"Houve uma desdolarização quase completa das relações econômicas bilaterais", disse o ministro das Relações Exteriores russo Sergei Lavrov durante a última reunião do Conselho de Chefes das Regiões Russas, órgão consultivo que inclui os líderes de todas as divisões federais do país. Segundo o chanceler, atualmente mais de 90% dos pagamentos mútuos entre Rússia e China são feitos em rublos ou yuan. No ano passado essa cifra chegou a ser de 95%.
Em sua recente visita de Estado à China, o presidente russo, Vladimir Putin, também destacou essa cifra junto ao fato de que de 2019 a 2023 o volume de negócios entre os dois países mais do que dobrou, do equivalente a US$ 111 bilhões (R$ 572 bi) para US$ 227,8 bilhões (cerca de R$ 1.17 trilhão). "Mais de 90% dos acordos entre as nossas empresas são feitos em moedas nacionais, portanto, seria mais correto dizer que o comércio bilateral totaliza atualmente cerca de 20 trilhões de rublos, ou quase 1,6 trilhões de yuans", disse o mandatário russo à agência de notícias chinesa Xinhua.
Quase ao mesmo tempo, a Bloomberg noticiou que assessores de Donald Trump (que tentará obter um novo mandato presidencial nas eleições dos Estados Unidos em novembro deste ano), estão estudando mecanismos de sanções para países que tentem desdolarizar suas economias. As medidas poderiam incluir tarifas e controles de exportação, entre outras.
Para Carlos Correa, diretor executivo da organização South Centre, o predomínio do dólar gera uma assimetria que se intensifica agora com sua utilização como arma geopolítica.
"O domínio do dólar, e em particular do sistema SWIFT, permite aos Estados Unidos bloquear qualquer transferência, qualquer ação comercial em relação aos países que são objeto dessas chamadas sanções. Isso significa que países como Cuba, Zimbábue, Irã, Venezuela não podem adquirir bens básicos, não podem adquirir medicamentos porque as potenciais empresas fornecedoras preveem a possibilidade de sanção", diz Correa.
Ele participou no último dia 20 de maio do Diálogo 2024 sobre BRICS e Reforma da Arquitetura Financeira Internacional, organizado em Pequim pelo South Centre, o Beijing Club e Associação de Diplomacia Pública da China. O evento contou com a participação de 50 especialistas e acadêmicos da China, Rússia, África do Sul, Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Qatar, Argélia, Uzbequistão, Bangladesh e outros países e regiões.
Há 80 anos, o acordo de Bretton Woods atrelou o dólar estadunidense ao ouro e às moedas dos países participantes do acordo ao dólar e criou o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O acordo foi abandonado em 1971, e em 1974, a hegemonia do dólar foi renovada através de pacto entre Estados Unidos e Arábia Saudita para venda de petróleo exclusivamente em dólares. À época, a Arábia Saudita era o terceiro maior produtor de petróleo do mundo.
Para Correa é preciso superar esta fase: "Não há razão para que este domínio continue (...) não possui qualquer proporcionalidade com o peso econômico que os Estados Unidos têm atualmente no mundo".
Alternativas
Na próxima reunião do Brics, que acontecerá em outubro na cidade russa de Kazan, será entregue o relatório elaborado pelo grupo de trabalho que avaliou um possível sistema comum de pagamentos. Essa foi tarefa encomendada na última cúpula do Brics realizada no ano passado em Joanesburgo, na África do Sul.
Alguns meses antes, o presidente Lula pautou o assunto em nível internacional em sua visita de Estado à China.
Apesar de debates e demandas sobre uma possível moeda comum, pelo menos no Brics a opção ainda não está sobre a mesa. Para Li Bo, diretor do Instituto Chunqiu de Desenvolvimento e Estudos Estratégicos de Xangai, a experiência da Unidade Monetária Euro pode ser um exemplo para o grupo de países do Sul Global que já superaram o G7 no PIB por Paridade de Poder de Compra, respondendo por 35,6% contra 30,3% do grupo de países do Norte Global .
"A Unidade Monetária Euro existiu durante 20 anos, e na verdade era usada para estabilizar a taxa de câmbio entre as principais moedas dos países europeus, e para protegê-las da flutuação e de choques externos causados pelos EUA ou outras partes do mundo", explica Li Bo.
"Então, esta seria uma boa opção para os países do Brics: utilizar este mecanismo para estabilizar melhor o seu comércio interno", conclui.
Edição: Rodrigo Durão Coelho