Coluna

Enquanto a Globo blindar (agro, mercado e PSDB) outras catástrofes virão

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Resgate de pessoas afetadas pelas chuvas no Rio Grande do Sul, na Base Aérea de Santa Maria - Ricardo Stuckert / PR
Ou se muda a forma de fazer política ou continuaremos a contabilizar tragédias ambientais e sociais

“Eu não acredito (...) o que não pode é jogar na costa dos produtores essa conta. Eu quero que as ONGs botem a mão no bolso e paguem a conta. Greenpeace, WWF... Esperamos que Donald Trump faça sua parte lá porque ele também é contrário (ao Acordo do Clima de Paris)”. 

Essa foi a fala do, hoje, senador gaúcho, Luis Carlos Heinze (PP - RS), para o documentário Sem Clima, ainda em 2017, sobre o aquecimento global e os impactos ambientais. Segundo ele, as ONGS que defendem a preservação ambiental são o problema, não os latifundiários do agronegócio. 

Na mesma linha foi divulgado nas redes sociais, o papel de outro deputado gaúcho, Lucas Redecker (PSDB - RS), como relator de um projeto (PL 364/2019), aprovado em março na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, que autoriza o desmatamento de 48 milhões de hectares de “campos nativos”, área equivalente ao tamanho do Estado do Rio Grande do Sul e Paraná juntos.

Cabe lembrar que o deputado, relator deste projeto, é do PSDB, partido do governador Eduardo Leite. Governo esse que destinou um contingente de recursos insuficientes à Defesa Civil para a prevenção de qualquer tragédia.  

Ignorar a realidade, como o senador, o deputado e o governador fazem, está custando caro ao Brasil e hoje, sobretudo, ao Rio Grande do Sul. A relação entre devastação ambiental para manutenção dos negócios do agro e as tragédias climáticas é direta. 

Óbvio que manter esse tipo de classe política no poder tende a multiplicar as catástrofes ambientais. Na atualidade elas são intencionalmente geradas por esses setores que, já possuem informação científica suficiente para entenderem que são provocadores desta situação.

Eles ignoram os sinais ambientais, porque representam setores que lucram com a devastação de recursos naturais para a exportação de commodities. Algo ilustrado como moderno e alavancador da economia brasileira, por meio do agronegócio, mas na verdade mantêm o país numa estrutura econômica semicolonial: antes enviávamos para fora pau-brasil, depois cana. Mais de 5 séculos depois continuamos devastando florestas e exportando cana e soja, matéria-prima in natura. Seguimos a fórmula econômica da dependência, do atraso e do subdesenvolvimento. 

Em tempo, a base da alimentação do povo brasileiro é fornecida, majoritariamente, pela agricultura familiar, não pelo agronegócio. Embora na TV se venda a imagem de um agro “pop”, neste mesmo cenário agrário, o Brasil contabiliza o segundo maior número de assassinatos de defensores ambientais do mundo em 2023. Isso a Globo não fala. 

A bancada ruralista do Congresso Nacional e os setores do agronegócio, representados por ela, são corresponsáveis por essa tragédia escancarada no Rio Grande do Sul. Contudo, não estão sozinhos. É fundamental botar o mercado financeiro nessa conta.

As pessoas, em todas as partes do país, estão solidárias e se mobilizando, dando o pouco que tem para ajudar os gaúchos e gaúchas que sofrem com os alagamentos. Se vê no povo não só a solidariedade, mas um sentimento de pena e, por vezes, culpa por não poder ajudar mais. 

Os telejornais vociferam e exigem dinheiro do governo federal para reerguer o Estado. Fazem isso com razão. No entanto, não falam, em momento nenhum, de quem tem o orçamento público brasileiro nas mãos. O dinheiro do Estado brasileiro é direcionado, quase 50% da sua arrecadação, para banqueiros atuantes no mercado financeiro. 

A mídia tradicional parece não querer enfrentar essa realidade, nem fazer a mea-culpa da omissão de informação. Sendo assim caberá a quem ter a coragem de chamar os bancos a se solidarizarem com o povo gaúcho, garantindo uma parcela dos repasses dos juros da dívida pública em auxílio aos atingidos pela chuva como contribuição deste setor? Ou só o povo irá ajudar?

Enfrentar esses setores é fundamental para governar. A cifra é de bilhões e frear o lucro dos bancos no momento de clamor público, garantirá a manutenção do restante do orçamento a ser executado como política pública em outros lugares do país. 

Estes setores não podem mais receberem a blindagem da imprensa tradicional, pois os efeitos estão respingando em todos/as. Ou se muda a forma de fazer política, enfrentando o agronegócio e o mercado financeiro, ou continuaremos a contabilizar tragédias ambientais e sociais em um país que há pouco tempo se gabava por não ter furacão, nem terremoto. Com as mudanças climáticas provocadas pela devastação ambiental destes setores no Brasil, mais gente morrerá afogada, com a seca ou de fome.

*Gladstone Leonel Júnior é Professor Adjunto da Faculdade de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense. Doutor e Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Brasília. Realizou o estágio doutoral na Facultat de Dret, Universitat de Valencia, Espanha. Membro da Secretaria Nacional do IPDMS – Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Matheus Alves de Almeida