Rio de Janeiro

DITADURA?

Setor de inteligência da PM monitorou advogado e políticos do Rio de Janeiro

Relatório elaborado em abril é considerado um resumo operacional da UPP do Jacarezinho

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Políticos e advogado exigem explicações do governo do estado, do Camando da Polícia Militar e da Secretaria de Estado de Segurança Pública - Foto: divulgação PMRJ

Um relatório da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, ao qual o jornal O Globo teve acesso, mostra que agentes de inteligência da Polícia Militar monitoraram a atuação de políticos e um advogado popular. 

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O documento elaborado em abril e entregue ao Comando de Polícia Pacificadora (UPP) é considerado um resumo operacional da UPP do Jacarezinho e está entre os documentos internos encaminhados para a nova cúpula da PM nomeada no último mês. 

De acordo com a reportagem publicada no jornal O Globo, o relatório releva a  atuação de traficantes na favela, dominada pelo Comando Vermelho, que tem cerca de 40 mil habitantes. Além disso, o documento faz citação de pessoas acusadas de comandarem o tráfico, as outras atividades ilícitas dos criminosos e como seria lavado o dinheiro do crime. Em seguida, os policiais identificam o criminalista e ativista pelos direitos humanos, Joel Luiz da Costa, como "advogado da quadrilha".

Segundo a reportagem, a inteligência da PM destaca no relatório o número da carteira de identidade (RG) do advogado e realça que ele é "diretor do Instituto de Defesa da População Negra e integrante da Coalizão Negra por Direitos".

Além de Joel, os PMs do setor de inteligência da UPP definem três políticos como "influentes" na comunidade: o deputado estadual Flávio Serafini (Psol), a ex-deputada estadual Mônica Francisco (PT) e o ex-deputado Sebastião da Costa Cândido, o Tiãozinho do Jacaré (Republicanos).

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Contudo, apesar de serem nomeados influentes pelos policiais, apenas Tioãozinho do Jacaré, antigo líder comunitário da favela, obteve uma expressiva votação na região em relação ao total de votos recebidos. Dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que Flávio Serafini, eleito em 2022 com 71 mil votos, recebeu nas urnas do Jacarezinho apenas 42 votos. Mônica Francisco concorreu a uma vaga de deputada estadual e não foi eleita. Com 23 mil votos ela ficou com uma das suplências do Psol, mas na favela recebeu apenas 35 votos.

O que dizem os políticos e o advogado?

Joel Luiz da Costa, que atuou como coordenador do Observatório Cidade Integrada, que monitorava violações de direitos na comunidade do Jacarezinho entre fevereiro e outubro de 2022, ressaltou ser vítima de perseguição e criminalização.

Já Flávio Serafini disse que encaminhou um ofício à PM com pedido de esclarecimentos sobre o documento. O deputado entende o relatório como “uma evidente intenção de criminalizar lideranças comunitárias, defensores de direitos humanos e parlamentares de esquerda”. 

“O documento traz, em uma suposta atuação de inteligência, o que seriam os representantes da comunidade vinculados ao narcotráfico, além de defensores de direitos humanos de movimentos sociais e de partidos políticos”, diz trecho da nota pública divulgada pelo parlamentar.

Mônica Francisco também usou as redes para se posicionar contra o relatório e exigir uma manifestação do governador Claudio Castro (PL), do comandante chefe da PM, o coronel Marcelo de Menezes Nogueira, e do secretário de Estado de Segurança Pública do Rio, Victor César, sobre o monitoramento. A ex-deputada relaciona a sua menção no relatório à atuação como defensora de direitos humanos. 

“Tenho uma trajetória de lutas por direitos para todas as pessoas faveladas, como eu, trabalhei em quase todos os territórios favelados dessa cidade, nos programas de reurbanização, PAC, Água para Todos, mas nada disso justifica Polícia Militar monitorar minhas ações em defesa dos direitos humanos”, afirma em nota divulgada nas redes sociais.

Tiãozinho do Jacaré não se manifestou até o fechamento desta reportagem. 

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB RJ) também se manifestou sobre o caso e afirmou já ter oficiado Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) e à Secretaria de Segurança Pública requerendo explicações sobre o monitoramento do advogado Joel Luiz da Costa. 

“É patente o ânimo intimidatório da PMRJ na inclusão do advogado como pessoa de interesse num relatório da inteligência, prática que remonta aos anos de ditadura militar, incompatível, portanto, com práticas de segurança pública de um Estado democrático de Direito”, destaca o comunicado da OAB.

Posição da PM

Em nota, a Polícia Militar disse ao O Globo que "os políticos e lideranças locais citados, assim como outros representantes da comunidade, compõem o cenário analisado e, por isso, estão inseridos no contexto da produção do relatório", feito para apresentar "uma análise de cenário e orientar as ações das novas equipes das unidades sempre que há troca de comando". 

*Com informações de O Globo.
 

Edição: Jaqueline Deister