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Por que o futebol brasileiro precisa parar?

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Quem está no Rio Grande do Sul neste momento convive com o mais completo caos - Comunicação Sport Club Internacional
Pergunte para qualquer torcedor: nenhum deles, nenhum está pensando em futebol neste momento

Luiz Ferreira*

Muita gente boa já disse isso, mas é bom repetir: o futebol brasileiro precisa parar. Não por tanto tempo como aconteceu na época da pandemia da covid-19. Mas precisa parar. E pra ontem. Por uma questão de sobrevivência de quem depende dele para viver.

O primeiro motivo parece óbvio.

A tragédia no Rio Grande do Sul e as fortes chuvas que praticamente varreram todo o estado no início de maio. Simplesmente não há a menor condição de se pensar em jogar futebol e eu não gostaria de ter sido o cara que virou pra um Thiago Maia, pra um Nenê ou pra um Diego Costa (alguns dentre tantos jogadores e jogadoras que estão dispondo de seus recursos para ajudar quem precisa) e falou que eles precisavam largar o que estavam fazendo e voltar a jogar.

Entendam bem a situação, meus amigos. Quem está no Rio Grande do Sul neste momento convive com o mais completo caos. O rio Guaíba segue uns cinco metros acima do nível normal, as ruas estão alagadas, as pessoas não têm onde morar e o ir e vir de cada um depende de barcos e helicópteros. Tem muito profissional ligado ao futebol que largou o que estava fazendo para ajudar de todas as maneiras possíveis. E isso sem falar naqueles que perderam bastante coisa nessa tragédia.

Pergunte para qualquer torcedor de Grêmio, Internacional, Juventude e dos mais modestos Caxias, Ypiranga, São José (que disputam a Série C), Brasil de Pelotas, Novo Hamburgo e Avenida (que disputam a Série D). Nenhum deles, nenhum está pensando em futebol neste momento. Mesmo com alguns destes clubes retomando os treinamentos.

A parada do futebol é importante para traçar o rumo do nosso futebol nesses próximos meses. Exigir que os clubes gaúchos entrem em campo quando o Rio Grande do Sul está do jeito que está é ignorar completamente o viés humanitário que o velho e rude esporte bretão possui. As pessoas, mesmo de equipes rivais, estão se ajudando. O foco não é a próxima partida ou o restante da temporada, mas a sobrevivência de todos no meio de um cenário de filme hollywoodiano de catástrofe.

E é aqui que entra a Dona CBF.

Eu nem preciso lembrar que é de responsabilidade da Confederação Brasileira de Futebol zelar pelo esporte mais amado do país em todos os seus níveis. E zelar significa garantir a isonomia em todas as suas competições. Entender que fatores externos podem prejudicar o andamento de cada competição organizado por ela, procurar o entendimento entre os clubes para que haja igualdade de condições nas partidas de cada competição e encontrar soluções rápidas para problemas que todos nós conhecemos, tudo isso é atribuição dela e também das federações estaduais (que adoram mamar nas tetas dos clubes não é de hoje).

E aí eu te pergunto, meu caro leitor do Brasil de Fato… Você acha mesmo que Grêmio, Internacional, Juventude, Caxias, Ypiranga, São José, Brasil de Pelotas, Novo Hamburgo e Avenida reúnem as mesmas condições que um Flamengo, um Palmeiras ou um Atlético-MG possuem para entrar em campo daqui a duas semanas?

A resposta é óbvia, não é?

E antes que você me xingue, sim, eu também entendo quem deseja que o futebol continue em todas as séries, seja no masculino e no feminino. Tem muita gente que vive disso e alguns clubes vêm dando show na arrecadação de doações para o povo do Rio Grande do Sul. Toda a ajuda será muito bem-vinda e altamente necessária por alguns meses (não, eu não estou exagerando).

O que eu proponho é muito mais profundo do que simplesmente parar pra ver se o nível da água abaixa. É uma parada para reorganizar tudo por aqui. Está claro que os clubes citados acima não reúnem as condições necessárias para jogar em alto nível. Assim sendo, a CBF pode propor uma série de “medidas de proteção” para essas equipes, tais como:

    • Garantia de permanência em cada série para cada clube gaúcho que esteja envolvido em alguma competição da CBF mesmo que este afirme não ter condições de entrar em campo;
    • Ajuda de custo para os clubes que, mesmo diante de todo o cenário devastador, quiserem jogar;
    • Manutenção de um gabinete permanente de ajuda aos profissionais que dependem do futebol (massagistas, roupeiros, porteiros, analistas de desempenho e por aí vai);
    • Negociação junto à CONMEBOL para que Internacional e Grêmio mantenham suas vagas nas edições de 2025 da Libertadores e Sul-Americana.

Tudo isso demanda tempo, conversa, negociação e muita boa vontade por parte de todos que querem realmente ajudar o Rio Grande do Sul. E não se trata de caridade ou assistencialismo. É a melhor maneira de se garantir um mínimo de isonomia nas competições organizadas pela CBF e também pela CONMEBOL. Mas isso só vai sair do papel se o futebol brasileiro parar por mais algumas semanas. Temos razões humanitárias e razões esportivas para isso.

Parar para preservar os clubes do Rio Grande do Sul e permitir que jogadores, comissões técnicas e funcionários ajudem seus familiares e tenham um pouco de tempo para reconstruir suas vidas. Isso é isonomia! E não um simples convite para que o clube A ou B saia da sua cidade e treine numa outra cidade ou num outro estado.

Lembrem-se de que a galera que defende a tese do “the show must go on” se esquece de que não há show que resista se você não mostra um mínimo de Humanidade com quem está no palco.

Fato é que o Brasileirão da Série A já está atrasado. E pelo que estamos vendo, é bem possível que vejamos todos os clubes da competição (incluindo os gaúchos) jogando três ou até quatro vezes na semana para cumprir esse troço esquisito que chamam de calendário. E se está assim na Série A, imaginem como vão ficar as coisas no BR Feminino e nas séries C e D.

Como estamos vendo, resolver esse problema não é fácil. É bem possível que alguém tenha ideias melhores do que as minhas. É possível também que os próprios clubes gaúchos desejem entrar em campo como uma forma de trazer conforto para quem passa necessidade. E é possível que as coisas tomem um outro rumo completamente diferente do levantado aqui.

Seja como for, é preciso ter calma e paciência. E é por isso que parar o futebol brasileiro nesse momento é importante. Pelo bem de quem ainda sofre com essa tragédia e pelo bem dos que ainda vão sofrer com outras tragédias.

Tá na hora do mundo do futebol entender que ele também é afetado pelas mudanças climáticas.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse