Em uma ação conjunta, camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), indígenas dos povos Kaingang e Guarani Mbya fizeram o lançamento aéreo de três toneladas de sementes de palmeira juçara e araucária. A atividade na Terra Indígena (TI) Rio das Cobras, no Paraná (PR), faz parte da Jornada da Natureza do MST.
O evento nesta terça-feira (4) contou com a presença da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, do chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, e da ministra interina do Desenvolvimento Agrário (MDA), Fernanda Machiaveli.
Lideranças indígenas de diferentes regiões do estado compareceram para entregar pessoalmente aos representantes do governo federal as suas demandas. É a primeira vez que Sonia Guajajara visita, enquanto ministra, uma TI no Paraná.
Em um documento elaborado a partir de uma reunião de caciques na noite anterior, as lideranças reivindicam demarcação dos territórios, políticas de fomento à agricultura, políticas de acesso à moradia e melhorias na saúde e na educação indígena.
"A principal pauta é o respeito à Constituição, à [Convenção 169 da] OIT [Organização Internacional do Trabalho], à Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que tem um capítulo específico sobre a educação escolar indígena", conta Elizandra Freitas, professora Kaingang da TI Rio das Cobras.
"Na saúde, a gente pediu que os atendimentos sejam diferenciados nos hospitais de fora dos nossos territórios, onde muitas vezes nossos direitos são desrespeitados", completa.
As autoridades do governo federal chegaram pela manhã, ao som e dança Kaingang apresentada pelo coletivo da Juventude Indígena Goykipyn e pelo grupo Vahga. Sonia Guajajara, então, subiu no helicóptero da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que, em parceria com o MST, está operacionalizando os voos para a distribuição aérea das sementes. A ministra acompanhou o primeiro lançamento de pinhão do dia.
Até sexta-feira (7), quando se encerra o evento do MST, que tem como tema “Semeando vida para enfrentar a crise ambiental”, serão plantadas 12 mil sementes de juçara e araucária.
"O que nós estamos fazendo é plantar o futuro", afirmou Sonia Guajajara. "E, aqui, hoje, estamos não só recuperando uma planta nativa e o meio ambiente, mas também garantindo a segurança alimentar. É um exemplo dado por essa parceria indígena e MST", disse.
Já Machiaveli, à frente do MDA enquanto o ministro Paulo Teixeira faz viagem à China, afirmou que o que observou foram "florestas produtivas". "É esse sonho que a gente tem do programa do MDA sendo já viabilizado pelas organizações da sociedade civil. Reflorestamento e restauro produtivo a partir das culturas nativas, mas também que produzem alimentos e geram renda", destacou.
Ao final do evento, o cacique da TI Rio das Cobras, Ângelo Rufino, ao agradecer a presença das autoridades, saudou que uma indígena ocupe uma cadeira no alto escalão do governo. "Desde quando a senhora foi nomeada eu bato à sua porta. Torço para que vocês atendam nossas demandas", disse, dirigindo-se à Guajajara.
Aliança sem-terra e indígenas
Apesar de ser antiga a relação entre camponeses e povos originários na região, atividades conjuntas entre o MST e os indígenas de Rio das Cobras, a maior TI do Paraná, ganharam corpo nos últimos cinco anos. Um dos grandes impulsos foi dado durante a pandemia, quando o movimento fez uma série de ações de distribuição de alimentos da reforma agrária.
Em 2023, as comunidades indígenas criaram a Brigada de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais, a PrevFogo. É a primeira do Sul do Brasil integrada ao programa federal do Ibama.
"Hoje estão com 15 integrantes, entre elas, duas mulheres. Essa equipe deu força às iniciativa de reflorestamento. A Associação da Terra Indígena de Rio das Cobras também teve essa ideia de articular com o MST, porque a gente analisou que as nossas lutas, muitas vezes, são parecidas", relata Elizandra.
"Conversando com as lideranças aqui da TI, a gente sabe que a araucária para eles é uma árvore sagrada. E nós temos, nas nossas comunidades em Guarapuava e Pinhão, uma riqueza que é a convivência com a araucária e a coleta do pinhão", explica Tarcísio Leopoldo, da direção estadual do MST no PR. "Então conversamos com eles sobre a possibilidade de fazer um experimento de semeadura aqui. Gostaram muito da ideia", conta.
"A gente foi se aproximando. Quando os sem-terra avançam, a comunidade indígena também pode avançar", diz o cacique Rufino. "Pinhão, guariroba, pitanga. A nossa alimentação que era dos antigos, hoje a gente não tem. Então temos que fazer esse trabalho. Não estamos pensando em nós, estamos pensando nos nossos filhos", ressalta.
"Você desmatou, você está praticamente tirando a vida. Nós indígenas estamos fazendo a nossa parte. É preciso que o Brasil faça sua parte também", salienta o cacique.
Demarcação
No último mês de abril, em Brasília, durante o Acampamento Terra Livre, a maior mobilização indígena do país, a expectativa era de que o presidente Lula (PT) assinasse a homologação de seis territórios. A canetada, no entanto, veio apenas para duas.
Com um ano e meio de mandato, o governo demarcou 10 das 14 TIs que foram apontadas pelo Grupo de Transição como prontas para terem a demarcação homologada. O movimento indígena reivindicou que as assinaturas de todas acontecessem até os 100 primeiros dias de governo.
Rio das Cobras, com 19 mil hectares, 11 aldeias e cerca de 1150 famílias, está homologada desde 1991. A situação, no entanto, não é regra no estado.
"A demarcação da TI Rio das Cobras é uma luta que foi desenvolvida pelos nossos ancestrais. Mas aqui mesmo no município de Novas Laranjeiras, temos a aldeia Boa Vista, que ainda não foi demarcada. Está no processo de luta", ilustra Elizandra.
Já a caminho da van ao final do evento, a ministra Sonia Guajajara foi perguntada pelo Brasil de Fato sobre a previsão para a demarcação de novas Terras Indígenas. Se limitou a dizer "estamos trabalhando para isso, sempre".
Edição: Geisa Marques