam apoios à Palestina e por um cessar-fogo. Nas últimas semanas, a Noruega, a Irlanda e a Espanha reconheceram o Estado palestino, diversas universidades nos Estados Unidos, por exemplo, foram parcialmente paralisadas por conta de protestos massivos. Qual é a atmosfera que essas pressões têm criado?
Arlene Clemesha: Nesse momento, depois de oito meses de massacres, de um verdadeiro e caracterizado genocídio do povo palestino na Faixa de Gaza, essas ações de país após país que vêm somando sua voz, menos, digamos assim, rápida enfaticamente do que seria necessário para parar o genocídio, mas que vêm se somando às vozes contrárias ao que está acontecendo e que estão tentando pôr um basta, ou dizer basta, têm causado a seguinte situação: Israel nunca antes se encontrou tão isolado quanto se encontra hoje.
Fruto da sua ação na Faixa de Gaza, fruto dessa política genocida que vem implementando na Faixa de Gaza. Tem vários tipos de ação e atuação acontecendo, desde ações como reconhecimento do estado da Palestina, o ingresso da Palestina em organizações multilaterais, como forma de, digamos assim, elevar o status e a legitimidade e o recolhimento internacional do estado da Palestina, que não existe na prática, só existe em teoria. Até ações do outro lado do espectro, de remoção de legitimidade de Israel, digamos assim.
Desde a ação da África do Sul, que foi à Corte Internacional de Justiça, que levou a uma ação contra Israel por genocídio, até a ação do Tribunal Penal Internacional, que pediu a prisão de dois líderes, Netanyahu e [o ministro da Defesa de Israel] Yoav Galant, por crime de genocídio, e também de três lideranças do Hamas. Há ações de países individuais, como por exemplo países que romperam relações, que chamaram seu embaixador de volta.
O Brasil está sem embaixador em Israel por uma sequência de eventos, o Chile, a Colômbia, a Nicarágua, que tentou processar a Alemanha também pelo fornecimento de armas que a Alemanha entrega à Israel. O Judiciário de alguns países, inclusive europeus, que já emitiram resoluções dizendo que os países não poderiam, e que não podem continuar fornecendo, armas a Israel. A Turquia interrompeu todas as relações comerciais, enquanto não parar o genocídio. Então, tem uma série de ações, diversos tipos de isolamento de Israel para tirar a legitimidade, tirar apoio e tentar, através de boicotes, de sanções, dizer: "olha, nós não aceitamos o que você está fazendo".
São dois tipos de atuação: por um lado, a atuação de apoiar e de dar legitimidade, de reforçar o reconhecimento da Palestina enquanto estado que deveria ganhar sua independência, sua autonomia, sua autodeterminação nacional; e ações que, paralelo a isso, e que são mais eficazes, na verdade, de isolamento de Israel. Para dizer que não aceitamos as ações que vocês vêm empreendendo, genocidas, caracterizadas com intenção e com efeito, na verdade, de levar a uma…– eu não preciso descrever aqui, a gente sabe o que está acontecendo – de tantas mortes, tanta destruição e tanta fome que paira como um risco muito grave sobre toda a Faixa de Gaza.
Algumas organizações internacionais tentam, há bastante tempo, impor um boicote sistemático a Israel, como forma de reconhecimento do Estado palestino, o BDS (Boycott, Divestment and Sanctions), por exemplo. Há pouco efeito, no entanto, até aqui. O que pode ser, de fato, mais efetivo?
Aí que tá, não existe um recurso, hoje, mais efetivo. Porque quem é que poderia parar o bombardeio israelense sobre a Faixa de Gaza? Só tem um país no mundo capaz de fazer isso, os Estados Unidos. E as duas vezes recentes que os Estados Unidos aparentemente tentaram frear Israel, que foi primeiro dizendo que entrar em Rafah seria uma linha vermelha.
Biden disse: "não, nós não vamos aceitar que Israel entre com suas tropas em Rafah, por causa de toda a população palestina nessas cidades". E, no entanto, Netanyahu não deu a menor bola para isso. Entrou, invadiu e enquanto Biden estava falando, Netanyahu já estava invadido e aumentando inclusive a velocidade dessa invasão. E o segundo momento foi agora, recentemente, quando Biden lançou uma suposta proposta de trégua, foi colocada dessa forma, em três fases.
O Hamas sinalizou que aceitaria, já se sabia que aceitaria por tudo o que já tinha sido sinalizado. E Netanyahu não aceitou. E olha que a proposta não era favorável ao Hamas. Essa proposta era mais favorável a Israel, porque não dava nenhuma garantia, na verdade, de uma real pausa no ataque israelense. E mesmo assim, no dia seguinte a essa proposta, Netanyahu ignorou peremptoriamente e bombardeou escolas, causou mortes em um grau até maior do que vinha acontecendo nos dias anteriores à proposta.
Então, não tem outra possibilidade a não ser o mundo dizer com todas as letras: "não vamos brindar qualquer apoio comercial, militar, armas, negócios, contratos, enquanto Israel estiver atuando dessa forma, enquanto inclusive não reconhecer autodeterminação nacional Palestina", que é a única maneira de pensar numa solução mais a longo prazo, para que isso não volte a acontecer depois de três meses e acontecer um novo massacre, um novo morticínio, como tem sido a história da Palestina.
Agora, mesmo uma ação coordenada de boicotes pode não ser o suficiente. Mas, a longo prazo, uma construção disso, ações após ações, em algum momento você tem uma possibilidade de romper. O que precisa mesmo é desmantelar essa lógica de assassinato que está acontecendo. Mais do que isso, é uma colonização. O problema está na degradação, na raiz realmente da política israelense em relação aos palestinos, que trata os palestinos como povo subalterno colonizado, de forma racista.
Trata os palestinos, desumanizando, tirando o caráter realmente de humanos, chamando os palestinos de animais humanos. E animais humanos podem ser mortos, massacrados, pisoteados feito baratas, lançando bombas sobre residências, sobre casas.
Professora, sobre o ataque em Rafah, internamente o primeiro-ministro Netanyahu foi ao Congresso e inventou uma desculpa qualquer para um ato criminoso, dizendo que era "um trágico acidente". A procuradora-geral das Forças Armadas israelenses [Gali Baharav-Miara] foi a público dizer que a ação em Rafah e outras 70 ações militares estão sob investigação por ilegalidades. Cria-se também, internamente, uma pressão para que se encerre o conflito?
Internamente falando, a maior pressão vem do grupo que está muito descontente com o pouco caso que o governo israelense tem feito em relação ao resgate dos reféns. Mas é claro que, além deste grupo de pressão, que são aqueles que querem que mude o governo, porque não acreditam que esse governo está se esforçando para libertar os reféns, não tem isso como prioridade – até o próprio Biden já falou isso em público – a partir do momento que Israel foi parar no banco de réus da Corte Internacional de Justiça, e depois de duas lideranças, Netanyahu e o Galant, irem para o banco dos réus do Tribunal Penal Internacional, a sociedade israelense começou a entender que a era "mão livre" israelense, para fazer absolutamente o que quisesse, sem qualquer consequência internacional, talvez estivesse chegando ao fim.
E isso começou, sim, a preocupar. Então, houve uma pressão interna por algum tipo de explicação. Mas Netanyahu está muito mais preocupado com a sua manutenção no poder e prolongar a guerra justamente para não sair do poder. Ele sabe que se sair do poder vai ser preso, porque tem, além de tudo, antigas acusações de corrupção contra ele, que vão ser julgadas assim que ele sair do governo. A sociedade israelense vem percebendo isso em alguma medida, mas é ainda em uma medida muito pequena, se comparada com a gravidade da situação.
Tem um controle muito grande de informação dentro de Israel e tem muitas pessoas que estão completamente cegas para o que realmente está acontecendo. Mas já há, de fato, fortes indícios de que, possivelmente, a era da falta de consequência, da falta de prestar contas israelense esteja esteja chegando ao fim. Isso as lideranças israelenses sabem, estão percebendo.
O objetivo declarado de Netanyahu é exterminar o Hamas. Ele tem dito isso sempre que pode. E é um grupo que inclusive ele mesmo financiou durante muito tempo para criar uma instabilidade com a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia. Após essas incursões por terra de Israel em Gaza, essa ocupação completa do território que Netanyahu deseja fazer, qual é a perspectiva para a região? Muito se comparou com os erros cometidos pelos Estados Unidos – entre tantos erros – ao entrar no Afeganistão. Há a chance de que, mesmo que aconteça um cessar-fogo, essas instabilidades durem por muito tempo?
Todas as análises apontam para o fato de que o Hamas está longe de ser derrotado, que ele tem força de resistência efetiva, ou seja, homens e equipamentos para meses de luta subterrânea em túneis onde o Exército israelense não consegue chegar a ponto de eliminá-los. E Netanyahu sabe disso, só que, ao mesmo tempo, continua realizando esse tipo de atuação, de morticínio na Faixa de Gaza. Quer dizer, o objetivo é o massacre.
As análises apontam que o Hamas tem pelo menos quatro, cinco meses de capacidade de resistência debaixo da terra. Mesmo passado esse período de tempo, não se pode supor que a população palestina não vá se reorganizar, que não vai voltar a revolta. Mesmo que Israel ganhe um controle absoluto sobre a Faixa de Gaza, isso vai durar quanto tempo, oito meses, um ano? A insurgência vai voltar, a revolta vai voltar. Não se pode manter uma população enclausurada como Israel faz com a Faixa de Gaza, achando que essa situação pode se perpetuar indefinidamente.
E Israel sabe que não pode. Na verdade, o que a história mostra é que Israel aguarda os momentos para uma dissolução, uma solução favorável à lógica do projeto sionista, de limpeza étnica. Porque o projeto sionista é um projeto de expansão sobre o território palestino, e essa expansão nunca terminou, nunca parou desde 1948, quando foi criado o Estado israelense. Sempre avançou em momentos críticos da história e manteve esse cerco à Faixa de Gaza absoluto por 20 anos. Mas já havia um controle total desde 1967, mesmo que não um cerco total.
O controle não pode durar eternamente, mas ele é uma maneira de adiar a solução. Essa é parte da forma de atuar do governo israelense e dos sucessivos governos israelenses: adiar a solução definitiva e, com isso, ganhar tempo para conseguir implementar suas políticas, seus objetivos, sua expansão territorial, o seu aumento de assentamentos, sua transferência populacional, a sua limpeza étnica.
O governo atual [de Israel] avalia que tem que ser todo o território conquistado e já declarou isso. Já declarou que toda a Cisjordânia precisa ser anexada a Israel e na Faixa de Gaza está tentando implementar isso, na prática, não obstante os 2,3 milhões de palestinos que ali vivem. Mas essa é a política israelense, é tentar adiar uma solução para ganhar tempo, para ir implementando as suas visões.
Achar que o panorama é derrotar o Hamas, que a perspectiva ou o objetivo de Netanyahu seja derrotar o Hamas, é não analisar a história, é simplesmente tomar por verdade as declarações que Netanyahu faz. E não se pode tomar por verdade, não se pode tomar ao pé da letra as declarações que Netanyahu faz no meio de uma guerra.
O envolvimento de outras nações do mundo árabe no conflito, em algum momento, esteve no horizonte. Houve certa tensão, mas que não avançou para além do que a gente viu até agora. Houve também uma dissuasão dos Estados Unidos na região, com porta aviões e demonstrações de força, em certos momentos. Para além dessa dissuasão dos Estados Unidos, não há coesão no mundo árabe em torno desse conflito?
Não há, e nunca houve na história, na verdade, desde 1948. Os países árabes agem cada qual segundo os seus interesses políticos. Desde o momento em que o Oriente Médio foi fragmentado e dividido em estados nacionais, monarquias, governos, colaboradores – na verdade, como são os regimes árabes – ditaduras militares e assim por diante, os países que se envolveram do lado dos palestinos são, na verdade, grupos em países.
O Hezbollah, no Líbano, que vem mantendo uma guerra de atrito, de baixa intensidade, e mantendo Israel ocupado, ajudando a dividir um pouco as forças militares israelenses para que sejam obrigados a manter parte dos seus esforços ali ao norte, talvez aliviando um pouco a capacidade de ação total que Israel teria, de outra forma, em Gaza. Mas sem escalar o suficiente para levar a uma guerra declarada entre Israel e o Líbano, que o Hezbollah tampouco quer, já que seria um desgaste muito grande em nome de um aliado, não em nome do seu próprio país.
A mesma coisa os houthis, no sul. Os Houthis vêm lutando bravamente, com suas pouquíssimas forças militares, mas atacando navios, não só israelenses, mas países aliados de Israel, que passam pelas suas portas no Mar Vermelho – os bravos lutadores, heróis do Mar Vermelho que vêm mostrando uma resistência ao povo palestino e tomando bomba e tomando retaliação e tomando todo tipo de de ação contra eles. Mas eles não têm capacidade de entrar na guerra com todo o poder, mas é uma forma de apoiar os palestinos e tentar colocar alguma pressão sobre países que apoiam Israel no morticínio em Gaza.
E o Irã não é árabe, mas também apoia o Hamas, manda fundos, armas e apoia os houthis, o Hezbollah. E a Síria está muito debilitada depois de uma guerra atroz, em que Bashar Al Assad massacrou a população síria por anos na guerra da Síria. E, na verdade, a Síria tem parte do seu território ocupado por Israel e não consegue retomá-lo, quanto mais entrar com apoio efetivo aos palestinos.
E os outros países árabes em geral, cada um tem um grau de apoio e vários deles, inclusive, de normalização de relações com Israel. Veja, quando eu falei que os países árabes, em geral, e de diferentes formas, nunca colocaram todo o seu peso ao lado da defesa dos palestinos desde 1948, isso não é exagero meu. A monarquia hachemita da Jordânia, quando entrou na guerra de 1948, depois da proclamação da existência do Estado de Israel, essa monarquia jordaniana entrou na guerra em conluio com Israel.
Havia um acordo verbal secreto para que a Jordânia colocasse as suas tropas até um certo limite, mas que não avançasse de certos limites territoriais. No fundo, o sonho da Jordânia sempre foi expandir o seu território para algum lado especificamente, depois que algumas outras possibilidades se mostraram fechadas, como a de incorporar o sul da Síria, que era uma perspectiva que a Jordânia tinha lá no começo da sua formação nacional. A perspectiva sempre foi de anexar a Cisjordânia para si mesma, mas nunca foi possível. A Liga Árabe sempre barrou esse tipo de atuação e os palestinos nunca aceitariam.
E a Jordânia, hoje, já tem uma preocupação muito grande com os palestinos que são cidadãos jordanianos, os palestinos de dentro, quanto mais incorporar toda uma outra população para dentro. Aliás, a Jordânia, desde a sua formação, foi uma monarquia muito colaboracionista com a Inglaterra, que foi quem apoiou o movimento sionista. A Jordânia mostrou recentemente no último episódio, que boa parte dos mísseis lançados pelo Irã foram barrados por um esforço anti míssil lançado do território jordaniano.
O Egito também tem um acordo de paz desde 1978. Esse acordo de paz aconteceu depois que ele conseguiu reconquistar o Sinai, que tinha sido ocupado por Israel. Foi um acordo costurado pelos Estados Unidos. E a ditadura militar egípcia tem várias formas de colaboração com Israel, mesmo que mantenha algum tipo de discurso árabe nacionalista, mas muito atenuado em relação ao que era a era de [Gamal Abdel] Nasser, por exemplo.
Outros países vêm normalizando relações dentro de um arcabouço político, que se chamou Acordos de Abraão. Esses Acordos de Abraão, também costurados pelos Estados Unidos, significaram a retomada e o restabelecimento de relações diplomáticas entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, o Sudão, o Marrocos, o Bahrein e a perspectiva agora que a Arábia Saudita estabeleça, ou normalize relações com Israel. Normalize porque, na verdade, já há relações, só que elas não são assumidas, não são tão às claras.
Havia, eminentemente, uma cena que seria feita antes de começar o conflito de Israel contra a Palestina, entre Arábia Saudita e Israel. Um encontro para selar publicamente essa essa paz entre eles, não é?
É, já estava prevista antes do 7 de outubro. Aliás, as decisões da Liga Árabe são decisões verbais, não têm uma via de implementação das suas decisões. Então, não há qualquer perspectiva de um apoio efetivo dos países árabes aos palestinos, como eu estava dizendo. Historicamente, não houve e hoje, menos ainda. Onde é que os palestinos vêm recebendo algum apoio? De países do Sul Global, de países que não estão no campo de influência norte-americana, por exemplo. A União Europeia está bastante fechada com os Estados Unidos. O Reino Unido mais ainda.
Apesar de que não totalmente. A Espanha entrou apoiando, finalmente, depois de oito meses de genocídio, a ação da África do Sul por crime de genocídio na Corte Internacional de Justiça, é o primeiro país europeu a fazer isso. Mas muitos países africanos e asiáticos gostariam de conseguir dar um apoio maior.
E o que é interessante perceber é que, possivelmente, como parte da sua própria inserção no Oriente Médio, a China, apesar de não dar qualquer grande declaração, durante o julgamento da Corte Internacional de Justiça – o julgamento sobre o sistema de ocupação israelense solicitado pela Autoridade Palestina – disse que os palestinos têm direito a todos os meios que forem necessários para se defender. Ou seja, se o ataque é violento, a resistência Palestina tem direito de recorrer à violência.
A China mostrou e fez algo que nenhum país tinha feito, que é apoiar o direito à resistência palestina. Porque tem uma diferença entre os apoios: reconhecimento do estado da Palestina é muito mais simbólico, não tem resultado prático. Agora, a China dizer que os palestinos têm direito de resistir, ela está dizendo que o Hamas não pode ser culpabilizado, completamente pelo menos, quando ele tenta organizar uma insurgência, porque ele está sendo oprimido, porque os palestinos estão sendo oprimidos.
É o direito à resistência que, de fato, faz parte da Lei Internacional. Em relação aos palestinos, o mundo tenta ignorar esse direito de resistir a uma ocupação militar ilegal, ainda por cima, como essa israelense. Então, tem outros movimentos acontecendo, mas entre os árabes, é muito difícil.
Professora, a posição do governo brasileiro em relação à Palestina me parece extremamente coerente, se a gente pensar também na conjuntura interna do Brasil. Existe uma extrema direita, um conservadorismo muito grande, que também mobiliza o governo dito progressista, e o impede de avançar em algumas questões. A senhora acredita que há espaço para que ela seja mais efetiva ou a posição do governo Lula tem sido importante também nesse conflito?
Eu acho que, certamente, têm setores do governo que entendem que não importa se o governo Lula vai ser mais francamente apoiador da Palestina, rompendo relações com Israel ou timidamente, a favor da Palestina, sem romper as relações com Israel. Não importa qual o grau, o governo Lula sempre vai ser acusado pela extrema direita brasileira de apoiar o Hamas. É nesses termos que eles atuam.
Sendo assim, o governo brasileiro tem percebido isso, porque tem aumentado – diante da gravidade da situação e da catástrofe que está acontecendo – o apoio do governo brasileiro em relação à Palestina. E as sinalizações de que não aceita a atuação israelense, ou seja, o genocídio. Elas vêm crescendo timidamente, digamos assim, devagar, mas num ritmo de crescimento. E o governo brasileiro deveria entender que não adianta fazer esforço para, nesse aspecto, tentar agradar a base bolsonarista. Ela sempre vai acusar o governo Lula de ser pró-palestino e anti-Israel, o que é absolutamente equivocado.
O governo Lula nunca foi anti, sempre manteve relações com Israel. Então, é hora realmente de assumir uma postura, porque o Lula mais ganhou quando assumiu uma postura de dizer exatamente o que pensa e fazer exatamente o que é correto nesse cenário da Palestina. Quer dizer, basta ao genocídio. Se ele fizer isso, ele com certeza só vai ter a ganhar, porque é uma questão internacional. O Brasil cresce internacionalmente e, crescendo internacionalmente, o reflexo disso internamente acaba vindo.
Edição: Thalita Pires