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Novo normal vai ser um clima extremo, ora muito chuvoso, ora muito seco, alerta especialista sobre mudanças climáticas

Jose Marengo é coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden e alerta que caso no RS anuncia "novo clima"

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Centro histórico de Porto Alegre passa por situação que só pode ser comparada com crise sofrida em 1941 - Foto: Ricardo Stuckert / PR

A crise que enfrenta o Rio Grande do Sul pode se tornar um fenômeno recorrente nos próximos anos. O alerta vem do coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), José Antonio Marengo.

Em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (7), o pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) alerta que estudos feitos internacionalmente apontam para chuvas intensas cada vez mais frequentes em todo mundo, mas em especial na América do Sul.

“Olha, uma das tendências que os estudos do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas] mostram é o aumento das chuvas intensas, em todo o mundo, em todo o mundo. Mas na América do Sul é mais particular, ainda mais no sul da América do Sul”, explica o pesquisador que participa anualmente do Painel.

“Não digo que vai acontecer este ano no próximo. Mas a tendência é que no médio prazo  possamos ter mais eventos como este”.

Por conta disso, Marengo enfatiza que é urgente mudanças de postura tanto dos governos e autoridades como também a população. Confira aqui como ajudar a população afetada.

O Rio Grande do Sul enfrenta fortes temporais que já resultaram na morte de 90 pessoas, segundo o último balanço divulgado pela Defesa Civil. O boletim ainda aponta que há outros 4 óbitos sendo investigados. Um levantamento da UFRGS estima que quase 600 mil tenham sido atingidos pelas enchentes na Grande Porto Alegre. 

A previsão de chuva a partir da metade desta semana em áreas já devastadas por temporais volta a deixar a população do estado em alerta. Além das chuvas, existe a possibilidade de rajadas de vento intensa, superiores a 100km/h. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) também sinaliza risco de queda de granizo.

O Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre (RS), estará fechado por tempo indeterminado, com todos os voos suspensos. A Fraport, empresa que administra o aeroporto, estima que o dia 30 de maio será a data final da suspensão das operações.

Confira entrevista na íntegra

Brasil de Fato: Como podemos explicar o que está acontecendo no Rio Grande do Sul?

José Antonio Marengo: A partir da última semana de abril, a previsão meteorológica já mostrava grandes volumes de chuva. Juntamente com o Inmet e outros centros de meteorología, nós do Cemaden acompanhamos e emitimos também alertas de risco de desastres, riscos de deslizamentos de terra, riscos hidrológicos e inundações, enchentes e enxurradas. 

Ou seja, de certa forma o fenômeno já tinha sido anunciado. Todas essas informações foram para a defesa civil, a Secretaria de Defesa Civil do Brasil e foi repassada para as defesas civis municipais.

Claro que a defesa civil entrou para evacuar as pessoas e tudo mais. O que aconteceu foi que, como toda previsão meteorológica, existem certas limitações. Não significa que está errado, mas existem certas limitações, por exemplo o volume de chuva.

A previsão meteorológica pode dizer que se esperavam 200 milímetros de chuva quando, na verdade, caíram 500 [milímetros].

Por exemplo, em Bento Gonçalves caíram 500 milímetros em quatro dias, entre 26 de abril a 4 de maio. A climatologia dizia 180 milímetros, então caiu muito mais. Os fluxos de chuva foram muito intensos, fizeram os rios Taquari, das Antas, dos Sinos, todos  chegassem a volumes mais altos que o normal. No [rio] Guaiba também, ultrapassando mais de cinco metros o nível, inundando Porto Alegre na parte histórica.

Normalmente no Brasil se vê imagens de cidades pequenas, como Mimoso do Sul, no Espírito Santo, ou Mussum, no Rio Grande do Sul, mas nada da magnitude de uma cidade tão importante como Porto Alegre.

Aí temos uma mensagem. Está chovendo tanto que as estruturas hidráulicas que foram construídas décadas atrás já não estão mais dando conta. Igual que em São Paulo, choveu muito e os bueiros já não dão conta. Quando foram construídos não se pensava que o clima ia mudar e as chuvas iriam aumentar e seriam mais violentas.

E sobre essa chuva podemos apontar três causas. Foi uma entrada intensa de massa úmida da Amazônia; o desenvolvimento de uma zona de alta pressão sobre o centro oeste e sudeste do Brasil, gerando uma onda de calor, e essa onda de calor fez o solo seco, temperaturas altas e gerou uma barreira. Então as frentes frias que vieram do sul não conseguiam ultrapassar essa barreira e ficaram estacionárias sobre o Rio Grande do Sul, soltando todo esse volume de chuva.

Algo que era de esperar porque ainda estamos no fenômeno do El Niño, que está fraco, mas ainda está presente. Durante o El Niño acontece essa situação de mais chuva no Brasil.

Só que esse volume de chuva foi muito além do esperado. E o que se espera para os próximos dias é uma redução de chuvas, as chuvas estão mais concentradas no sul do Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai, mas o nível dos rios, do rio Guaiba, vai descer lentamente.

Agora, se você tem previsão de chuvas mais intensas para o resto semana, então pode subir novamente. Mas se as chuvas pararem, o nível dos rios ainda vai estar alto e vai demorar bastante para descer.

Embora tenham todas essas explicações técnicas sobre o que causou esse fenômeno, queria entender se esse volume de chuva que se concentrou no Rio Grande do Sul é algo fora do normal.

Olha, uma das tendências que os estudos do IPCC mostram é o aumento das chuvas intensas, em todo o mundo. Mas na América do Sul é mais particular, ainda mais no sul da América do Sul.

Nos últimos 50, 60 anos, já se tem detectado, por exemplo, o número de eventos com chuva acima de um certo valor muito intenso, chuvas mais intensas. É algo que já está sendo observado.

Este ano já é algo perceptível, onde normalmente chove menos de 200 milímetros, chegando a 500, 600, 400. Ou seja, teve um volume de chuva muito alto e isso segue a tendência já observada de que os extremos de chuva estão mais altos. 

Agora, eventos que eram considerados pouco frequentes ou raros, por serem muito extremos, agora estão estão acontecendo frequentemente. Lembrar que a última inundação em Porto Alegre foi em 1941, faz mais de 60 anos. Então é de se esperar, segundo as tendências climáticas, que chuvas como essas que estão acontecendo agora, podem ser mais frequentes no futuro.

Não digo que vai acontecer este ano ou no próximo. Mas a tendência é que no médio prazo possamos ter mais eventos como este. 

Você comentou que o Cemaden chegou a prever um volume alto de chuva, mas veio alto ainda maior. O senhor acredita que a gente precisa começar a mudar um pouquinho a interpretação dos dados?

Eu diria que sim, porque os extremos estão aumentando. Isso é uma tendência global e infelizmente não temos como parar a chuva, não temos como parar uma frente fria, mas nós podemos nos preparar. E umas das melhores formas de preparação é a percepção dos riscos de desastre.

Quando digo percepção é que a equipe da defesa civil, governos e população devem entender que uma chuva intensa pode causar um desastre, uma inundação, uma enchente, uma enxurrada ou um deslizamento de terra. 

Então, com essa percepção, a população pode estar mais preparada, porque quando são orientados a sair das casas, muitos não querem sair por motivos diferentes. E quando querem sair, já é tarde demais e aí sobem nos telhados das casas. Imagine alguém de cadeira de rodas, idosos, não conseguem subir nos telhados das casas.

Então tudo isso requer um certo grau de preparação por parte da população e dos governos em assumir que esses eventos estão acontecendo e tomar os riscos de tragédia seriamente porque pode fazer diferença entre vida e morte e obviamente as cidades devem estar mais preparadas, coordenar melhor as situações visando as emergências climáticas, que é a situação que estamos vivendo, a pior catástrofe climática em Porto Alegre da história. 

Então, realmente, nós já temos casos que mataram centenas de pessoas em Recife, Petrópolis em 2022, no Vale do Taquari que aconteceu ano passado na mesma região. Acontece novamente na mesma região em menos de um ano. Temos que estar preparados, certo? 

Então essas estruturas hidráulicas têm que ser refeitas ou reformuladas já pensando em uma situação de emergência climática. Ou seja, as cidades não têm só que se adaptar, mas têm que se transformar. 

Existe alguma relação entre o que está acontecendo ano passado e esse ano? É uma coincidência? Ou existe uma ligação entre esses dois fenômenos?

Podemos dizer que os dois fenômenos tiveram causas similares. Os dois aconteceram durante o fenômeno do El Niño e os dois aconteceram com frentes frias, só que desta vez a área afectada foi diferente.

Ano passado afetou cidades menores, como Muçum, e o número de mortos naquela ocasião foi mais de idosos, pessoas com mais de 60 anos. Completamente diferente dos impactos que agora afetaram a grande Porto Alegre: aeroportos fechados, rodovias fechadas. 

Então, todos são eventos meteorológicos, mas a magnitude dos eventos e os impactos foram diferentes. Não sabemos quanto vai custar toda essa recuperação em Porto Alegre e que porcentagem do PIB Estado vai custar essa recuperação, mas já existem grandes impactos na agricultura, no transporte.

O aeroporto fechado, por exemplo. Tem pessoas isoladas em Porto Alegre que não conseguem voltar para suas cidades e estados ou ir para lá. Então tudo isso vai ter um custo muito grande e vai ser uma recuperação bem cara.

O senhor poderia explicar exatamente o que é o El Niño e até quando ele deve atuar na região?

Bom, o El Niño é um fenômeno natural. Primeiro, já aconteceu no passado e continua acontecendo. Ou seja, não é só mudança climática. Esse fenômeno, como você falou, é um aquecimento das águas do pacífico equatoriano. E como o oceano pacífico é um oceano imenso, gigantesco, tem impactos em todo lugar. 

Por exemplo, alguns dos impactos são próximos, como na costa do Peru e do Equador, onde chove muito, mas também tem impactos no outro lado dos Andes, menos chuva na Amazônia, mais chuva na região sul do Brasil. 

E isso tem sido umas das causas principais de grandes enchentes, como aconteceu em Blumenau en 1983, durante o fenômeno do El Niño em Santa Catarina. Então, esse El Niño tem tradição de produzir muita chuva. E é oposto ao fenômeno La Niña, que tem uma tendência de produzir menos chuvas, estiagens, e secas na região sul, como aconteceu em 2019, 2020 2021 e 2022, que se teve uma situação de seca em uma grande área da região sul.

Agora a previsão mostra que o fenômeno do El Niño já alcançou sua máxima intensidade no final de 2023 e está em uma fase de enfraquecimento. Lá pelo meio do ano nós devemos entrar em um regime de La Niña

Aparentemente não vai ter transição, vai ser algo de imediato. Nós não sabemos qual será o impacto do La Niña, mas o La Niña, historicamente, trás como consequência estiagens na região sul do Brasil.

Então este tipo de extremos que estamos tendo, uma chuva muito intensa seguida da possibilidade de estiagem, realmente nos leva a pensar que, de fato, já estaríamos em um novo clima, uma situação de emergência climática, ou como dizem por aí, o “novo normal do clima”, onde esse novo normal vai ser um clima extremo, vai ser muito chuvoso, muito seco, muito quente e vai ter ondas de frio. 

Então esse é um clima futuro, que os modelos do IPCC já projetam. Vai ser um clima de extremos que nós já estamos experimentando nesses últimos anos. 

Voltando a falar do Rio Grande do Sul, a gente consegue fazer mais ou menos uma previsão se no final da semana a gente já vai ver pelo menos a água no nível de estabilidade que permita a ação da defesa civil, dos bombeiros para conseguir ver o que que sobrou o que que precisa ser refeito?

Olha eu acho que isso vai ter que esperar um pouco porque as previsões dos dias próximos são de menos chuva. As chuvas estão concentradas mais no sul do Brasil e no norte do Uruguai. 

A previsão tem uma certa validade de cinco dias, então nos temos que esperar até a metade da semana para saber a previsão de fim de semana e início da próxima semana, mas aparentemente vai entrar uma frente fria. 

Desta vez vai ser mais ar frio que chuva, mas depois pode acontecer novamente outra entrada. Então, em certa forma, os trabalhos de reconstrução deveriam esperar um pouco até que o clima se estabilize. Isso pode levar algum tempo. Como também pode levar algum tempo que as águas do Guaíba e dos rios baixem. Pode demorar mais dias.

Ainda que pare a chuva, vai ser bem lenta a queda dos níveis de rios e ver de fato qual foi o prejuízo. 

Ou seja, é muito cedo para começar a fazer a reconstrução. É bom planejar a reconstrução, mas não começar já a fazer agora. É melhor esperar porque pode chover novamente.


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Edição: Matheus Alves de Almeida