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Primeira atriz brasileira a concorrer no Cannes, Léa Garcia vai ganhar documentário dirigido por Joel Zito Araújo

Falecida no ano passado, atriz tem mostra gratuita até 23 de junho no CCBB de São Paulo, com mais de 15 longas

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Léa Garcia faleceu aos 90 anos - Divulgação/CCBB

Até o final deste mês, 15 filmes de Léa Garcia estão em exibição, de graça, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo. A mostra celebra a carreira de uma das maiores atrizes brasileiras, que faleceu em agosto do ano passado, durante o Festival de Gramado.

Léa Garcia foi a primeira artista a concorrer no Festival de Cannes pelo Brasil, em 1957, por sua atuação em Orfeu Negro, de Marcel Camus. Embora a atriz não tenha ganhado o troféu por sua atuação, o longa, inspirado em uma peça de Vinícius de Moraes, venceu o Palma de Ouro e, depois, levou o Oscar de melhor filme estrangeiro pela França.

Em território nacional, ela colecionou prêmios em Gramado, a exemplo de As Filhas do Vento, longa que recebeu oito títulos no festival.

A obra é de Joel Zito Araújo, cineasta e pesquisador mineiro que anunciou ao Brasil de Fato estar rodando um documentário sobre a vida de Léa Garcia. 

“A Léa era muita coisa pra mim. Além de uma grande parceira nos meus filmes, ela também se tornou uma grande amiga e depois, no final, eu a considerava uma mãezona. Quando eu perdi a minha mãe, eu me agarrei na Léa como espécie de mãe substituta, porque ela sempre me chamava de 'meu filho' e me considerava um dos filhos dela”, relata em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (3).

Segundo o diretor, a ideia é que o longa seja lançado em 2025. Não há previsões mais concretas porque a produção ainda está fechando os patrocinadores.

Joel Zito e Garcia estiveram juntos, também, em A Negação do Brasil e O Pai da Rita.

Na entrevista ao Brasil de Fato, o diretor comenta sobre sua trajetória e os desafios para mais cineastas negros terem espaço dentro da cena nacional.

“Hoje, a esquerda branca não tem coragem de bancar e de dizer que é uma fantasia criticar que nós não somos um país exemplo de democracia racial”, considera Joel Zito.

Na exposição no CCBB, estão em cartaz filmes como Ganga Zumba, de Cacá Diegues; Compasso de Espera, de Antunes Filho; O Forte, de Olney São Paulo; Feminino Plural, de Vera de Figueiredo; M8 - Quando a morte socorre a vida, de Jeferson De; Ladrões de Cinema, de Fernando Coni Campos; e A Deusa Negra, de Ola Balogun.

Na programação, o público poderá acompanhar três sessões comentadas por pesquisadores e realizadores que trabalharam com a atriz, e que pretendem explorar a importância de sua trajetória e seu pioneirismo como protagonista negra no cinema brasileiro.

Confira a entrevista na íntegra

Brasil de Fato: Quais são suas lembranças de Léa Garcia?

Joel Zito Araújo: A Léa era muita coisa pra mim, além de uma grande parceira nos meus filmes, ela também se tornou uma grande amiga e depois no final eu considerava a Léa uma mãezona. Quando eu perdi a minha mãe, eu me agarrei na Léa como espécie de mãe substituta, porque ela sempre me chamava de meu filho, e me considerava um dos filhos dela. 

E agora eu estou envolvido em um projeto de fazer um filme sobre ela, um filme documentário sobre ela. 

Conta mais sobre esse projeto. Tem alguma previsão?

Olha, a pretensão de sair em 2025. Nós ainda estamos fechando o patrocínio, já temos a metade do patrocínio, que é do Itaú Cultural, está bancando metade do filme, e temos outra metade em processo de conclusão. Eu não vou citar o parceiro, porque ainda não fechamos, mas também o parceiro é super importante nessa empreitada.

Mas é isso, é uma ideia de tê-lo pronto e lançá-lo em 2025. 

Você sente que faltou um reconhecimento a ela em vida?

Ela foi a primeira atriz brasileira a disputar, por exemplo, o Cannes. Então, isso não é qualquer marca, isso é uma marca super importante, ser a primeira. Não foi a primeira atriz negra brasileira a disputar. Foi a primeira atriz a disputar o Cannes. 

E o filme que ela fez é um marco da cinematografia mundial, tanto que a mãe do [Barack] Obama considerava como o filme mais importante que ela viu. Obama cita isso na biografia dele, que a mãe amava esse filme. 

E de certa forma, pode parecer curioso, mas a mãe do Obama era branca, nascida em um contexto muito racista nos Estados Unidos, e seguramente o filme Orfeu Negro ajudou na ampliação dos horizontes afetivos, culturais, da mãe do Obama e, talvez, o Orfeu Negro seja responsável pelo nascimento do Obama.

E a Léa foi cortejadíssima na época. Inclusive, uma história que pouca gente sabe, o Sidney Poitier, quando encontrou com a Léa em Paris, quando ela estava no lançamento do filme, ele ficou apaixonado pela Lea, ficou dando em cima da Leia, sabe?

Mas sim, ela foi uma das maiores atrizes brasileiras que foi pouco reconhecida em vida. Só na proximidade da sua morte que ela começou a ter um grande reconhecimento.

Ela e Ruth [de Souza] eram pessoas discretas, tiveram vidas discretas, né? E eu sentia muito isso desde que eu conheci a Léa, no período que eu estava fazendo A Negação do Brasil, por volta de 1998, 1999, o período que eu a entrevistei pela primeira vez, e a partir daí comecei a acompanhar a vida dela.

Sempre tive essa sensação de que parecia que o Brasil não suportasse a existência de duas grandes atrizes negras. Ruth, nesse período, já estava começando a ser reconhecida, ser celebrada, mas Léa estava assim no escanteio. 

Depois do falecimento da Ruth é que, enfim, as atenções se voltam um pouco mais para a Léa, mas ambas foram as primeiras atrizes brasileiras a disputarem os grandes festivais internacionais, antes da Fernanda Montenegro, antes de grandes outros nomes, de grandes outros atrizes, atrizes fundamentais do nosso panteão das grandes começarem a ter atenção lá fora.

Em 2017, você concedeu uma entrevista ao Brasil de Fato mostrando um levantamento feito pelo senhor que revelava como diretores negros eram excluídos do circuito nacional de cinema. Você mantém esse levantamento? E ainda considera o cinema como a expressão em que o racismo se demonstra mais perverso?

Eu não considero, eu demonstro. Eu demonstro isso, não é uma hipótese, isso não é uma ilação, é uma constatação. Felizmente, a partir desse levantamento inicial, outros institutos seguiram trabalhando. 

Porque eu fiz um levantamento assim, quase que na ponta do lápis. Depois disso, o Gema [Grupo de Economia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável] aquele grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e a própria Ancine [Agência Nacional de Cinema] e uma Comissão de Diversidade Gênero criada pela Ancine fizeram com muito mais rigor esse levantamento a partir dessa minha constatação inicial e chegaram a esses dados.

Mudou um pouco o quadro de lá para cá. Naquele período que eu fiz esse levantamento, não tinha nenhuma mulher negra dirigindo nenhum filme de longa… A única mulher negra que tinha dirigido um filme de longa foi lá atrás. Mas no período contemporâneo, não.

E hoje nós temos aí uma série de boas diretoras que lançaram filmes com Viviane Ferreira, que lançou recentemente O Pai Ó 2 e tantas outras, como Glenda Nicácio..
 
Mas, convenhamos, né? Nós estamos há um ano luz ainda da igualdade racial, no campo de cinema. Nós temos vários diretores negos atualmente, vários. Nós já somos hoje mais que de duas dezenas de diretores negros, com filmes de longa mentragem lançados, não só no polo Rio-São Paulo, como Minas, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, enfim. 

Então, esses nomes, como Juliana Vicente, que é uma diretora negra da telenovela, esses nomes não abafam o fato, apesar da vitória desses nomes, apesar dos belos trabalhos que essas pessoas estão fazendo, não abafam a profunda desigualdade no campo do cinema. 

A última pesquisa que você não me engano, apontava que 75% dos recursos de cinema estão na mão de homens brancos. E cerca de 19% dos recursos de cinema estão na mão das mulheres brancas. 

Então, nós saímos de uma posição infima, daquele período do meu levantamento, de menos de 2% e hoje talvez sejamos em torno de 5 a 6% entre diretores negros e diretores indígenas, também essa é outra grande e importante novidade.

Desde as décadas de 1980 e 1990, você já um nome consolidado dentro do cinema brasileiro, seja por conta das suas pesquisas como estava comentando antes, seja pelos seus documentários, como A Negação do Brasil. Mas seu primeiro longa de ficção, As Filhas do Vento, só foi lançado em 2004. Essa espera é algo que o senhor atribui ao racismo ou foi uma decisão sua?

Tem a ver com as dificuldades que enfrentam os diretores afrodescendentes. As dificuldades não são só de mercado quanto à temática em que nós trabalhamos. Mas também quantas nossas origens. Eu não conheço nenhum diretor afrodescendente que tenha surgido da classe média alta, todo mundo nasceu nas periferias.

Nós temos uma dificuldade de rede, de relações, para levantar dinheiro para fazer cinema. Essa é uma das dificuldades que todos nós sofremos. 

A segunda dificuldade é também lidar com a temática, e, particularmente, na minha geração que a temática racial ainda era tabu. Quando comecei a fazer os meus filmes, e eu comecei com o média metragem, em 1988, era um período em que todos os diretores e diretores dos roteiros acreditavam piamente, e os críticos de cinema também acreditavam piamente, na democracia racial brasileira. 

Então falar contra ela era um absurdo. Em 2005, no ano Brasil, na França [temporada de filmes nacionais exibidos ao longo de meses no país europeu por conta de um acordo entre os dois governos], foram selecionados cerca de 50 filmes que circularam pela França.

Eu tive a honra de ter dois entre os selecionados, tanto A Negação do Brasil, quanto As Filhos do Vento. E quando A Negação do Brasil, que denuncia, que critica a profunda desigualdade e a representação estereotipada dos negros nas telenovelas, quando foi exibido na Universidade de Strasburgo, na França, um professor brasileiro no final da exibição levantou e perguntou quem foi o responsável por trazer uma mentira dessa sobre o Brasil aqui.

“Isso é um absurdo, esse filme é mentiroso, o Brasil é a democracia racial”, ele disse e abafou o debate, não teve debate. 

Quem me relatou isso foi uma professora da Universidade de Strasbourg que estava presente que me contou essa história.

As pessoas ficarem envergonhadas, as pessoas que selecionaram o filme, quase que pediram perdão por ter selecionado o filme de dizer que não sabia dessa história.

O Brasil nunca foi contra a existência de negro no cinema, tanto que um dos nossos maiores atores da história do cinema nacional, o Grande Otelo, e o Oscarito eram a dupla poderosa de audiência nos anos 1950. Mas o protagonismo negro, a história, a representação dos negros como bonitos, sempre foram recusados, inclusive pela própria audiência. 

Tanto que Orfeu Negro, que é essa obra que é citada na biografia do Obama, que ganhou esses primos todos, que até hoje circula em um nível internacional, foi duramente criticado pelo Cinema Novo. 

Hoje, a esquerda branca não tem coragem de bancar e de dizer que é uma fantasia criticar que nós não somos um país exemplo de democracia racial.
 
Então, hoje, qualquer pessoa consciente das nossas tragédias nacionais não vai ignorar que a polícia de São Paulo, em qualquer momento de vingança, sai matando indiscriminadamente os jovens na periferia, como vingança de qualquer morte de policial.

A Negação do Brasil ganhou o É tudo verdade, mas teve dificuldade de entrar em Cuba no Festival de Havana, porque o filme questionava o mito da democracia racial do Brasil e, como espelho, acabava questionando o mito da democracia racial em Cuba também.


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Edição: Rodrigo Chagas