Velas, espadas de São Jorge e imagens do santo marcaram, nesta terça-feira (23), a tradicional Festa de São Jorge, na Igreja São Jorge, na zona Leste da capital gaúcha, no bairro Partenon, com procissão luminosa. Com o tema "Amigos de São Jorge com Fé, Amor, Igualdade, Vivendo a Verdade", a 71ª edição reuniu pela primeira vez, em um ato inter-religioso, milhares de fiéis integrantes de diversos credos.
A manifestação aconteceu após a missa das 18h30, realizada em conjunto pelo titular da paróquia, padre Sérgio Belmonte, e pelo Pai Ricardo de Oxum, e celebrou o santo e o orixá.
"Há um respeito muito grande entre fiéis de São Jorge em ambas as formas de expressar a fé. Acredito que esta atividade representa um importante exercício de união, aceitação e respeito com a religiosidade do próximo", destacou o pároco.
De acordo com ele, a proposta de realizar o ato inter-religioso teve como objetivo celebrar o respeito e o reconhecimento à liberdade de prática religiosa.
Sincretismo religioso
Conforme pontua o Pai Ricardo de Oxum, o sincretismo religioso é um fenômeno histórico, uma vez que durante muito tempo foi vetado aos negros e negras professar sua crença e fé. Para ele o ato representou o resgate dos cultos afros. "Por muitos anos a religião de matriz africana teve que ficar escondida, até mesmo escondida através da Igreja Católica. Negros e escravos se amparavam através da Igreja Católica por não poder professar sua fé. Tiveram que ludibriar seus patrões através das imagens da Igreja Católica."
De acordo com ele, quando foi feito o convite, pediu que fosse realizado no dia de São Jorge e não em outro. "Já teve alguns manifestos na igreja, mas nunca no dia de São Jorge. Se realmente vamos fazer esse resgate, se vamos entrar para essa luta, porque foi uma luta de mostrar o batuque dentro da igreja no RS, que fosse no dia do Santo Guerreiro. E o padre prontamente nos atendeu e permitiu que acontecesse. Não foi fácil, não está sendo fácil, mas ocorreu, São Jorge venceu", explicou.
Na tradição católica, São Jorge teria nascido na Capadócia, na Turquia, e representa a força de Deus na luta em favor dos povos excluídos e marginalizados. Já Ogum era originalmente cultuado no território que atualmente corresponde à Nigéria. Ele é o ferreiro dos orixás, ligado à guerra e à agricultura.
Durante o ato, a escadaria da igreja foi lavada, como acontece tradicionalmente nas festas de Nosso Senhor do Bonfim, em Salvador, na Bahia. Pai Ricardo conta que a ação significa a purificação e feita com água de cheiro, águas de Oxum. “É como se tivesse purificando aquele ambiente para São Jorge passar.”
Ele pontua que a relação entre São Jorge e Ogum é centenária. "Na frente da igreja as pessoas não gritavam 'salve São Jorge' quando a imagem passou, e sim 'Ogum yê'. As outras gerações que vão vir ainda vão estar fazendo essa relação, ninguém vai conseguir apagar."
Contra a intolerância e racismo religioso
Em seu perfil no Instagram a arquidiocese de Porto Alegre, ao anunciar o evento, descreveu que "São Jorge é um santo do sincretismo religioso, que une diversas crenças na mesma fé". Disse que a missa, celebrada por Dom Juarez Destro, bispo auxiliar da Arquidiocese de Porto Alegre, contaria com o ato Inter-religioso da lavagem das escadarias da igreja "por nossos irmãos de religiões de matriz afro, liderados pelo Pai Ricardo de Oxum, uma demonstração da devoção e do respeito a todas as religiões, seguido de procissão luminosa pelas ruas do bairro Partenon".
Após a divulgação do ato, tanto o perfil da Igreja São Jorge quanto da arquidiocese de Porto Alegre foram atacadas com comentários negativos de intolerância e preconceito. "Além de demonstrarem total desconhecimento do que é um diálogo inter-religioso e o que a Igreja Católica diz sobre isso. Manifestamos nosso repúdio contra toda a espécie de preconceito e intolerância a qualquer religião e crença", destacou o padre na rede social.
Presente à celebração, o vereador de Porto Alegre Pedro Ruas (Psol) destacou que, apesar das ameaças e ataques contra o padre Sérgio Belmonte, a caminhada iluminada transcorreu de forma pacífica na Avenida Bento Gonçalves. "A tolerância e a paz venceram. Toda a nossa luta era para que não houvesse nenhuma violência, para que houvesse paz, para que houvesse união."
"Devemos continuar essa luta, esse combate contra o racismo religioso, contra a intolerância religiosa, e que Deus é um só, que São Jorge é para todos e que nos abençoe sempre", disse Pai Ricardo.
A 71° Festa de São Jorge é a segunda maior celebração religiosa da capital e está inclusa no calendário de eventos de Porto Alegre. O evento prosseguirá no próximo domingo (28), com missas, procissão e festejos populares.
Confira a programação:
9h - Missa campal celebrada bispo auxiliar de Porto Alegre Dom Bertilo Morsch
10h - Procissão de São Jorge pelas ruas do bairro Partenon
12h - Festejos populares
20h - Missa de encerramento
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira