Coluna

Para a direita, não tem dia santo

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O coquetel de pautas no liquidificador do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mistura ingredientes conservadores e reacionários - Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Uma prometida semana curta tranquila, de Corpus Christi, virou uma avalanche de derrotas do governo

Olá! Sem Bolsonaro e com o centrão, a extrema-direita passa o rodo no Congresso.

.Blitzkrieg. Como alertamos na edição passada, os ventos da política estão mudando, e a crise no Rio Grande do Sul serviu mais para reafirmar o “salva-se quem puder” no Congresso do que para despertar seu espírito solidário. Foi assim que uma prometida semana curta e tranquila virou uma avalanche de derrotas do governo. O coquetel de pautas no liquidificador de Arthur Lira tem um tom de déjà vu. É a própria mistura de ingredientes conservadores e reacionários com pitadas de negacionismo que caracterizaram os quatro anos de Bolsonaro, mas agora sem nenhum capitão. Em apenas dois dias, o Congresso suspendeu partes do decreto presidencial que limitava a posse de armas; derrubou o veto parcial de Lula no tema da saída temporária de presos no regime semiaberto para visitas familiares; e derrubou ainda os vetos que garantiam o uso de verbas públicas para a realização de abortos legalizados e cirurgias de transição de gênero. E, para quem não entendeu bem o recado, a Câmara também manteve o veto dado por Bolsonaro que excluiu da Lei de Segurança Nacional o crime de disseminação de fake news em processos eleitorais. Enquanto na pauta “de costumes”, a CCJ da Câmara avança para derrubar a obrigatoriedade da vacinação infantil contra covid-19, no âmbito tipicamente neoliberal o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) tirou da gaveta uma PEC que abre caminho para a privatização das praias, rios e lagoas do litoral brasileiro que hoje pertencem à União. Com tamanho entusiasmo, não seria de admirar que a anistia dos envolvidos nos atentados de 8 de janeiro seja aprovada em breve… Claro, tudo isso só foi possível graças à traição dos aliados de ocasião, como o PP de Arthur Lira, União Brasil, Republicanos e PSD, que votaram majoritariamente contra o governo, e uma minoria incorpada dentro do MDB, o que revela mais um fracasso da articulação política. 

.A ficha caiu. Ah, mas se Lula estivesse no Brasil e não viajando no exterior, o Congresso… ops, dessa vez não. As derrotas anteriores foram todas para a conta dos ministros – Alexandre Padilha e Rui Costa – e dos líderes parlamentares responsáveis pela articulação política – Josué Guimarães, Jacques Wagner e Randolfe Rodrigues. Por isso, o Planalto decidiu melhorar o entrosamento do time, com reuniões semanais e com a presença do próprio Lula na definição das estratégias. Mas a responsabilidade pela derrota também foi ampliada para os ministros dos partidos do centrão que não são capazes de garantir os votos de seus correligionários. Mais do que isso, o governo admite que não tem resposta para as pautas conservadoras e Lula teria entendido que a relação com o Congresso é bem diferente de seus dois mandatos anteriores. O pior é que o governo ainda não sabe o que fazer. Um setor acredita que basta a economia melhorar para o quadro se reverter e Lula chegar com fôlego para as eleições de 2026. A esquerda do PT e do governo propõe ações mais radicais e de enfrentamento político. Mas outro setor moderado sugere diminuir o espaço do PT nas articulações e ampliar de outros partidos da base governista, leia-se o centrão. O certo é que, além da incapacidade de responder às pautas conservadoras, o método de distribuir emendas para garantir votos é ineficiente, simplesmente porque o Congresso já controla com alguma autonomia a distribuição destes recursos. Mesmo a única vitória do Congresso, a manutenção do veto ao calendário de emendas, é uma vitória de Pirro, já que, na prática, o ritmo do desembolso tem seguido a vontade dos parlamentares, 40% das emendas liberadas em 40% do ano. Fora do Congresso, o Planalto ainda teve que engolir o fracasso da sua proposta para encerrar a greve das universidades e mais uma pesquisa com alta rejeição do governo. E para completar, Arthur Lira saiu ileso da semana de derrotas a sucessão da presidência da Câmara embolouampliando o peso do PL no pleito e animou a oposição para uma antecipação da candidatura de Tarcísio de Freitas para a presidência.

.De volta a 2018. Não é apenas no Congresso que o fascismo segue vivo, alegre e saltitante. É bom lembrar que a extrema-direita governa três estados do sudeste, onde se concentram os maiores colégios eleitorais do país. O projeto de Tarcísio de Freitas de usar a segurança pública, um tema caro para a direita e um flanco da esquerda, como cartão de visitas, segue de vento em popa. Além do crescimento em 138% das mortes causadas por policiais - um em cada cinco assassinatos em São Paulo é causado por um policial - Tarcísio não tem pudores em flexibilizar o uso das câmeras nas fardas ou de contratar uma empresa militar arábe para um megaprojeto de vigilância digital. Se não bastasse, o governador carioca de São Paulo pretende criar até 100 escolas cívico-militares, o fracassado projeto de Bolsonaro para a educação, até 2026. Nisso, Tarcísio não está sozinho, já que no Paraná, Ratinho Júnior já contabilizou 312 escolas deste modelo e vai além, propondo a privatização da gestão das escolas públicas. É incerto que o governador paulista troque uma possível reeleição pela corrida pelo Planalto em 2026, mas até a família Bolsonaro já entendeu que o fascismo não precisa mais da trupe do Vivendas da Barra para sobreviver eleitoralmente. E não é apenas no parlamento ou no Executivo estadual que a extrema-direita demonstra força. Segundo levantamento da Folha, sete partidos concentram 80% do Congresso e 70% do fundo partidário. Tirando o PT, os demais são o PL e o Centrão, que chegam turbinados por emendas e fundos partidários para as eleições municipais.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.A nova vida velha do homem que confessou ter matado Chico Mendes. Reportagem da Sumaúma reconstroi a trajetória do grileiro, assassino e presidiário, que virou pastor e tentou carreira política.

.Como consumo de produtos preferidos pelos argentinos, como carne, mate e leite, mudou desde a posse de Milei. Quando o choque recessivo chega à mesa. No G1.

.Como a maior catástrofe socioambiental do RS impacta a cadeia do Livro e Leitura. Nonada Jornalismo traz o relato da tragédia intelectual que acompanha a catástrofe socioambiental. 

.O negacionismo climático no cotidiano da igreja evangélica. As razões teológicas, políticas e pragmáticas do negacionismo evangélico. No Congresso em Foco.

.Quase 90% do desmatamento ocorrido no Brasil em 2023 esteve concentrado em menos de 1% das propriedades rurais. Conheça alguns dos culpados pela crise climática. No Brasil de Fato.

.Maioria no país, mulheres negras formam grupo menos beneficiado por avanços sociais, diz Pnud. No G1, confira os dados da desigualdade social no Brasil.

.Calibã e a Bruxa, 20 anos depois. No Outras Palavras, Silvia Federici faz um balanço de sua grande obra, agora em nova edição.

.'O elogio ao egoísmo': a redescoberta de 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' nas redes sociais. No Brasil de Fato, Cláudio Soares explica as razões da atualidade da obra de Machado de Assis.  

.Em agosto nos vemos, de Gabriel García Márquez. No Le Monde, Bruno da Silva resenha a obra póstuma do autor colombiano recém lançada no Brasil.

 

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*Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Chagas