Ainda a um ano e meio da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), a cidade-sede do evento já vive um clima intenso de preparação. Belém passa por obras estruturais promovidas pelo governo do estado e também pela prefeitura. Mas a maior mobilização acontece em espaços de discussão, seja nos eventos oficiais, seja em atividades da sociedade civil e dos movimentos populares.
Essa é a descrição que faz a cozinheira e ativista indígena Tainá Marajoara. Fundadora do ponto de cultura alimentar Iacitata Amazônia Viva e integrante do Conselho Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), ela detalhou as expectativas para o evento em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (10).
“Se fala muito em COP aqui, o dia inteiro, em todos os cantos da cidade, se fala sobre isso. Especialmente porque a COP traz uma promessa de melhoria de vida para a população”, comenta entusiasmada.
Ao mesmo tempo, Marajoara pondera que faltam muitas certezas por parte do governo federal de que movimentos populares terão espaço garantido para debater os temas que devem tomar a COP30.
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“A gente quer estar lá dentro do espaço da COP e cozinhar. A gente quer estar lá dentro do espaço mostrando que a gente sabe fazer comida de baixo carbono e nós somos capazes de atender não só um movimento, não só um evento gigante como a COP, mas qualquer outro evento e qualquer outra ação de Estado”, defende.
Iacitata é um espaço fundado em 2009 por Tainá Marajoara que promove o chamado circuito-curto do alimento. O local oferece alimentos com receitas passadas de geração para geração dentro da Amazônia. Os ingredientes vêm de assentamentos da reforma agrária, comunidades quilombolas, ribeirinhas e indígenas.
“Eles vão estar lá discutindo as resoluções da COP e vão estar comendo fast food?”, provoca Marajoara.
Embora a expectativa seja alta para a viabilidade que o evento vai trazer, Marajoara comenta que não vê grandes resoluções sendo postas em prática após as edições das últimas COPs.
“[Não tem mais tempo para] esse futuro branco que todo dia uma autoridade faz uma reunião e estabelece um protocolo de que precisa postergar um pouquinho mais. Essa autoridade faz parte dessas que estão pagando passagem para colonizar Marte, porque assim age o colonialismo: eles estragam onde está e busca outro lugar para ele colonizar. Então, que esse colonialismo ali seja freado e que a gente tenha um futuro agora”, defende.
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Confira a entrevista na íntegra
Belém já está no clima da COP30?
Sim, se fala muito em COP aqui, o dia inteiro, em todos os cantos da cidade, se fala sobre isso. Especialmente porque a COP traz uma promessa de melhoria de vida para a população.
No entanto, a gente percebe que essa melhoria de vida é uma melhoria localizada. Ela traz obras grandes e suntuosas para Belém. No entanto, são coisas que Belém já deveria ter, como saneamento básico, maior arborização, mais parques na cidade, a possibilidade de andar na cidade, a possibilidade de viver a cidade, isso tem sido feito enquanto promessa para a COP.
Mas não deveria ser uma promessa para a COP, isso não passa da mínima obrigação dos gestores, dos entes e autoridades de Estado, seja municipal, estadual, federal, ela tem que garantir a vida, tem que garantir o direito, tem que garantir as práticas culturais, tem que garantir o bem viver dessa população.
Então, a gente vê essa COP chegando e toda esse frenesi, no entanto, a participação social ainda é, de certa forma, uma incógnita para nós.
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Ainda tem tempo para a COP, mas como estão os debates para o evento? Os movimentos populares, a sociedade civil estão sendo convocados para discutir o evento?
Existem muitos debates acontecendo, muitos seminários, várias coisas sobre participação social e meio ambiente, mas existem muitas lacunas.
A gente não fala sobre cultura e aquilo que é colocado enquanto cultura é sobre patrimônio cultural. No entanto, patrimônio cultural edificado, o que é um absurdo.
Como é que se fala de Amazônia e de defesa da cultura, do meio ambiente e da promoção da justiça climática se a gente não fala diretamente da salvaguarda e proteção dos nossos guardiões e guardiãs?
Não se discute entre as sanções que sejam propostas, que tragam questões sobre isso.
Ainda que, por exemplo, a gente nunca viu uma resolução de uma COP ser cumprida. Todas as resoluções, todos os planos, eles vão ganhando novos e novos prazos, novas postergações, isso deixa tudo muito difícil.
Mas também é fruto dessa participação social. Por exemplo, nós, enquanto liderança de rede e de ação de movimento pela cultura alimentar, que garantimos nas Metas de Aichi [acordo realizando durante a COP 10, no Japão, em 2010] a inclusão da cultura alimentar como medida mitigadora do sofrimento climático.
Também o Iacitata foi considerado, em 2014, uma proposta inovadora mundial para mitigação e sofrimento climático.
A gente diminui os riscos a partir do momento em que as nossas culturas alimentares, que a agricultura familiar de base agroecológica, que as práticas de povos originários e comunidades tradicionais ganham relevância nesse cenário.
No entanto, nós não somos os protagonistas nesse processo. Na verdade, o que se vê de forma muito grandiosa, sendo promovido ao redor do mundo, com reuniões internacionais acontecendo, são grandes institutos que têm ligações diretas, com a indústria de alimentos, com a mineração, com fundos de pensão e grandes fundos de acionistas internacionais e transnacionais.
Você vê essas grandes entidades também no terceiro setor falando em projetos para a Amazônia. A biocosmética, falando de projetos para Amazônia e clima… Um agronegócio regenerativo… Mas não se discute, por exemplo, a paz no campo, nas matas e nas águas da Amazônia. No estado que vai sediar COP.
Então isso tem que entrar lá nas medidas mitigatórias, isso tem que entrar nos critérios, isso tem que entrar em todos esses protocolos porque é a nossa vida e a vida das pessoas que também está em todo esse meio.
Mas também fica a dúvida qual é de fato a preocupação das pessoas envolvidas numa conferencia do clima enquanto que há um genocídio em curso, são liberadas milhões de toneladas de carbono em bombas que atingem a Faixa de Gaza. E não se discute isso à luz da crise climática. Qual é o impacto de um massacre? Qual é o impacto de um genocídio?
E não apenas no genocídio em Gaza, mas em todos os conflitos colonialistas ao redor do mundo. Então a COP para discutir o clima, ela tem que discutir A paz, ela tem que discutir soberania alimentar, ela tem que discutir cultura, tem que discutir bem viver, porque sem isso não existe saúde com justiça climática.
Frente a toda essa desilusão prévia, como você vê que os movimentos populares e a sociedade civil estão se articulando? O interesse é em fortalecer COPs paralelas, como é o caso da COP das Baixadas? Ou seguir firme para incidir no evento oficial da maneira que for?
Na verdade são as duas coisas, a COP oficial também é o motivo desse grande encontro de lideranças, então vai ter sim uma COP paralela, já existem vários movimentos de discussão, tem a COP das Baixadas, tem COP das Culturas, tem várias COPs que estão se organizando.
No entanto, a grande expectativa é onde os nossos direitos vão ser pautados, quando e como esses direitos vão ser garantidos e como nós faremos para alcançar essas autoridades,
É sim a pressão popular, é sim a participação popular que a gente garante direitos e isso com certeza vai acontecer porque essa mobilização popular, ela já está acontecendo.
E essas COP paralelas vão acontecer não apenas como eventos paralelos para discutir o que está fora do evento oficial. Mas também como uma organização logística para garantir hospedagem solidária, alimentação, é necessário garantir transporte pra todo mundo que vai vir.
Porque Belém já teve um exemplo disso, que foi a Cúpula da Amazônia, que reuniu os países da Pan-Amazônia e nós tivemos uma série de entraves aqui por questão de estrutura e infraestrutura.
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Na Cúpula as escolas não foram permitidas de serem utilizadas para hospedagem. Então como é que a gente vai fazer? Quais são nossas estratégias aqui enquanto movimento para que isso aconteça?
Essa é uma pauta para o governo federal, para o ministro Wellington Dias, para o MDS [Ministério do Desenvolvimento Social], garantir com que as cozinhas solidárias estejam presentes nesses espaços para garantir a alimentação dos movimentos populares.
E mais do que isso. A gente quer estar lá dentro do espaço da COP e cozinhar. A gente quer estar lá dentro do espaço mostrando que a gente sabe cozinhar, a gente sabe fazer comida de baixo carbono e nós somos capazes de atender não só um movimento, não só um evento gigante como a COP, mas qualquer outro evento e qualquer outra ação de Estado.
E que isso também tem que ser feito por nós, cozinheiros e cozinheiras populares e ancestrais.
Então não adianta fazer uma COP como a gente viu na Cúpula da Amazônia que fast food era a comida oficial do evento. Será que a COP vai ter fast food? Quem mais emite carbono no ramo da alimentação.
Eles vão estar lá discutindo as resoluções da COP e vão estar comendo fast food?
Vai estar tudo ok se tiver liderança morrendo no dia da COP também? Então é preciso que seja algo transformador radical. Não existe mais tempo para voltar.
Não dá mais para postergar essa agenda. Não dá para se a Agenda 2060, 2100.
É agora. [Não tem mais tempo para] esse futuro branco que todo dia uma autoridade faz uma reunião e estabelece um protocolo de que precisa postergar um pouquinho mais.
Essa autoridade faz parte dessas que estão pagando passagem para colonizar Marte, porque assim age o colonialismo, eles estragam onde esta e busca outro lugar para ele colonizar, Então, que esse colonialismo ali seja freado e que a gente tenha um futuro agora.
Então, uma certeza é que vai ter uma barraquinha da Iacitata, seja dentro da COP, em frente ao evento, em frente aos hotéis? Pessoal não vai sair sem experimentar a verdadeira cultura alimentar da Amazônia?
E não só nossa, tem que estar toda uma rede aí de cultura alimentar, os assentados, as ocupações da reforma agrária, tem que estar as comidas dos quilombolas.
Era para estar os biomas de todo o país representado aqui, essa é uma luta que tem que ser levada à frente com muito afinco para que o governo federal garanta, que o Itamaraty garanta que a gente entre, porque a gente precisa entrar não só para cozinhar, não só para estar nesses espaços, para um serviço.
A gente precisa estar nesses espaços de decisão também.
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Edição: Rodrigo Chagas