Diante da escalada de violência que atinge comunidades negras e empobrecidas da capital e no interior da Bahia, movimentos sociais, entidades e territórios populares se reuniram no último sábado (8) no Seminário de Formação contra a Violência em Territórios Negros e Populares no Campo e na Cidade, para ampliar a discussão sobre o tema.
Organizado pelo Centro de Estudos e Ação Social (Ceas), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), Associação dos/as Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Ação Social Arquidiocesana (ASA), a atividade, realizada na sede do Ceas, na Federação, em Salvador (BA), compõe um calendário de iniciativas que buscam denunciar a violência no estado e fortalecer os grupos sociais mais vulneráveis a esse problema.
“É um seminário que quer contribuir para a gente investigar as razões da violência. A violência compõe a história do Brasil. Somos um país violentamente construído, está no DNA da nossa história como povo, como nação, como país”, destaca o padre Clóvis Cabral, assessor do Ceas e um dos mediadores do encontro.
A programação da atividade incluiu intervenções artísticas de Tônio Sousa, do Coletivo Incomode/MSTB, Dandara Rohs e Ailton Portela, também do MSTB, Luciana Silveira, da Grumap e Ceas, e apresentação teatral do grupo Palco Encantado, de jovens negros moradores da Sussuarana, em Salvador. Além disso, o debate contou com as presenças de Samuel Vida, professor da Faculdade de Direito da UFBA, e Elaine da Paixão, da Agenda Nacional pelo Desencarceramento e Coletivo de Familiares de Pessoas Privadas e Sobreviventes do Cárcere.
O seminário integra uma série de ações articuladas por organizações da sociedade civil que, em dezembro do ano passado, lançaram uma carta coletiva denunciando a violência contra territórios negros e populares do estado. O documento, que conta com mais de 62 assinaturas, busca pressionar as autoridades para tomar medidas concretas diante do agravamento da repressão policial na Bahia e também do descaso do Estado na proteção das comunidades do campo, como acampamentos, assentamentos, áreas indígenas, quilombolas e de fundo e fecho de pasto.
Segurança pública e democracia
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), a Bahia ocupou o primeiro lugar no ranking de letalidade policial em 2022, respondendo por 22,77% da letalidade das ocorrências nacionais. Já o estudo “Pele Alvo: a cor que a polícia apaga” aponta que apenas uma das 299 pessoas mortas pela polícia em 2022 era branca. Diante de dados como esses, Samuel Vida destaca a relação entre o debate de segurança pública e a concepção de democracia em nosso país.
“É impossível discutir segurança pública e violência sem discutir democracia, sem discutir uma expectativa de uma sociedade que funcione com um mínimo de garantias, de legalidade, de previsibilidade. Desde 1982, quando discutimos a retomada da democracia, falávamos sobre a desmilitarização da polícia e a tese do movimento negro de que todo preso comum é um preso político. Discutíamos também, desde aquele tempo, o combate à tortura e a denúncia da fragilidade do modelo institucional que permitia que as casas fossem devassadas pelo poder policial sem nenhuma prerrogativa. Esse debate segue até hoje”, destaca.
Elaine da Paixão também ressalta que as práticas violentas e autoritárias da polícia se assemelham dentro e fora do ambiente carcerário.
“Falar de desencarceramento é algo que hoje nos marca de forma muito mais real. A pandemia veio pra dizer o que acontecia há muito tempo e que ficava dentro da bolha. Conseguimos dizer à sociedade o que é esse cárcere que gritamos há muito tempo. É inadmissível, por exemplo, a revista vexatória aos familiares. É uma prática de tortura legalizada pelo Estado brasileiro, muito recorrente no sistema prisional. Quem se nega, pode sofrer violência. Continuo nessa luta que me atravessou durante 15 anos da minha vida”, denuncia.
Organização popular para tecer a esperança
Para a articulação, o seminário é mais um passo dentro de um amplo calendário de ações de formação, mobilização e lutas que buscam fortalecer a organização popular nos territórios e ampliar o número de entidades parceiras. Lucyvanda Moura, assessora de projetos da CESE e também uma das mediadoras do encontro, salienta a necessidade da sociedade avançar na busca por saídas coletivas para enfrentar esse debate.
“A gente precisa aprofundar essas questões e não só ver, julgar, mas também agir. Precisamos buscar estratégias para continuar o que as comunidades já vêm fazendo para buscar superar essa situação que a gente está vivendo em nosso estado”, aponta.
Para o padre Clóvis Cabral, a essência desta iniciativa é reacender a chama da esperança e do espírito solidário na sociedade. “A gente quer desocultar a violência e criar esperança, criar caminhos para a gente construir um mundo fraterno, igualitário e justo. Outro mundo é possível”, finaliza.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Gabriela Amorim