A Rússia anunciou na última quarta-feira, dia 15, que assumiu o controle de novos territórios ucranianos na direção de Kharkov, uma das maiores cidades do país. As Forças Armadas da Ucrânia reconheceram o recuo de suas tropas na parte leste do território, alegando que o motivo foi "salvar a vida dos militares e evitar perdas".
O avanço russo aconteceu dois dias depois que o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que Andrei Belousov será o novo ministro da Defesa do país, substituindo Serguei Shoigu, que estava no cargo havia 12 anos. Em reunião que oficializou a formação do novo gabinete presidencial, na última quarta-feira (13), Putin fez questão de destacar os recentes êxitos das forças russas na Ucrânia.
"Nossas tropas estão constantemente, todos os dias, melhorando suas posições em todas as direções", declarou o líder russo.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, por sua vez, admite o momento extremamente difícil da defesa das forças ucranianas no campo de batalha e pediu mais ajuda militar do Ocidente.
"Precisamos de uma aceleração notável dos fornecimentos. Agora passa muito tempo entre o anúncio dos pacotes e o aparecimento real das armas na linha de frente. É importante agilizar a implementação das decisões e da logística", disse Zelensky.
O agravamento da situação das forças ucranianas em Kharkov fez com que Zelensky cancelasse viagens internacionais que estavam marcadas para a Espanha e Portugal. Em visita surpresa a Kiev nesta semana, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, declarou que a Casa Branca e a Ucrânia assinarão em breve um acordo bilateral de segurança, com mais um pacote de ajuda de US$ 2 bilhões (mais de R$ 10 bi).
Maiores ganhos
Nesta quinta-feira (16), Zelensky afirmou que “a situação é muito grave”. “Não podemos nos dar ao luxo de perder Kharkov", disse o presidente ucraniano em entrevista à TV dos EUA ABC News. Segundo ele, para proteger Kharkov, as Forças Armadas Ucranianas precisariam de dois sistemas de defesa aérea Patriot fornecidos pelo Ocidente.
De acordo com um relatório do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), durante a ofensiva iniciada semana passada, as forças russas avançaram 278 quilômetros quadrados na região nordeste de Kharkov e no sul da Ucrânia. O relatório aponta que foram os maiores ganhos da Rússia em um ano e meio de guerra.
Desde o início de 2024, as forças russas tomaram o controle de cerca de 800 quilômetros quadrados do território ucraniano, superando a área conquistada em todo o ano de 2023.
A ofensiva russa na direção de Kharkov também carrega um importante aspecto estratégico, pois, além de ser uma das maiores cidades da Ucrânia, a região simboliza a retomada de território mais importante da Ucrânia em toda a guerra, ainda em 2022.
Na ocasião, a Rússia reconheceu o recuo de suas tropas para reposicionamento e, em seguida, todo o ano de 2023 foi marcado pela expectativa de uma contra-ofensiva ucraniana. A retomada de Kharkov pela Ucrânia representou o momento da moral mais elevada das tropas ucranianas e impulsionou a injeção financeira e militar do Ocidente. Por fim, a contra-ofensiva não teve grandes êxitos e a Rússia reassumiu a iniciativa na linha de frente, pressionando e desgastando as tropas ucranianas.
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Estratégia militar
Em entrevista ao Brasil de Fato, o analista do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, afirma que tudo indica que a "Rússia está estabelecendo um novo ponto de pressão no front para buscar ‘esticar’ ao máximo as forças ucranianas na linha de frente, com a expectativa de que algumas partes do front serão rompidas, por exemplo, em Donbass".
"Ou seja, se há uma baixa de soldados [ucranianos], e a Rússia se utiliza da sua vantagem e estabelece mais um 'ponto quente' na linha de frente, faz com que reservas sejam transferidas para esse ponto, e expõe outras partes do front, onde a Rússia também pode exercer uma pressão", analisa.
De acordo com ele, a Rússia pode buscar exercer pressão sobe Kharkov por um lado, e por outro retomar parcialmente aqueles territórios que a Ucrânia retomou como consequência da contraofensiva em outono de 2022, fazendo uma ofensiva por trás do agrupamento das tropas ucranianas.
"Objetivo é esticar a defesa ucraniana na linha de frente, que tem quase 2 mil quilômetros de extensão, e nesse caso, é claro, se uma das partes possui vantagem em termos de força humana, isso significa que (a Rússia) pode ter êxito", acrescenta.
Outro fator importante é que Kharkov fica próxima à cidade russa de Belgorod, que faz fronteira com a Ucrânia e que tem sofrido diversos ataques do lado ucraniano. Na prática, é a cidade russa que está de fato em um cenário de guerra, com constantes bombardeios e disparos vindo do lado ucraniano, o que é um motivo de desgaste para o Kremlin.
Já o especialista militar, coronel aposentado Anatoly Matviychuk, em entrevista à agência russa Lenta.ru, afirmou que se a Ucrânia perder Kharkov, tropas russas poderiam ser redistribuídas para outras direções, o que seria "um ponto de virada na campanha militar".
De acordo com o analista, Kharkov é um dos principais centros industriais da Ucrânia e um dos mais urbanizados. "A cidade abriga indústrias pesadas e leves e é um centro de energia", observa.
"Para a Ucrânia, a perda de Kharkov está associada não só a uma redução do território, mas também a uma diminuição do potencial industrial. Este é o ponto de virada da campanha militar", completa.
Apesar de não ser exatamente claro o potencial de defesa da Ucrânia neste exato momento, considerando também a falta de precisão do tempo da chegada da ajuda militar ocidental, é consenso que a Ucrânia vem enfrentando grandes baixas de soldados nos combates, o que fez o país adotar um processo de recrutamento mais rígido recentemente, incluindo a possibilidade de recrutar prisioneiros.
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Com essas fragilidades da defesa ucraniana, a expectativa é que a Rússia busque criar um cordão de segurança na região de Kharkov, uma "zona tampão" no território, afastando as posições das tropas ucranianas da linha de frente para evitar ataques contra o território russo.. Esta estratégia foi defendida por Vladmir Putin ainda em março.
O cientista político Oleg Ignatov destaca, no entanto, que quando se fala de uma zona-tampão, “quer-se dizer que a Ucrânia deveria recuar suas tropas da linha de frente se afastando da fronteira da Rússia, essa é a ideia”.
“Mas está claro que a Ucrânia não vai se retirar, por isso trata-se de uma ocupação. A criação de uma ‘zona-tampão’ é uma espécie de eufemismo para ocupação de fato dos territórios em questão. Ou seja, uma zona-tampão pode resultar a partir de alguma negociação ou acordo, mas aqui há uma guerra. Então não é um cordão de segurança, mas apenas uma ampliação da zona de controle”, completa o analista.
Já o estudo apresentado pelo ISW aponta que a nova operação ofensiva na direção de Kharkov visa a rápida criação de uma ‘zona tampão” ao longo da fronteira, em vez de criar condições para uma penetração mais profunda no norte da região de Kharkov.
Edição: Rodrigo Durão Coelho