Reconhecimento de ação pelo STF foi importante para estabelecer metas de preservação da Amazônia
Esta semana foi marcada por datas emblemáticas que trazem a reflexão sobre a necessidade de tratar sobre a proteção da biodiversidade do planeta.
Em 20 de maio foi sancionada a Lei Federal da Biodiversidade (nº 13.123/2015) e nesta quarta (22) foi celebrado o Dia Mundial da Biodiversidade – duas datas que se complementam e reforçam a urgência de tratar sobre a manutenção da biodiversidade do planeta, principalmente diante do avanço das mudanças do clima. E não se pode falar disso sem trazer para o foco a preservação da floresta amazônica e da proteção a seus povos.
Mas para a floresta estar em pé, o desenvolvimento de ações articuladas e envolvendo diferentes esferas de governo é medida prioritária.
Com a nova gestão do governo Lula, houve significativa redução das taxas de desmatamento em relação ao governo anterior. Conforme o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a devastação em janeiro e fevereiro de 2024 atingiu 196 km², 63% a menos do que nos mesmos meses em 2023, quando foi detectada a destruição de 523 km². Na Amazônia, foram 11 meses consecutivos de redução, tornando o primeiro bimestre de 2024 com menor índice de destruição da floresta desde 2018.
Esses dados têm reflexo direto da retomada da implementação, no início de 2023, de uma nova etapa do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm). No entanto, a biodiversidade e os povos da floresta seguem ameaçados: pelo avanço da grilagem, do garimpo, pelo desenvolvimento de empreendimentos de alto impacto socioambiental e pela flexibilização de legislações que priorizam o lucro em detrimento da preservação e da vida.
É importante destacar que o enfrentamento ao desmatamento, assim como a preservação da sociobiodiversidade (floresta e pessoas da/na floresta), exige o compromisso de todos os poderes, também do Legislativo e do Judiciário.
A decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, em abril deste ano, contribuiu fortemente com pressão ao Estado brasileiro para a adoção de medidas de proteção.
Impetrada pelos partidos políticos PSB, REDE, PDT, PT, PSOL, PCdoB e Partido Verde, a ADPF 760 foi concebida conjuntamente por mais de dez redes e organizações da sociedade civil, que foram admitidas como amici curiae para o julgamento. A Terra de Direitos aceita como “amigo da corte” apresentou dados sobre como a falta de um plano de controle do desmatamento fez avançar a destruição da floresta dentro de unidades de conservação.
A ADPF 760 — chamada ADPF do desmatamento — tratava da paralisação do PPCDAm durante gestão de Bolsonaro, e, em julgamento neste ano, os ministros reconheceram a urgência da retomada da execução do PPCDAm, e conclusão até 2027 da quinta fase do Plano, a qual inclui metas envolvendo recuperação de vegetação nativa, a adoção de práticas sustentáveis na agropecuária, formação e capacitação para cadeias de sociobiodiversidade e agricultura familiar, entre outras.
Um debate importante traçado neste julgamento foi a rejeição do pedido para reconhecer o chamado estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental, ou seja, reconhecer que medidas tomadas pelo Brasil foram inconstitucionais e justificaram a intervenção do Judiciário. Para a maioria dos ministros, o novo governo tem reduzido os níveis de desmatamento e adotado medidas de combate a crimes ambientais em terras indígenas e unidades de conservação na Amazônia Legal, não justificando a tese.
Outro ponto levantado nos votos do STF foi que reconhecer o estado de coisas inconstitucional poderia demonstrar um posicionamento preocupante do Brasil diante da proteção do meio ambiente, especialmente nesse momento em que o país tenta reconstruir as políticas e se colocar no cenário internacional dos debates ambientais e climáticos — inclusive com Belém tornando-se sede da COP do clima da ONU em 2025.
Com a nova etapa do PPCDAm. aliada às estratégias de protagonismo internacional, o Executivo assumiu compromisso de estimular atividades produtivas sustentáveis. A bioeconomia é percebida como estratégica para o desenvolvimento na Amazônia, sendo esse apoio às cadeias produtivas locais e às economias da sociobiodiversidade um requisito para a conservação da floresta e inclusão social das populações que dela sobrevivem.
Assim, deve-se garantir estrutura de incentivos econômicos às atividades produtivas sustentáveis na Amazônia, visando objetivos de redução do desmatamento, com o fortalecimento das políticas públicas orientadas para a inclusão da agricultura familiar, dos povos indígenas e dos povos e comunidades tradicionais, assim como das atividades agropecuárias na região.
Por outro lado, o Pará ocupa o 4º lugar no ranking de desmatamento do primeiro bimestre de 2024, com 26 km², 13% do registrado em toda a região, segundo dados do Imazon - e, ainda assim, o Governo do estado tem vendido discursos de incentivo a bioeconomia e de protagonismo da Amazônia em proteção ambiental e enfrentamento a crise climática.
Todo esse ideal sistema de proteção à floresta e à biodiversidade entra em desequilíbrio quando medidas como a aprovação da tese do marco temporal (PL 490/2007) e do PL do veneno (PL 1.459, de 2022) ou outro PL de afetação direta a biodiversidade da Amazônia, são aprovadas pelo Legislativo Federal.
São cenários políticos e de políticas públicas que parecem caminhar para estratégias bem-vindas – sejam as retomadas, como o PPCDAM, ou novas, — mas é essencial que discursos e medidas efetivas precisam estar em conformidade nas diferentes esferas. Ainda mais importante é reconhecer que sem ação efetivamente integrada e comprometida a proteção à biodiversidade e a vida da Amazônia seguirá sendo vulnerabilizada.
Texto de Suzany Brasil* Lanna Paula Ramos**, Lizely Borges***
*É assessora jurídica popular da Terra de Direitos.
**É jornalista e comunicadora popular da Terra de Direitos.
**É jornalista da Terra de Direitos.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Geisa Marques