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'Pode ser pior que Belo Monte', diz Angela Mendes sobre impactos da exploração de petróleo na foz do Amazonas

Apesar de reconhecer esforços do governo na área ambiental, filha de Chico Mendes vê com temor projetos da Petrobras

Ouça o áudio:

Angela teme prejuízos não só à fauna e à flora, mas também aos pescadores que vivem na foz do Amazonas
Angela teme prejuízos não só à fauna e à flora, mas também aos pescadores que vivem na foz do Amazonas - Cris Uchôa

Neste Dia Mundial do Meio Ambiente, a preocupação de Angela Mendes é uma só: a possibilidade de o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avançar no projeto de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas para a extração de petróleo.

“Tudo pode ir por água abaixo com a questão da exploração do petróleo na foz do Amazonas”, afirma em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (5).

A filha de Chico Mendes tem uma visão positiva dos esforços da terceira gestão Lula em relação à pauta ambiental. Ela defende que o governo pegou o país com “uma boiada passando” e segue enfrentando problemas por ter um congresso permissivo em relação às pautas ambientais.

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Mas Mendes pondera que todo o esforço pode ser jogado fora se o projeto da Petrobras for adiante que, segundo ela, deve ser mais danoso para a população e o meio ambiente que a construção da hidrelétrica de Belo Monte, em 2015, ainda na gestão de Dilma Rousseff.

“Os impactos talvez sejam piores do que Belo Monte, porque existem impactos mensuráveis e os não mensuráveis que possam ser descobertos com um tempo mais prolongado”, comenta.

“Os dois têm em comum o impacto para a população que vive na região, e isso é o mais grave, as pessoa que são retiradas dali, do seu lugar, do seu território, onde existe uma relação que não é uma relação tão simples, é uma relação ancestral, cultural, espiritual, com esse lugar que é sagrado”, ressalta. 

Confira a entrevista

Brasil de Fato: Como o Brasil chega a este Dia Mundial do Meio Ambiente?

Angela Mendes: A gente tem muitas perspectivas. Mas quando a gente fala que ainda tá longe de alcançar algum número que seja mais expressivo, por exemplo, o desmatamento zero, eu acho que para para ser justa, eu preciso, é importante lembramos de onde partimos.

A gente está falando de pelo menos sete anos que a boiada passou, e está passando ainda. Mas e eu estou falando, logicamente, da tragédia que foi os quatro anos de extrema-direita.

Mas importante lembrar que foi no mandato da presidenta Dilma, que teve um foco muito voltado à questão energética, que aconteceu Belo Monte e tudo o que envolveu aquela situação. 

O próprio desempenho na criação de áreas de proteção ambiental e terras indígenas. Foi um governo onde menos se criaram unidades de conservação. Não foi um mandato que vislumbrou um grande marco no campo ambiental.

Mas com o impeachment da presidenta Dilma, o Temer já começou fazendo besteira também muito cedo. Começando inclusive com a extinção da Renca [Reserva Nacional de Cobre e Associados]. Eu lembro que na época foi uma grande crise por conta disso. Embora não fosse uma unidade de conservação ela cumpre um papel muito importante, é um corredor ecológico importantíssimo daquela área, muito preservada, embora aquele episódio tenha desencadeado uma busca por garimpo ilegal.

Foi também o Temer que editou aquela famosa MP [Medida Provisória] da Grilagem, que também influenciou muito na redução de unidades de conservação e flexibilização do licenciamento ambiental.

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Tentaram também flexibilizar as regras trabalhistas sobre trabalhos analógicos a escravidão no campo, né? Eu lembro como se fosse ontem essa atuação e desempenho antiambientalista do tema. 

Mas o governo Bolsonaro chega e eleva tudo isso à máxima potência. Acho que é importante a gente relembrar de tudo isso também para entender os esforços que o governo vem fazendo agora no sentido de acho que de recuperar a imagem do Brasil. Mas não só isso, também dar uma resposta à sociedade.

Então a gente tem boas perspectivas, sim. O governo vem protagonizando, também, a própria reativação do plano de combate ao desmatamento que teve resultado positivo nas outras gestões.

O destravamento do Fundo Amazônia, que veio nessa perspectiva da eleição do próprio Lula com toda a trajetória que ele tem.

O plano de prevenção a desastres climáticos, que tá andando, a gente sabe que a da urgência, que tem, só ver a situação que o sul tá passando. Tem o plano de combate, à desertificação e a integração dos efeitos da seca.

A gente já tá aqui, por exemplo, no norte entrando no período das estiagens. A gente já tá olhando pro céu e, praticamente, não vê outra coisa que não seja fumaça, né? 

Então tudo indica que aqui, pra Amazônia, a população tá dizendo: "Olha, o rio nunca teve tão baixo neste período de chuva". Então, era se esperado também uma enchente, como acontece normalmente no Amazonas, sempre uma enchente que traz muitos prejuízos também, e esse ano o rio não subiu tanto. 

Esse "se mexer", a captação de recursos para implementar nessas políticas públicas para fortalecer, os órgãos ambientais de controle, fiscalização, digestão, isso é algo muito positivo, muito embora tudo pode ir por água abaixo com a questão da exploração do petróleo na foz do Amazonas.

Nessa região, a principal atividade econômica é a pesca. Então, para além dos graves prejuízos, prováveis prejuízos à fauna e à flora, o prejuízo econômico para as famílias que vivem de pesca, será gigantesco. 

E como os estudos técnicos não garantem, melhor seria não pagar para ver. Melhor seria se o governo desistisse e de fato fosse coerente com seu discurso de proteção na Amazônia, porque explora petróleo, tá muito longe desse objetivo. 

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Você citou Belo Monte e agora falou sobre explorar petróleo na foz do Amazonas. São projetos distintos, mas te parecem semelhantes no sentido dos prejuízos que podem trazer para a região e a população?

Eu diria até que seria pior. Os impactos talvez sejam piores do que Belo Monte, porque existem impactos mensuráveis os não mensuráveis que possam ser descobertos com um tempo mais prolongado.

Os dois têm em comum o impacto para a população que vive na região, e isso é o mais grave, as pessoa que são retiradas dali, do seu lugar, do seu território, onde existe uma relação que não é uma relação tão simples, é uma relação ancestral, cultural, espiritual, com esse lugar que é sagrado. 

Além disso tem os resultados que de fato vão vir. Belo Monte também, depois de tudo isso não representa, em produção de energia, tudo aquilo que se imaginava, né. 

Inclusive, o governo, com todo esse esforço de elaborar planos, de atualizar planos de combate de prevenção e desastres climáticos e sabendo que o petróleo e os combustíveis fósseis sejam, talvez, o principal gás de efeito estufa, causador do efeito estufa. o principal vilão nisso, então é muito incoerente, na verdade,

O Brasil tomar essa posição é uma questão grave, é gravíssimo. Não sei se dá para mensurar, mas eu acredito que seria mais grave do que a própria Belo Monte.

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E você vê a ministra Marina Silva com força política para barrar esse projeto?

Nossa, é certo que de fato as forças que estão por trás de toda a história do petróleo no mundo, são forças muito fortes.

Mas eu acho que a Marina, ao longo desse tempo, ela também foi arregimentando capital muito poderoso também, de empresas. Eu acho que o mundo está numa outra dinâmica, a sociedade internacional tem cobrado também. 

Acho que a Marina tem muito, muito apoio internacional. Porém, a gente sabe que a força do poder, do petróleo, desse sistema é muito grande também.

Na verdade copta o próprio congresso, que é um congresso onde tem a maioria dos parlamentares de extremadireita que não estão nem aí para essa pauta ambiental.

É por isso que eu tenho essa preocupação, eu tenho esse medo, de que a força da Marina, por mais que ela esteja muito fortalecida, seja batida pelo poder que o sistema hegemônico capitalista, principalmente voltado à questão do petróleo, tem e as garras que ele alcança.

Edição: Rodrigo Chagas