Maio é o mês que marca a data histórica do Dia do Trabalhador (1º). O momento é propício para relembrar as mobilizações e lutas históricas para conquista de direitos da categoria, como piso salarial, décimo terceiro e jornada de trabalho regulamentada.
As conquistas, no entanto, não dizem respeito apenas ao trabalho, mas também ao descanso e à diversão.
Foi com essa ideia em mente que surgiu o Samba do Trabalhador, roda tradicional de músicos que acontece às segundas-feiras no Clube Renascença, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro (RJ), e que se tornou uma festa consagrada na cidade.
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"O Samba do Trabalhador é uma coisa, modestamente falando, que tem muito a ver com o Rio de Janeiro, sabe? Onde esses eventos se transformam em coisas grandiosas, partindo do nada. Nunca fizemos uma filipeta sequer, um anúncio de rádio, de nada, nunca fizemos e aquilo com um mês já tinha 500 pessoas, com seis meses 3 mil pessoas", conta o patrono da roda, músico e compositor Moacyr Luz em entrevista à edição do Bem Viver, programa do Brasil de Fato, desta semana.
Criada há quase 20 anos, a roda nasceu da necessidade de músicos, que geralmente trabalham aos finais de semana, se encontrarem. O evento acabou se transformando numa reunião de grandes nomes da cena carioca, que, claro, deu e dá samba.
"As músicas foram crescendo e um dos objetivos que eu tinha no Samba do Trabalhador era formar parcerias. Eu comecei a fazer música com Sereno do Fundo de Quintal , que até então eu tinha um mal medo do Sereno, um cara sério. O outro foi o Marçalzinho, eu fiz um disco com o Marçal, chamado Sem Compromisso e foi a partir do Samba do Trabalhador os encontros ali à tarde", relembra o artista.
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Mangueirense, apaixonado pelo samba e pelo Rio de Janeiro, Moacyr Luz tem nove álbuns gravados com outros grandes nomes da música brasileira como Zeca Pagodinho, Monarco, Arlindo Cruz, Beth Carvalho, Agnaldo Timóteo, Dudu Nobre, Wilson das Neves, Teresa Cristina, e Aldir Blanc, que para ele é um dos "maiores letristas" do país.
Apesar do Parkinson, aos 66 anos ele faz turnê pela Europa e lança discos em Portugal, sem deixar de tocar o Samba do Trabalhador e, religiosamente, fazer música. “Eu não paro de trabalhar. Sou uma cozinheira, só que em vez de cozinhar eu faço música. Todo dia tem que fazer uma comida, todo dia tem que fazer uma música. Mesmo que não preste, jogue fora. Mas eu estou ali trocando as minhas energias com a música", comenta agradecendo ao parceiro violão.
Confira a entrevista na íntegra.
Brasil de Fato: Para começar, eu queria te ouvir um pouquinho sobre a história do Samba do Trabalhador?
Moacyr Luz: No Samba do Trabalhador ele é uma coisa, modestamente falando, que tem muito a ver com o Rio de Janeiro, sabe? Onde esses eventos se transformam em coisas grandiosas, partindo do nada.
O Samba do Trabalhador é uma vontade de encontrar os amigos. Segunda-feira, porque o trabalhador que é músico trabalha de fim de semana não consegue participar das festas com os amigos. A gente está sempre tocando e viajando. Então, segunda, vamos lá para o samba do Renascença, fazer um samba, comer uma comida, fazer um feijão, um peixe.
A minha ideia é que cada um quando viesse, vinha a Manaus, traz um peixe de Manaus, traz uma carne de sol de Recife, a gente fazia e eles propõem parcerias.
Só que aconteceu um fenômeno. Nunca fizemos uma filipeta sequer, um anúncio de rádio, de nada, e aquilo com um mês já tinha 500 pessoas, com seis meses 3 mil pessoas. Agora no feriado de São Jorge a gente teve 2.500 pessoas. 19 anos depois praticamente, que completa agora o dia 31 de maio. Começou em maio de 2005 com 48 pessoas, eu guardei esse número porque foi servido uma costela com batata.
Ele começou como um momento de relaxamento e quando a gente se deu conta foi o Wilson das Neves que apareceu lá: ‘Vou dar uma canja aqui, mas vocês não têm microfone, não? Não, mas como é que eu vou cantar aqui cheio de gente?’
A gente cantava no gogó. Aí foi que inventaram de botar uma aparelhagem de som, muito precário. Depois veio um cara e falou: ‘isso aqui tem muita mulher e vai dar briga, bota segurança’, Nunca teve um empurrão, mas temos hoje 16 seguranças. As outras pessoas reclamavam dos banheiros, bota gente para limpar o banheiro e trabalhar na portaria.
Então tem que comprar ingresso, porque isso tudo sai de algum lugar, né? Aí começou a tomar essa forma mais profissional.
Esse espaço, o Clube de Renascença, é um lugar importante também?
É um clube que foi feito por rejeitados, negros rejeitados pelos clubes de nariz empinado da Zona Norte.
A Zona Norte é preconceituosa, apesar de ser habitada por gente simples e tão pobre, que só tem um céu que a todos cobrem. O cara acha que tem um preto vizinho dele e prejudica os valoriza imóvel dele. Então o cara no clube fulano, Grajaú, Tijuca, não podia ter negro.
E isso incentivou um grupo de negros a fazer o samba, a criar o seu próprio clube. E esse clube, os negros iam bem vestidos, roupas bonitas. A primeira negra a ser eleita Miss no Brasil, no Rio de Janeiro, eu esqueci o nome dela, mas ela veio do Renascença. O Fundo de Quintal fazia a roda de samba lá em 1980.
Alcione era madrinha do Corpo de Bombeiros e do Clube Renascença. O único que apita um pouquinho lá sou eu, branco. O resto é tudo alta cúpula negra da diretoria. E eu acho isso maravilhoso, uma conquista. Porque hoje todo mundo quer cantar no Renascença. Outro dia, apareceu lá um embaixador da Coreia do Sul. Foi lá, cantou, deu milhões de visualizações.
E assim acontece com os meus parceiros, Dudu Nobre, Arlindo, Xande de Pilares, Antigos como Luiz Ayrão, Agnaldo Timóteo, essa miscigenação, essa diversidade cultural, intelectual, eu acho muito bacana.
Eu dizia antigamente, eu não digo mais nada, porque está tudo escrito, mas eu dizia que riqueza do portão para fora, do portão para dentro, no samba, é uma coisa só. É como aquela história do homem mais rico do cemitério, não adianta nada.
E essa galera toda que estava comentando tu convida eles ou as pessoas vão por espontaneidade?
Vão de surpresa. Outro dia me pareceu lá o Diogo Nogueira, que eu conheci pequeno, porque eu toquei com o pai dele, toquei com o João.
Inclusive, a última vez que o João gravou um disco, participou de um disco foi em São Paulo, no Tom Brasil, quando eu fiz aquele Esquina Carioca, com Beth Carvalho, Dona Ivone Lara, João Nogueira, Walter Alfaiato e Luiz Caldo da Vila. O único vivo, por enquanto, sou eu.
As músicas foram crescendo e um dos objetivos que eu tinha no samba do trabalhador era formar parcerias. Eu comecei a fazer música com Sereno do Fundo de Quintal , que até então eu tinha um mal medo do Sereno, um cara sério. O outro foi o Marçalzinho, eu fiz um disco com o Marçal, chamado Sem Compromisso e foi a partir do Samba do Trabalhador os encontros ali à tarde.
O Samba do Trabalhador também tem um objetivo de colocar o sambista como um trabalhador legítimo, mostrar que também é uma classe, também é um grupo de trabalho?
Olha, ele tem obrigação. Devo ter aproximadamente 50 pessoas envolvidas com o Samba do Trabalhador e com a necessidade financeira do Samba do Trabalhador. São artesãos que fazem a feira lá dentro da quadra, comidas, caldos, churrasquinhos, todo esse ritual de samba, uma cerveja no isopor, isso que fica do lado de fora.
Mas eu comecei a entender a importância do samba do trabalhador na profissão do músico quando as pessoas vinham de longe, vinham de Manaus, do Maranhão para cantar uma música lá, oportunidade de cantar uma música com a gente. Então aquilo virou uma vitrine para muita gente expor o seu trabalho.
Você estava comentando que as pessoas sempre vão muito bem vestidas? Eu até ouvi algumas entrevistas do Luiz Antonio Simas que foi o próprio Paulo da Portela que instituiu isso para, justamente, mostrar que o sambista é um trabalhador, não um vagabundo.
O cartunista Lan, um gênio, pintor das mulatas do Carnaval, ele trabalhava na Argentina. Foi convidado por uma revista para desenhar uma entrevista que ia ser feita com várias escolas de samba, isso em 1950 e pouco. Ele virou Portela, porque o Paulo da Portela, quando ele chegou para entrevistar as pessoas da Portela, estamos todos rigorosamente bem vestidos.
Mas ali no caso do Renascença, até hoje, alguns diretores se vestem com sapato engraxado, bicolor, calça tergal, e é uma turma muito bonita.
Antigamente, quase todos os anos, as comissões de frente eram homens de terno. Os diretores que desfilavam na escola eram homens de terno. E aquele momento ali era um momento de sublime de 'Sou ali trabalhando', 'Sou um diretor de uma escola de samba'. Como diretor de uma Brahma, da Volkswagen.
Eu já vesti o terno da Portela. Apesar de ter uma admiração grande pela Portela, mas não ser da escola. Eu fiz o disco do Casquinha, um dos velhos guardas da Portela. Fiz junto com Paulão e o Mauro Diniz, foi um projeto meu.
Já fiz muita coisa com o Monarco, com a Teresa Cristina, que é portelense. Com a Surica, que eu trouxe aqui para São Paulo para fazer Feijoada no Pirajá, Mas sou mangueira e Tuiuti.
Você acha que faltam em dar o reconhecimento da sociedade, do Brasil, de por o sambista nesse lugar que também é um, como você tá falando, empresário, dono da Volkswagen?
Olha, o samba hoje já melhorou muito, mas, eu falei uma coisa há anos atrás que acho que ainda posso repetir. Quando quer botar um samba na novela, tem que ser um núcleo assim, uma casa de vila, todo mundo falando alto, bota um samba. Dificilmente você vai ver escutar um samba por uma protagonista, uma cena de amor, não vai cair aquele samba.
Tem que ser um samba. Chet Baker nacional, uma pedra de bicho rolando. Então tem muito estereótipo, do sambista ser aquele cara que toma a batida de limão, come mocotó. É bom demais, eu não troco por nada. Mas isso não pode ser um desmerecimento, entendeu?
Qual é o público do Samba do Trabalhador?
O público do Samba do Trabalhador, graças a Deus, sem eu ter mexido uma palha, só o meu íntimo inconsciente. Ali você tem milionário e paupérrimo. Todos na mesma área circulando, sem o menor preconceito entre eles.
Todo mundo senta ali e é, ao contrário, que ele se faz parte do charme. O rico quer fazer puxar o saco do pobre no samba, fazer parte da galeria. Ele se veste dessa, quer botar chinelo, sandália branca. Antigamente tinha aquelas camisetas forradinhas, chapéu colorido.
Porque o samba, antes de tudo, é igualzinho aos punk, tudo de preto, tem as suas roupas. O samba tem o seu país. Ele se veste com o sambista, tem uma conversa de sambista, tem um dialeto de sambista, tem seus santos de sambista. Eu estou abusando do estereótipo, mas tem isso, joga no bicho, fala alto, é descontraído, dificilmente faz análise.
Esse é um pensamento meu. Resolve tudo no samba, tem pouco dinheiro mas sobra para umas duas, três cervejas na roda de samba se transforma em volta, como se aquilo fosse um caldeirão de esperança, um caldeirão de sentimento que bate de frente, com essa pessoa e toma decisão ali, larga a mulher, volta com a mulher, se apaixona por outra.
Quero voltar a falar um pouquinho das suas parceiras. Tem um nome que a gente queria te ouvir um pouquinho, que é o Aldir Blanc.
O Aldir talvez seja o maior letrista da história do Brasil, ao lado de Noel Rosa, Paulo César Pinheiro. O Aldir ele, eu acho que ele tinha uma testa para o protuberante de tanto estudar, de tanto ler, de tanto se informar. E aquilo tudo entrava em um filtro para poder dar em nada, para fazer o coloquial, o banal, só que aquele banal era cercado de intenções, parecia um ovo estalado, a gema se abrindo, multiplicando os sabores, era uma palavra simples do Aldir.
Eu morei 23 anos no mesmo prédio que ele. A gente tinha códigos, seis horas da manhã, dava um toque no telefone, não tinha celular, já sabia que eu estava querendo falar com o outro. E assim era música que estava saindo, uma ideia, uma conversa, todo dia uma hora e meia. É lógico que a gente, como um casamento, às vezes, ficava um pouco afastado, mas a maioria das vezes era só subir a dois lances de escada e ir para casa dele.
O "Anjo da Velha Guarda", por exemplo, uma música minha, que as pessoas conhecem. Eu tinha ido numa roda de samba com o Monarco e chegou o Zeca Pagodinho e com o Almir Guineto. Eu fui olhar aquela cena, o Monarco chamou o Zeca de 'meu padrinho'. Eu falei como é que pode? O Zeca tem metade da idade do Monarco ser 'meu padrinho'.
Aí fui me informar que tinha sido o padrinho da Velha Guarda e padrinho de casamento do Monarco e Dona Olinda. E eu comentei isso com Aldir, 'o Zeca é um anjo da velha guarda, vamos fazer um samba?'. E saiu o Anjo da Velha Guarda. E assim, eu disputei um samba pela Mangueira em 1997 e conheci o Carlos Cachaça. Fui na casa dele, numa vila e fiquei tão apaixonado pela figura dele, parecia um passarinho, miudinho, fui falar com Aldir, que é salgueirense doente, fez para mim uma letra do Cachaça, Abra e Bandeira e assim a gente veio...
Você falou do Aldir Blanc, de tantos parceiros, mas foi um violão, talvez, do teu maior parceiro em toda essa carreira?
Eu estou vivendo uma fase muito boa na minha vida. Tenho viajado para fora, acabei de lançar dois discos. Minha obra foi lançada em dois discos em Portugal. Já fui esse ano duas vezes a Espanha fazer show. Volto dia 29 de maio para mais dois shows em Lisboa, no Coliseu. E, às vezes, eu estou sentado no sofá da minha casa, pensando na minha vida, na dificuldade de saúde e, mesmo assim trabalhando, e vejo meu violão encostado assim no sofá, eu agradeço a ele, digo por 'muito obrigado'.
Foi a música que me trouxe para lugares que eu não iria de jeito nenhum. A experiência que eu vivo com música não tem preço. Eu tenho vivido isso muito proximamente com o público me recebendo, com músicas, descobrindo o repertório. Porque agora está tudo sendo remasterizado, sendo reeditado nas plataformas digitais.
Eu não paro de trabalhar. Sou uma cozinheira, só que em vez de cozinhar eu faço música. Todo dia tem que fazer uma comida, todo dia tem que fazer uma música. Mesmo que não preste, jogue fora. Mas eu estou ali trocando as minhas energias com a música. Agradeço muito.
Eu estava com o presidente Lula, recentemente, eu fui convidado para um jantar em homenagem a ele. Vários colegas, amigos, foram cantar pra ele. Entre ele, Zeca Pagodinho, Alcione, Diogo Nogueira e Fernando Abreu cantou também lindamente. E eu cantei Saudade da Guanabara. Eu percebi no olhar do presidente que havia alguma coisa diferente nele. Quando acabou, ele veio na minha direção, me pegou pelo rosto e disse que, finalmente, entendeu o que era o Rio de Janeiro com a minha música.
Então, no final das contas, música, arte, samba e política se misturam?
Ah, se misturam, porque toda a atividade musical é política. O samba brinca com a lata d'água na cabeça, o misereiro, o borraco que caiu, essas coisas todas. Esse samba mesmo, Vala Negra no Coração, que é uma coisa que tem todo o favela, uma vala negra, esgoto o céu aberto, lixo, doença, e negro canta isso tudo.
E o samba ganhou importância com essa cisão desta chamada MPB, mas é porque foi engajamento muito do samba. Não falo de pagode, é samba mesmo, que fala das coisas.
E você entende que a tua maneira de se manifestar politicamente foi através da música?
Não sei. Eu não tenho mais força para ir para a rua com cartaz na mão. Meu cartaz é minha música. Espero que ela fure bloqueios também, passe pelas barreiras agressivas.
Como você está se sentindo em relação à sua saúde, mas fazendo uma turnê…
Então eu me concentro sempre quando eu vou tocar no dia, só saio da toca pra tocar. Cercado de pessoas amigas, que me ajudam a me botar no palco, e eu toco com o grupo, então eu economizo notas no violão, faço mais um solo, às vezes, arrisco com o violão ligado, não preciso fazer tanta força. Mas o Parkinson é uma doença danadinha de ruim, ela vai te levando aos poucos. Mas eu sou guerreiro, sou filho de Jorge, São Jorge guerreiro, está sempre comigo, quando vem um dragão pra cima de mim, ele mete logo a lança. 'Sai para lá, sai para lá!'
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O Bem Viver traz também cultura popular e agroecologia do Centro Comunitário Vivendo e Aprendendo, na região metropolitana do Recife (PE).
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A Gema Soto traz uma sobremesa sem açúcar, simples e deliciosa, é o mousse de manga.
Do outro lado do mundo, o futebol movimenta o condado chinês de Cun Chao.
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Edição: Marina Duarte de Souza