Desde o início da tragédia climática que se abateu no Rio Grande do Sul, inúmeras ações de solidária vêm surgindo para mitigar os efeitos das enchentes no estado. Com o objetivo de reunir informações sobre abrigos, locais comunitários para apoio, doações e distribuição de itens dos mais diversos em Porto Alegre e região Metropolitana, o Fórum Social das Periferias de Porto Alegre (FSPPA) criou o Mapeamento de Pontos de Solidariedade, organizado por atividades oferecidas em cada território.
"A gente percebe que há uma invisibilidade de comunidades indígenas, comunidades quilombolas, periféricas. Essas comunidades são invisíveis para o poder público. E, via de regra, os serviços do Estado tendem a chegar com muita dificuldade, com muita lentidão, quando chegam nesses territórios. E quando chegam, chegam por pressão dos movimentos sociais, das comunidades", pontua o professor da rede municipal de Porto Alegre e militante do Fórum Social das Periferias, Leonardo Borghi Ucha.
Conforme expõe Ucha, essa situação já tinha sido observada no início da pandemia. "Havia uma grande movimentação de apoio de doações indo para grandes instituições, indo para instituições do Estado. E a gente sabe que o acesso a isso, às instituições do Estado, o acesso às doações, muitas vezes é muito burocrático, muito lento e muito centralizado. E nesse momento de crise climática, gerada por ações, pela negligência dos poderes públicos, que trabalham muitas vezes beneficiando grandes empresas e o lucro de um pequeno grupo de pessoas apenas, o acesso a essas doações acaba dificultado", afirma.
Comunidades periféricas não atingidas diretamente pelas enchentes também foram afetadas, destaca a militante do FSPPA Carla Ribeiro. "Ruas não pavimentadas, bueiros e bocas de lobo entupidas, falta de luz e água já era sistemático, agora piorou. As famílias que já estavam em situação de vulnerabilidade receberam amigos e familiares que perderam tudo. Imagina uma família de quatro ou seis pessoas, que mal tem para si, recebendo mais quatro ou seis. Estamos buscando parcerias, doações para estas famílias que abrigam outras, pois as grandes doações que chegam e os locais que as recebem não distribuem para famílias, apenas para abrigos", expõe.
Como complementa Ucha, muitos foram atingidos indiretamente porque perderam sua fonte de renda, como vendedores ou prestadores de serviços em regiões que foram alagadas, para empresas que tiveram seus trabalhos, suas atividades interrompidas. "Tem muita gente que mora na periferia e que vende objetos, que vende serviços em regiões centrais ou em outros locais. E para essas pessoas não há renda. Muita gente está sem conseguir comprar mantimentos, itens básicos de sobrevivência, e é muito difícil acessar essas doações."
Mapeando redes de solidariedade
Conforme expõe o professor, surgiu a ideia de mapear os locais nas periferias que estão prestando auxílio e ações solidárias, como associações, lideranças comunitárias, escolas periféricas, terreiros e igrejas. "Para que, por bairro, por região, micro ou macro da cidade, ou mesmo da região metropolitana, as pessoas pudessem fazer essas doações diretamente para esses espaços, para essas pessoas, para essas lideranças, que são lugares que muitas vezes servem de apoio. Espaços que não são centralizados, que não têm grande visibilidade, que são muitas vezes esquecidos pelos poderes públicos, mas que são importantes para o fortalecimento da vida cotidiana dessas comunidades", explica.
Segundo pontua Ucha, há um grupo de voluntários, ativistas e militantes que está colaborando e ajudando a construir uma parceria com o pessoal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para dar uma amplitude ao mapeamento.
Carla destaca que a solidariedade nas periferias é gigantesca. "Aprendemos desde sempre a nos ajudarmos, as cozinhas solidárias fazem marmitas... os fazedores de cultura, pequenos comerciantes, ativistas em geral. Pessoas se somam em uma grande corrente do bem e tentam ajudar todos que conseguem, levando água, cesta básica, roupas, material de higiene, colchões, etc. Arrecadamos e distribuímos."
O mapeamento é atualizado constantemente e pode ser acessado neste link.
Associação atende famílias que abrigam
Em Sapucaia do Sul, na região metropolitana de Porto Alegre, a Associação Cultural e Educativa Sapucaia (Acesa), coletivo que atua nas áreas da cultura e educação a fim de estimular a cidadania, vem atendendo famílias que estão abrigando pessoas atingidas pela enchente. O trabalho da instituição tem foco nas crianças e adolescentes das comunidades mais carentes, que têm menos infraestrutura e estão em ocupações em áreas irregulares.
De acordo com informações da prefeitura, o total de desabrigados é de 945 pessoas. Dessas, 240 estão abrigadas temporariamente na Escola Hugo Gerdau e 360 pessoas no ginásio e dependências da Escola Otaviano Silveira. Outras 345 pessoas estão em salões comunitários, igrejas e associações.
Para o presidente da Acesa, João Batista Nunes, o número de desalojados é ainda maior, uma vez que muitos estão abrigados em casa de parentes, amigos e locais improvisados e cedidos. "Nós iniciamos um trabalho para atender esses alojamentos solidários, essas casas que estão com muita gente. Nosso foco é atender estas famílias que estão abrigando pessoas atingidas pela enchente. À medida que recebemos as doações, a gente prepara os kits de alimento, kits de higiene e leva nessas casas", explica.
Conforme frisa Nunes, a demanda tem sido considerável e toda a ajuda é bem vinda. A Associação tem feito parcerias como com a Ong de funcionários da Caixa Econômica Federal, com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), entre outras.
A Acesa está com uma campanha de arrecadação por meio do Pix 48540545/0001-17
De acordo com o último boletim da Defesa Civil, divulgado às 18h desta segunda-feira (20), o Rio Grande do Sul tem 581.633 pessoas desalojadas e 76.188 em abrigos. Dos 497 municípios gaúchos, 464 foram impactados pelas enchentes, afetando 2.339.508 habitantes. São 157 óbitos confirmados e 85 pessoas desaparecidas.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira