INDIGNAÇÃO

Resultado da CPI do Reconhecimento Fotográfico na Alerj é insuficiente

Relatório aprovado na terça-feira (7) sugere que não existe relação entre racismo e reconhecimento fotográfico

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Danilo Félix foi preso injustamente por duas vezes, ambas prisões resultantes de procedimento de reconhecimento fotográfico - Jaqueline Deister/ Brasil de Fato

Danilo Félix, um jovem negro de apenas 26 anos, já foi preso injustamente por duas vezes, ambas prisões resultantes de procedimento de reconhecimento fotográfico em delegacias. Danilo passou pela humilhação de ter sido abordado no centro de Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, por policiais, que colocaram as armas em seu rosto. Ele precisou ficar sentado no chão da rua algemado enquanto era questionado. Danilo ficou preso por 55 dias por um crime que não cometeu, e como única “prova” uma foto, de qualidade ruim e em preto e branco. De acordo com ele foram dias de angústia e dor.

Danilo perdeu muito peso após a situação, que o abalou física e emocionalmente. A sua vida foi interrompida. Ele perdeu o aniversário de sua companheira, de seu pai e os primeiros passos de seu filho. Danilo não sabe como a sua foto foi parar no livro com rostos para o reconhecimento fotográfico, mas afirma que fotos de redes sociais já foram utilizadas e até de identidades perdidas.

O caso Danilo Félix é apenas mais um dentre centenas de outros exemplos de prisões injustas e ilegais cometidas pelo reconhecimento fotográfico nas delegacias policiais do estado do Rio de Janeiro. O que todos esses casos possuem em comum é o fato desse tipo de prova, completamente frágil e falha, ter levado pessoas inocentes para a cadeia.

No caso de Barbara Quirino ocorrido em São Paulo, mesmo diante de inúmeras provas materiais que comprovavam sua inocência, ela teve sua liberdade retirada. Esses são apenas alguns exemplos que desnudam a realidade de milhares de inocentes, sequestrados pelo sistema de justiça e pelo sistema prisional, que não coincidentemente, são, em sua grande maioria, pessoas negras.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Reconhecimento Fotográfico criada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) em junho do ano passado tinha por objetivo investigar justamente esses casos para aprimorar as ações dos agentes da Polícia Civil do estado. Sob a presidência da combativa deputada Renata Souza (Psol), a ideia era que o relatório final da CPI pudesse orientar um manual público e transparente de procedimentos a serem adotados nas delegacias. Imaginava-se que esses procedimentos poderiam evitar a reprodução do racismo institucionalizado na identificação de suspeitos de crimes.

Infelizmente, o relatório final da CPI que foi aprovado na última terça-feira (7) na Alerj foi um balde de água fria para especialistas da Academia, da sociedade civil e para as vítimas. A maioria conservadora dos parlamentares presentes na Comissão aprovou o relatório do deputado bolsonarista Marcio Gualberto (PL), que retirou do texto qualquer menção ao racismo, pela filtragem racial da polícia e seletividade penal da justiça, presente nas atuais práticas de reconhecimento fotográfico. 

O relatório aprovado sugere que não existe relação entre racismo e reconhecimento fotográfico e que não é possível afirmar a existência de racismo no Brasil. Ao fazer essas afirmações, o relatório ignorou por completo não apenas as oitivas da CPI como a pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro que constatou que 83% das pessoas acusadas por erro de reconhecimento fotográfico eram negras.

Aqueles que criticam o atual modelo de reconhecimento fotográfico estão embasados por uma série de pesquisas, estudos, dados nacionais e internacionais que demonstram a fragilidade de prisões realizadas unicamente em provas testemunhais, demarcando que o racismo institucionalizado nos protocolos e práticas formais da polícia, do Ministério Publico e da magistratura aprofundam injustiças com prisões ilegais que recaem prioritariamente sobre a população marcada por estigmas raciais.

O objetivo das instituições, movimentos e lideranças que questionam essa prática é impedir injustiças sistemáticas e resguardar direitos de liberdade, que é fundante para uma sociedade democrática. Corrigir e reparar as prisões ilegais e produzir políticas que garantam a ruptura com essas práticas são determinantes para aprofundar direitos e enfrentar o quadro do racismo estrutural, para isso, é preciso reconhecer que o racismo afeta decisivamente esse tipo de prática.

A Alerj, perde uma grande oportunidade de contribuir para o aprimoramento dos procedimentos policiais em nosso estado e garantir a efetivação de segurança cidadã. 

Contudo, seguiremos firmes na defesa da população frente a violência de Estado, denunciando as práticas racistas instituídas nos procedimentos da polícia e da justiça. A luta para que o sistema jurídico comprometido com a produção e garantia de justiça social, antirracista, dos direitos humanos é a luta por uma sociedade radicalmente democrática, segura e equânime.

 

*Dani Balbi é deputada estadual pelo PCdoB.

** Rafaela Albergaria é conselheira do movimento Mulheres Negras Decidem. 

*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Jaqueline Deister