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Ela é quase da família?

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Segundo dados do IBGE, em 10 anos, o número de empregadas domésticas diminuiu, houve aumento de diaristas - Foto: Pixabay
A jornada do trabalho doméstico tem relação direta com um passado branco escravocrata

Jornadas desumanas e exaustivas, remuneração pífia e um cuidado sem igual. Neste sábado (27), é celebrado o Dia Nacional da Empregada Doméstica - e não é mais do que uma simples data no calendário, mas uma importante lembrança do papel crucial dessas trabalhadoras em milhões de lares em todo o Brasil.  

Como filha de uma ex-empregada doméstica, esse dia tem um significado ainda mais profundo para mim, testemunha de que esse trabalho quase sempre é subvalorizado. Cresci vendo minha mãe trabalhar arduamente para me criar, junto ao meu pai, se dedicando dia a dia incansavelmente a outras famílias. Isso tudo sem deixar de pensar no bem-estar da nossa família e me dar tanto amor. Um trabalho de carinho imenso por todos a sua volta. Mas a rotina não é só de carinho. Não mesmo. Testemunhei as lutas, as longas horas de trabalho, o cansaço extremo depois do expediente, a falta de segurança financeira por conta da baixa remuneração.

É um trabalho que é invisível para a maioria e a categoria cada vez mais se vê sucateada. 

Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 10 anos, o número de empregadas domésticas diminuiu - houve aumento de diaristas. Três em cada quatro trabalhadoras domésticas no Brasil trabalham sem carteira assinada, ou seja, sem direitos. As mulheres são a maioria da categoria, ocupando 92% das vagas de trabalho domésticos no país, sendo 65% delas, mulheres negras. Esses números só reforçam algo que já temos com clareza em mente: a jornada do trabalho doméstico tem relação direta com um passado branco escravocrata.

O historiador baiano Jacob Gorender já falava, no livro “O escravismo colonial”, que, em 1888, depois da abolição, trabalhadores que realizavam serviços domésticos ainda eram comparados a escravos. O que mudou? Ainda somos quase da família?

Desde então, muito mudou na legislação, especialmente com a PEC das domésticas. Mas os preconceitos, as jornadas e condições trabalhistas, cujos direitos muitas vezes são violados, mostram que ainda não houve uma mudança efetiva na qualidade de vida dessas trabalhadoras. E quem mais sofre tem muito a ver comigo: são as mulheres que me vejo no espelho. Mulheres pretas, como minha mãe. Como eu. É por isso que sinto um grande impulso para subir o tom em apoio às trabalhadoras domésticas, em solidariedade com minha mãe e com todas as mulheres que compartilham a experiência. É preciso corrigir injustiças seculares com salários dignos e condições de trabalho justas para todas as empregadas domésticas. Devemos honrar o legado das mulheres que vieram antes de nós e lutar por um futuro onde todas sejam tratadas com o respeito e a dignidade que merecem. É uma questão de justiça social e direitos humanos básicos.
 

*Dani Monteiro é deputada estadual (Psol) e presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Alerj.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Jaqueline Deister