Na última semana, uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) debateu a Economia do Cuidado para propor políticas públicas para mulheres que realizam trabalho não remunerado se dedicando à sobrevivência, ao bem-estar e à educação de pessoas.
Na reunião, organizada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, a presidente do colegiado, deputada Renata Souza (PSOL), definiu diversos encaminhamentos como a indicação da regulamentação do trabalho de cuidado ao Governo Federal e a solicitação da disponibilidade de um orçamento pela Secretaria Estadual da Mulher para criação de políticas públicas voltadas ao setor.
Leia também: "Nós, mães, ficamos sem cuidado, ninguém quer estar do nosso lado", afirma mãe atípica
Para Renata Souza, é de extrema importância pensar no trabalho de cuidado como um direito fundamental e propor políticas públicas que desenvolvam e fortaleçam essa economia com respaldo do estado. “Essa audiência foi fundamental para abordarmos o trabalho não remunerado que está sobre as costas das mulheres, em especial o cuidado com a casa, com as crianças e com os idosos. Precisamos garantir que haja um suporte do Estado, tanto em âmbito estadual como federal, através da regulamentação e visibilidade deste trabalho para garantir um reconhecimento orçamentário e direitos trabalhistas para essas pessoas”, disse a parlamentar.
Durante a reunião foram apresentados diversos dados sobre a temática. Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres dedicam quase o dobro de horas a mais que os homens na divisão do trabalho doméstico e de cuidado, tendo um acréscimo de mais de 11 horas na carga horária. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), as atividades de cuidado não remuneradas são consideradas um fator que influencia diretamente a situação de desigualdade enfrentada por meninas e mulheres, e ainda segundo a entidade esse trabalho, apesar de vital, não é enxergado pela economia e pelo Estado.
Cuidado como fator econômico
O colegiado abordou o tema também sob o ponto de vista econômico gerado pelo trabalho não remunerado de cuidado realizado pelas mulheres. Segundo um estudo do Comitê de Oxford para o Alívio da Fome (Oxfam), 12,5 bilhões de horas dedicadas ao cuidado são realizadas por mulheres e deste trabalho US$ 10,8 trilhões seriam gerados para a economia global se elas recebessem um salário mínimo pelas tarefas que realizam. Ainda de acordo com o estudo, se ninguém investisse tempo, esforços e recursos no cuidado, comunidades, locais de trabalho e economias inteiras ficariam estagnadas.
A socióloga Graciela Rodriguez, coordenadora do Instituto EQUITE - Gênero, Economia e Cidadania Global, reforçou a importância da criação de políticas públicas para o setor. “Precisamos levantar a discussão sobre o desconhecimento que se tem da riqueza que é produzida no âmbito do trabalho de cuidado. No Brasil, se esse trabalho fosse contabilizado, seria acrescentado aproximadamente 15% ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro nos últimos 20 anos. Por isso, a importância de criarmos políticas públicas voltadas para esse público e assim gerar desenvolvimento social e também econômico para o Estado”, pontuou Rodriguez.
Trabalho escravo
A psicóloga do Programa de Atendimento a Resgatados do Trabalho Escravo do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Graziela Sereno, pontuou que 32% dos resgates de vítimas de trabalho análogo à escravidão são oriundas do trabalho doméstico. Ela afirmou, ainda, que o Estado do Rio de Janeiro lidera o ranking de trabalhadores domésticos em situações de escravidão.
“A gente entende que o trabalho doméstico atende a uma necessidade socioeconômica, mas também apresenta as características e serviços muito associadas ao contexto de formação do Brasil, em que a produção econômica nacional se sustentava pela escravização da força de trabalho, da qual as mulheres tiveram um papel fundamental e específico no desenvolvimento do nosso país. Nesse sentido, o trabalho feminino esteve historicamente associado ao cuidado, seja com as tarefas domésticas, limpeza, cozinha, organização da vida cotidiana, ou no trabalho de cuidado com jovens, crianças, pessoas com deficiência, idosos ou quem desse serviço necessite”, afirmou a psicóloga.
A mesa de debate trouxe ainda à discussão a questão racial que se faz presente no contexto do trabalho de cuidado. Segundo dados apresentados do IBGE, mulheres que se declaram pretas possuem a maior taxa de realização de afazeres domésticos: 92,7%. Para a vereadora do Rio de Janeiro Thais Ferreira (PSOL), é preciso olhar para o cuidado como uma força de trabalho em sua maioria realizado por mulheres negras.
“A gente ainda precisa dizer para todo mundo que o cuidado sempre é prestado por meio de um trabalho e esse trabalho precisa ser exercido por uma pessoa. E na maior parte das vezes, essa pessoa vai ser uma mulher negra. A cada 100 profissionais regulamentados da área de cuidado, 40 são mulheres negras”, ressalta a vereadora.
Projeto de Lei
A Alerj vem ampliando o debate sobre a necessidade de criação de políticas públicas e visibilidade do trabalho de cuidado. Está em tramitação na Casa, em primeira discussão, o Projeto de Lei 4523/2021, que estabelece e cria diretrizes, incluindo um plano estadual, para tratar da economia gerada pelo trabalho de cuidado. Segundo a deputada Renata Souza, autora da proposta, a medida visa reduzir a desigualdade social e promover o desenvolvimento socioeconômico do estado.
Ainda na audiência foram definidos os seguintes encaminhamentos: o colegiado irá encomendar um levantamento das políticas públicas existentes no estado voltadas à economia do cuidado, questionando as prefeituras quais as iniciativas existentes para esse setor; cobrará a produção de dados sobre o trabalho de cuidado com questões de raça e gênero; recomendará a ampliação da qualificação e regulamentação da profissão de cuidadores; além de oficiar a Secretaria Estadual da Mulher sobre o orçamento direcionado às políticas públicas do trabalho de cuidado.
Participaram da reunião a superintendente de Autonomia Econômica da Secretaria de Estado da Mulher, Karol Mendez; a presidente da Associação dos Cuidadores da Pessoa Idosa, da Saúde Mental e com Deficiência do Estado do Rio de Janeiro, Ana Gilda Soares; a procuradora do Ministério Público do Rio de Janeiro, Patrícia Leite; a fundadora da Casa Cuidado, Cyntia Matos; e a coordenadora de informação da Casa Fluminense, Luize Sampaio.
*Com informações do portal da Alerj.
Edição: Mariana Pitasse