Acampados à beira da estrada sob fios de alta tensão e à margem da fazenda Cinco Estrelas, na zona rural da cidade de Novo Mundo, no Mato Grosso (MT), 74 famílias sem terra relatam estar vivendo com medo. “Estamos sofrendo ameaças de homens armados fazendo ronda. Não temos mais nosso direito de ir e vir”, relata Maria*, uma das acampadas.
Na última segunda-feira (27), os sem-terra ocuparam uma área sobreposta à fazenda que foi destinada, em abril, a assentamento da reforma agrária pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Horas depois, foram despejados sem ordem judicial pela Polícia Militar e por agentes da empresa de segurança privada Tática Serviços.
Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), um homem teve o braço quebrado e uma idosa teve de ser hospitalizada. Dez trabalhadores sem terra, a defensora pública Gabriela Beck e dois representantes da CPT – entre eles, o padre Luís Cláudio da Silva – foram detidos.
Na quarta-feira (29), o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), declarou: “Não adianta a Defensoria ir lá falar, não adianta o padre, não adianta o bispo, não adianta o político, o deputado”. Ao RD News, um jornal local, ele afirmou: “Quem tem posse vai ter a proteção da polícia do nosso estado”.
Área já destinada para reforma agrária
A posse dos 4,3 mil hectares da área em questão, no entanto, é da União. Foi este o entendimento da Justiça em 2020, em decisão de primeira instância. É por isso que o Incra emitiu portaria de assentamento definitivo das 74 famílias, destinando 2 mil hectares desse território para o Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Novo Mundo.
Um recurso contra a decisão de primeira instância foi impetrado em nome de Clayton Rodrigues da Cunha, que reivindica a propriedade dos 4,3 mil hectares. Esse mandado de segurança, no qual argumenta que a área é usada para criação de gado e plantio de soja e milho, ainda não foi julgado em segunda instância, representada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em Brasília. Enquanto o TRF não aprecia o caso, o conflito se acirra no norte do Mato Grosso.
As famílias já levam 20 anos debaixo de lona e sem água à beira da estrada, esperando a autorização judicial para serem assentadas definitivamente. “Estamos correndo risco aqui. Temos idosos e muitas crianças, inclusive de colo”, diz Maria.
Em nota, a CPT denuncia que o despejo foi feito em ação “coordenada” entre a PM e os seguranças da Tática Serviços – referidos pela Pastoral como “jagunços da Fazenda”, “a mando do grileiro Clayton”.
“Além de diversas prisões arbitrárias, a Polícia Militar de Mato Grosso demonstrou uma perceptiva relação com a empresa de segurança, que ajudou ativamente nesta ação truculenta, além de indicarem quem deveria ser preso. Os seguranças tomaram os celulares dos detidos e asseguraram a permanência deles nos ônibus escolares do Programa Caminhos da Escola”, descreve a Comissão Pastoral da Terra.
“Com escudos, bombas, armas de grosso e spray de pimenta foram acionadas a mando do governador, segundo o próprio major que comandou a operação disse”, informa a CPT.
O Brasil de Fato falou por telefone com o dono da Tática Serviços. Wagner Vieira confirmou que os agentes participaram da ação de despejo, mas negou que tenham reprimido os trabalhadores sem terra. Segundo ele, os seguranças ficaram “na porteira”.
Questionado sobre quem acionou a empresa de segurança privada para atuar no despejo, Vieira informou que nada mais falaria e consultaria seu advogado. O espaço para manifestação segue aberto.
A reportagem também pediu posicionamento para a Secretaria de Segurança Pública do governo de Mauro Mendes e para o Incra. As respostas não chegaram até o fechamento deste texto. Caso venham, a matéria será atualizada.
* Nome alterado para preservação da fonte.
Edição: Rodrigo Chagas