Discurso de Rodrigo Pacheco sobre austeridade fiscal é eficaz e seletivo, para não dizer hipócrita
“O que o Brasil precisa, já que se invoca tanto essa questão de responsabilidade fiscal como se a desoneração da folha fosse o grande mal do país (...) é preciso ter uma ampla discussão sobre gasto público e corte de gastos pelo governo federal. Além de arrecadar, qual a proposta de corte de gasto para poder equilibrar as contas?”
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, defendendo corte de gastos públicos para garantir benefício fiscal à alguns setores empresariais. Quatro dias depois...
“Não se pode deteriorar essas carreiras a ponto delas não serem atrativas. Aqueles alunos de faculdade que podem, querem ser juízes, promotores deixam de querer. Aqueles que estão na carreira não querem mais continuar.”
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, justificando o aumento salarial e de gasto público para os membros do Poder Judiciário, por meio da PEC do quinquênio.
No Brasil se vive o liberalismo de conveniência. Quando interessam aos Poderes, há uma troca de favores. O Legislativo, concentrando parte do orçamento brasileiro, sendo formado por uma maioria de membros do campo conservador, joga com os privilégios históricos do Judiciário. Ao mesmo tempo, estrangula o Poder Executivo, liderado pela figura de Lula, na realização do orçamento planejado.
Diferentemente da fala de Pacheco, em 2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo finalizou o 188° concurso da magistratura com recorde de inscritos. Um total de 23 mil postulantes ao cargo. Certamente, muitos destes não vocacionados, mas atraídos pela farta remuneração.
A PEC do quinquênio, que o presidente do Senado está pautando, estabelece um acréscimo de 5% nos salários dos membros do Judiciário a cada período. Pasmem, isso significa que a remuneração recebida pode chegar até o máximo de 35% do teto constitucional, ou seja, extrapolar o teto, sem que seja computado como tal.
De acordo com a Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do próprio Senado, o impacto total desta PEC, em apenas três anos (2024 a 2026), poderia chegar a aproximadamente R$ 82 bilhões. A título de exemplo, o orçamento de TODAS as universidades federais em 2023 foi de pouco mais de R$ 6 bilhões e em 2024 caiu para R$ 5,9 bilhões. Um investimento quase 14 vezes menor.
Ao mesmo tempo, as universidades públicas e institutos técnicos federais do país estão em greve, em razão do congelamento salarial que perdurou por mais de 6 anos, acarretando 40% de desvalorização remuneratória. Além disso, cobram a reestruturação de uma carreira em que o servidor leva, por volta de 20 anos, para chegar no ápice, diferentemente da maioria das carreiras, inclusive do Judiciário, em que esse tempo é muito menor.
A aprovação da PEC do quinquênio comprometeria diretamente a execução orçamentária do Poder Executivo e, impactaria, em qualquer outro tipo de investimento realizado pelo governo federal. Trocando em miúdos, o que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco faz em conluio com o Judiciário é chantagear o governo federal mantendo os privilégios do Legislativo com a liberação de emendas e do Judiciário com remunerações fora da realidade brasileira.
Enquanto isso, os servidores da educação pública, responsáveis por tocarem as pesquisas nacionais e garantirem a formação de “cérebros” do país, não recebem a sensibilidade do presidente do Senado e continuam com os salários congelados e defasados, por não serem prioridade, nem terem força nos bastidores do privilégio pouco republicano brasileiro.
O discurso de presidente do Senado, deputado Rodrigo Pacheco sobre a austeridade fiscal é eficaz e seletivo, para não dizer hipócrita. Restringe os investimentos da educação. Acolhe os privilégios remuneratórios do Judiciário.
Fato é que, com toda a dificuldade vivenciada nos últimos anos, decorrente da falta de investimento em políticas públicas, o Judiciário e o Legislativo continuam surfando em céu de brigadeiro. Não há sensibilidade, nem compromisso social que os comovam. Ao que parece, o Judiciário ainda não entrou na república. Enquanto o lobby dos privilégios prevalecerem, o projeto de país soberano e democrático padecerá.
Edição: Matheus Alves de Almeida