Com adesão de 39 instituições, professores e servidores federais estão com atividades paralisadas em universidades, institutos e Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefetes) desde o dia 15 de abril.
A última proposta do governo em mesa de negociação aconteceu no dia 19 e foi rejeitada pela categoria. Foi oferecido um reajuste salarial a partir do ano que vem e em 2026 também, porém sem mudança para este ano.
No entanto, segundo o Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), a greve não reivindica apenas recomposição salarial.
“Os investimentos públicos lançados no orçamento de 2024 para as instituições federais de ensino superior é o mesmo do ano de 2012”, destaca Gustavo Seferian, presidente do Andes, em entrevista ao programa Bem Viver.
“Isso traz impactos não só nas perspectivas de manutenção, expansão, mas em garantia de questões elementares, como políticas de permanentes estudantil, restaurantes universitários, moradia, bolsas de permanência para além de bolsas de pesquisa e extensão que acabam sendo corroídas”, explica.
Segundo Seferian, não há perspectiva para o fim da greve. Espera-se que na semana que vem uma nova proposta do governo chegue e a categoria deve se reunir para debater.
Embora não use a palavra “decepção” para descrever o diálogo com o governo Lula, apoiado pela Andes no segundo turno da eleição de 2022, o presidente do sindicado critica a falta de “pressa” do governo para resolver o impasse.
“Nossa categoria tem pressa. Quem não tem pressa é, sem sombra de dúvida, o governo que está aí, só nos enrolando já há bastante tempo”.
Confira a entrevista na íntegra
Brasil de Fato: O governo ofereceu reajuste salarial a partir do ano que vem e também em 2026. Porque a categoria não aceitou a proposta?
Gustavo Seferian: Essas propostas que você trouxe [sobre reajuste salarial] sintetizam muito bem as nossas demandas de ordem salarial nesse momento. São um dos eixos estruturantes da nossa pauta reivindicativa, que desde o ano passado vem sendo campeada junto com o governo federal, em exaustivas e bastante alongadas mesas de negociação, que acabaram chegando em um beco sem saída, nos levando à deflagração desta greve que vem numa crescente.
Somam-se essas pautas a questão que acho que é estruturante de todos os demais pleitos que a gente coloca na ordem do dia: a necessidade de recomposição dos investimentos públicos nas universidades, institutos federais e Cefets. Hoje, os investimentos públicos lançados no orçamento de 2024 para as instituições federais de ensino superior é o mesmo do ano de 2012.
A gente está aqui com um abismo dentro do conjunto de necessidades que essas instituições reclamam e a possibilidade de sua efetivação.
Isso traz impactos não só nas perspectivas de manutenção, expansão, mas em garantia de questões elementares, como políticas de permanentes estudantil, restaurantes universitários, moradia, bolsas de permanência para além de bolsas de pesquisa e extensão que acabam sendo corroídas.
Os contratos com empresas, prestadoras de serviço, a conta de luz, de água, papel higiênico do banheiro, tudo isso acaba comprometido com essa carência de investimentos nas universidades, institutos e Cefetes.
Nós também colocamos na nossa pauta de reivindicações a necessidade de reorganização da nossa carreira, que vem a ser muito defasada e bastante injusta.
Mais que tudo privilegiando os trabalhadores e trabalhadores que já estão há mais tempo na carreira, impactando de uma forma muito significativa e tornando pouco atrativa para aqueles e para aquelas que ingressam no magistério superior ou nas atividades de ensino básico, técnico e tecnológico.
Temos também aqui uma agenda que ela é muito significativa de um grande 'revogasso' de medidas restritivas de direito, medidas bastante afrontosas, não só direitos previdenciários, organizativos, de própria mobilização grevista, que a gente experimentou nos governos desde o golpe, mas que nesses seguem requintadas ou sem qualquer espécie de impacto com vistas à sua revisão.
Então são essas as pautas do conjunto que vem tendo bastante resistência por parte do governo federal em ter uma resposta efetiva.
Claro que essas salariais, como você mencionou, depois que a gente iniciou a greve, levaram ao governo se movimentar um pouco. Mas ainda de uma forma bastante aquém daquilo que é esperado pela nossa categoria. Então, é fundamental que a gente siga essa mobilização com vistas a imprimir a concepção dos nossos interesses.
Então o governo não deve conseguir frear essa greve apenas com a proposta de reajuste salarial?
Com toda certeza, inclusive lembrando que o Andes tem sua condição de sindicato classista, a gente transborda nas nossas demandas e lutas o que são pautas meramente corporativas.
É claro que essas são importantes, são significativas. A valorização dos servidores e servidoras é uma peça fundamental no que é a concepção do ensino público, gratuito, de qualidade, socialmente referenciado no interesse dos trabalhadores e trabalhadoras, mas isso se soma, claro, a outros tantos investimentos, sabendo que universidades, institutos e Cefetes não se fazem apenas com professores.
A valorização dos técnicos é fundamental, é fundamental que a gente iniba o processo de terceirização e precarização do trabalho nessas mesmas instituições federais de ensino superior e que a estudantada tenha condições de empenhar suas atividades com o máximo de dedicação possível ao ensino, pesquisa e extensão.
Sem ser capturadas ou seduzidas pelas aberturas que são bastante atróficas do mercado e que viabilize sobretudo a gente a ter a afirmação, hoje, do que foram conquistas históricas tão importantes como por exemplo as ações afirmativas e reserva reservas de vagas sociais para negras e negros, indígenas, quilombolas, que são também condições que reclamam a garantia por meio de bolsas e outras políticas de permanência
E qual a avaliação do Andes sobre as negociações com o governo? Pode-se falar em decepção?
Eu posso dizer que o Andes, de uma forma inédita e até mesmo ilícita ao movimento sindical, se empenhou e muito no segundo turno [das eleições de 2022] para poder eleger o Lula e derrotar Bolsonaro, porque era sabido de nossa parte que caso viesse Bolsonaro ser reconduzido, os ataques aos movimentos sociais, ao movimento sindical, aos lutadores e lutadoras tenderia a se intensificar.
Foi isso que a gente verificou, por exemplo, no que foi a recondução do [Recep Tayyip] Erdogan, na Turquia, entre outras tantas expressões do neofacismo e que esse receio se colocava também de nossa parte.
A eleição de Lula não trouxe falsas esperanças, ao menos para as direções do Andes, para a sua militância mais aguerrida e empenhada na função das suas deliberações.
Mas do que qualquer outra coisa foi indicativo de que a gente teria melhores condições de seguir lutando sabidamente de que a conquista de direitos e a sua manutenção pressupõe a organização, mobilização e luta, né?
A gente não tem nada que veio de bom beijada, não é deixando o homem trabalhar que a gente vai ter atenção de nenhum tipo de direito social. Mas, eu lembro que o próprio Lula, no comecinho da gestão, chamou ali uma reunião com mais 600 dirigentes sindicais, no dia 17 de janeiro de 2023, e apontou que sim, era necessário que a gente se organizasse e pressionasse o governo, porque o andar de cima tá ali operando, no MEC, está operando na disputa dos fundos públicos, na garantia da lucratividade para os cientistas, no pagamento dos títulos da dívida pública, que não atendem a população trabalhadora nem a garantia dos direitos sociais, mas que atende os senhores de sempre.
Então, não vou dizer que houve uma decepção. O que se tem nesse momento é uma certa indignação diante da carência de movimentações por parte do governo federal dada essa corrosão da capacidade de compra, da renda do professorado e também do restante dos servidores e servidoras da educação que veem a sua pauperização se dando de forma crescente.
O endividamento é quase endêmico na categoria, para não colocar os aposentados e aposentadas que por meio dos empréstimos consignados têm cada vez mais a sua capacidade de compra e de reprodução da vida interditada.
Então a greve é resposta também diante dessa situação que é desesperadora por parte do professorado e que reclama uma resposta urgente por parte do governo federal.
Vocês esperavam que em um 1º de maio, no segundo ano de governo Lula, estariam há quase um mês em greve?
Pois é, é bastante contraditória essa situação, né? Um governo que se reclama democrático não respeitar a Constituição, não estar minimamente respeitando aquilo que está previsto no artigo 37 da Constituição da República que prevê o reajuste salarial dos servidores e servidoras ano a ano.
A gente não precisaria nem estar disputando o 2024 a rigor para ter uma recomposição, porque isso daí é algo que se espera no cumprimento da constituição.
Uma coisa é o Temer golpista, outra coisa é o Bolsonaro neofacista rasgar a constituição como sempre quiseram, né?
Nesse momento a gente vive uma situação que é extremamente contraditória. O governo bate cabeça na lida com o que são as demandas dos servidores e servidoras, atendendo de uma forma extremamente significativa, parte das categorias e a outras tantas, sobre tudo as que se mobilizam de forma mais intensa, dando respostas que são pífias, são bastante tímidas.
O 1º de maio é o marco, é um marco de expectativa, como disse no início, de luta, de memória, e que, bem, tende a revigorar ainda mais essa nossa luta.
Esperamos que não venha a durar muito, mas para que ela não dure muito a gente precisa ter uma resposta efetiva pelo governo federal, que, bom, seguimos esperando, imagino que só para a próxima semana se é que vai vir, né?
Nossa categoria tem pressa. Quem não tem pressa é, sem sombra de dúvida, o governo que está aí, só nos enrolando já há bastante tempo.
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Edição: Matheus Alves de Almeida