Onde as crianças só veem armas, mortes e dificuldades, temos um lugar para dar orgulho ao bairro
Na Zona Norte do Rio de Janeiro, no Complexo da Penha, existe um suspiro de ar da Mata Atlântica, na Serra da Misericórdia. Lá, a comunidade do CPX, conhecida como uma área pobre e violenta da cidade, é também lugar de construção coletiva.
O local abriga o Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM), que mostra que é possível atrair outros olhares para o território, por meio da agroecologia. A ONG atua desde 2011 com projetos de educação, saúde e mobilização dos moradores com incentivo à agricultura urbana e alimentação saudável.
“Onde as crianças só veem armas, mortes, dificuldades, a gente tem um lugar diferente para dar orgulho ao bairro, para as crianças se sentirem pertencentes ao local. Aqui era chamado de pedreira, hoje já estão chamando de Serra da Misericórdia, então, estão dando mais valor”, conta Marcelo Correa, cofundador da ONG.
Para Correa, a agricultura e a favela precisam andar lado a lado, para as pessoas entenderem a importância da alimentação de qualidade.
“Temos a nossa luta política, porque isso tudo sem luta política é vazio. Ecologia, como diz Chico Mendes, sem luta política é jardinagem. A nossa produção de alimentos é muito para a nossa alimentação, da escolinha, se você se alimentar bem, você aprende melhor. Quando teve batata doce, além das crianças fazerem pão, também fizeram escondidinho de jaca. Hoje a produção é pouca ainda porque a terra é muito degradada, mas a gente está aqui para melhorar isso”, ressalta.
O CEM tem como propósito instituir o ‘bem viver’ no Complexo, onde 13 favelas se aglutinam. Para isso, estabeleceu parcerias com diferentes coletivos, redes e instituições, para atuar em toda a cadeia produtiva de alimentos, do cultivo ao consumo, e, assim, garantir a soberania alimentar da comunidade feita pela própria comunidade.
Uma das voluntárias é Ane Martins, que veio do Maranhão e hoje mora no CPX. Ela trabalha no CEM há dois anos e diz que se reencontrou.
“Além de ajudar a capinar, fazer a limpeza, eu também planto arruda, faço mudas… Hoje mesmo fiz 70 mudas de abacaxi; e também batata doce, tomate, cebolinha, cenouras e outras coisas. É muito importante, porque a gente economiza muito. Tipo: a pessoa não tem condição de ir ao mercado comprar tal coisa, mas, se tiver [alimentos] no seu quintal, é algo que você vai economizar. E também não tem veneno, isso que é importante! É totalmente natural”, comemora.
O projeto de produção de alimentos do CEM conta com diversos voluntários da própria comunidade do Complexo da Penha. Além de contribuir com a ONG, eles aprendem a plantar e levam o aprendizado para suas casas. Ademilson Santos, mais conhecido como Léo, também veio do Maranhão e relata que não imaginava ser possível plantar os próprios alimentos numa cidade como o Rio de Janeiro.
“Para mim foi uma surpresa quando eu conheci aqui, porque ao redor de uma favela bem no Centro tem essa paisagem; e eu sou da roça, então, é um lugar que eu sempre gostei”, destaca.
A indígena Leoildes Xavier dos Santos adquiriu o conhecimento que tem de plantio com a avó e, hoje, repassa o que aprendeu para o projeto.
“Plantar e colher para as crianças para fazer a comida delas. A batata a gente colhe para fazer bolinho, coentro, cheiro-verde, pimenta, quiabo. Ao invés de comprar, você planta; e eu sempre sonhei em ter um quintal para plantar minhas coisas”, diz.
Os alimentos e outros produtos produzidos pelo Centro de Integração da Serra da Misericórdia (CEM), como sabão, repelentes e xaropes naturais, são consumidos atualmente pela Escola Popular de Saúde do Complexo da Penha. O CEM não tem interesse em comercializar a produção, ao menos até que consiga abastecer toda a comunidade.
Edição: Douglas Matos