Neste sábado, o centro de São Paulo foi palco da tradicional Festa de Aniversário de Karl Marx. A sétima edição do evento, organizado pela Editora Boitempo em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), levou 4 mil pessoas ao galpão do MST durante todo o dia.
Com venda de livros, oficinas, refeições agroecológicas e mesas de discussão, a festa de 206 anos de Marx também celebrou os 40 anos do MST e contou com a presença do cientista político alemão Michael Heinrich, Alysson Mascaro, Rita von Hunty e Ricardo Antunes.
Para especialistas escutados pelo Brasil de Fato, a atualidade dos pensamentos de Marx possibilita entender como a ruptura com o capitalismo e sua destruição das forças da natureza e do trabalho se colocam como necessidades urgentes para os dias atuais.
"O marxismo não deve ser um dogma. É uma teoria pra gente se embasar, para fazer com que as pessoas consigam militar melhor, se organizar melhor, mas não deve ser uma coisa que se lê e não se pode pensar a respeito. Marx não previu tudo, não era um vidente. Ele era um filósofo, economista e sua teoria deve servir hoje para nos fazer pensar melhor. Marx fez a crítica ao capitalismo e nos deu as bases. E fez isso de forma exemplar, em todos seus estudos", comenta Ivana Jinkings, diretora da Boitempo, que tem uma coleção de 34 títulos do filósofo.
Atualizar o legado de Marx
Ruy Braga, professor do departamento de sociologia da Universidade de São Paulo (USP), pontuou que o evento foi importante para resgatar o legado de Marx e ao mesmo tempo buscar atualizá-lo.
"Marx não oferece uma teoria que explica apenas um tipo de capitalismo. Ele permite estabelecer a articulação entre as determinações gerais do modo de produção capitalista com suas diferentes formações sociais e nacionais, e principalmente, articulando isso numa perspectiva histórica, de atualização permanente", explica o professor.
"Ele foi, de todos os grandes pensadores da tradição radical socialista, aquele que de forma mais radical e contundente aponta para a dimensão destrutiva do desenvolvimento da ordem da sociedade capitalista. No próprio O Capital você percebe que o que ele está mostrando é um tipo de sociedade que avança em direção ao colapso. Nesse contexto de crise do capitalismo está a crise do trabalho, econômica e ecológica. Marx já havia apontado para a importância da crise ecológica. Ele diz que o capital não destrói apenas as forças produtivas do trabalho, mas as forças da natureza", completa.
Professor de língua e literatura, ator e professor, Guilherme Terreri, intérprete da persona drag Rita von Hunty, avalia que Marx estava a frente do seu tempo por perceber as engrenagens de um sistema que já anunciava seu colapso no século 19.
"O que Marx edifica é uma obra capaz de ver a gênese de um novo sistema e nessa gênese identificar o que veio antes, como ele se desenvolve e se mantem, e provável, como ele acaba, como qualquer sistema humano. Ler Marx no século 21, além de um dever, a medida que estamos enfrentando a última crise do neoliberalismo por conta do que acontece com o nosso ambiente, é organizar a luta e a esperança de um futuro possível", coloca.
Marxismo e a crise do capitalismo
Já o cientista político alemão Michael Heinrich, considerado um dos maiores especialistas em Karl Marx do mundo, pontuou que o capitalismo passou por muitas mudanças, no entanto, as estruturas básicas continuam sendo as analisadas por Marx em O Capital, a principal obra do autor.
"Marx já sublinhou o fato de que no desenvolvimento do capitalismo, a natureza e os humanos são destruídos. Destruídos, não porque os capitalistas sejam pessoas más ou porque o fazem intencionalmente, mas porque isso é inerente à lógica da acumulação capitalista. O que conta é o lucro. Os capitalistas são forçados na competição apenas a olhar para o lucro", explica Heinrich, que participou da mesa "Para ler O Capital de Marx".
O alemão considera que a teoria econômica de Marx e a relação básica dos trabalhadores com o capital ainda faz sentido nos dias de hoje.
"O que ainda é muito importante, ou talvez ainda mais importante, é a ligação entre o capital industrial e o capital financeiro. Não são dois mundos diferentes, eles estão interligados", explicou.
Ecologia em Marx
Osvaldo Coggiola, professor de História Contemporânea na Universidade de São Paulo (USP), destacou a importância de que as obras de Marx sejam constantemente reeditadas e de que suas ideias alcancem a juventude, mesmo com o espaço marginal dado a elas nas grandes editoras e meios de comunicação hegemônicos.
"É importante que nossa aproximação a Marx seja objetiva, e crítica. Não pode ser uma aproximação de tratar como sagradas escrituras. Marx é atual? Por um lado, eu diria que é mais do que nunca. Muitas coisas que Marx escreveu só agora se estão verificando na realidade do sistema capitalista. Só agora podemos ter luz, por exemplo, ao trabalhar em plataformas. Por outro lado, Marx no final da sua vida considerou a possibilidade de uma deflagração do processo revolucionário não a partir dos centros capitalistas, mas das periferias. E o que estamos discutindo hoje? Estamos discutindo o Oriente Médio, a guerra entre Ucrânia e Rússia, que embora tenham alcance mundial, do ponto de vista bélico, se produzem na periferia dos centros capitalistas", pontuou Coggiola, participante da mesa "Anticolonialismo e marxismo: de Marx a Gaza".
A necessidade de integrar a dimensão ecológica das ideias de Marx, na opinião de Coggiola, é parte da luta socialista para mudar a sociedade.
"Nesse momento, estamos vivendo uma situação dramática com os alagamentos no Rio Grande do Sul. Isso demonstra para os negacionistas as mudanças climáticas um produto da ação da sociedade capitalista. Temos mais de 40 mortes não por um fenômeno puramente natural", coloca.
Na mesma linha, Michael Heinrich avalia que a crise climática deixa a mostra que o processo destrutivo do capitalismo "questiona até mesmo a existência da humanidade".
"Não podemos ter um desenvolvimento linear e suave. A crise pertence ao capitalismo. Crise para reconstruir, para reestruturar o desenvolvimento, todos os obstáculos que apareceram, eles são movidos pela crise", coloca Friederich.
"O capitalismo é destrutivo. A solução para o futuro pra humanidade tem que passar pelo socialismo. Essa tragédia no Rio Grande do Sul mostra o que significa e quais os efeitos do estado mínimo", finaliza Ivana Jinkings, diretora da Boitempo.
Edição: Thalita Pires