Participação popular

Consulta popular envolve 49 mil comunas na Venezuela e escolhe projetos prioritários para territórios

Para comuneiros, a eleição representa não só a escolha de projetos para as comunas, mas uma outra forma de sociedade

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Ao todo, 15.617 pontos de votação de 49 mil conselhos comunais em toda a Venezuela receberam eleitores que indicariam projetos de rápida execução - Pedro Infante PSUV

Aos poucos, os venezuelanos foram subindo as ruas estreitas do bairro de Cátia para votar nos colégios eleitorais da comuna Altos de Lídice, em Caracas. A eleição deste domingo (21) na Venezuela não era para escolher um deputado, prefeito ou governador. O objetivo da consulta popular era elencar os projetos que seriam prioritários para cada comuna no país.

Ao todo, 15.617 pontos de votação de 49 mil conselhos comunais em toda a Venezuela receberam eleitores que indicariam projetos de rápida execução que serão enviados ao Ministério das Comunas. O órgão vai escolher 4,5 mil projetos dentre 27 mil apresentados que vão receber US$ 10 mil para a execução. Seja compra de ambulâncias, manutenção no abastecimento de água potável ou construção de rede de wi-fi pública, os venezuelanos escolheram os projetos em um processo que consideram ser a representação mais profunda da democracia participativa.

O caráter político dessas eleições vai além da política partidária. As comunas são uma concepção própria do Estado venezuelano idealizado pelo ex-presidente Hugo Chávez. O objetivo dele é que a gestão do Estado fosse feita de baixo para cima, e que a decisão dos conselhos comunais teriam peso na decisão coletiva.

Os projetos votados neste domingo foram escolhidos a partir de um extenso debate dentro dos conselhos comunais. Por meio de assembleias, os moradores foram ouvidos e argumentaram quais eram, segundo a sua percepção, as principais demandas. A partir daí, os grupos escolhiam os projetos que eram mais urgentes e eliminavam os menos necessários para aquele momento.

Para a educadora da Universidade Plurinacional Pátria Grande, Dahis Escobar, a participação na consulta popular é fundamental para a execução de projetos que dialoguem com a realidade das comunas.

“Não é a democracia representativa. Eu não escolho alguém para que execute algo e não sei se ele fez, se não fez, ou que ele pense: olha, acho que o melhor para essa comunidade é esse projeto. Não. Aqui a democracia é participativa e protagonista. Estamos participando na decisão de que projetos vamos fazer. No processo de debate escutamos as reais demandas da população”, afirma ao Brasil de Fato


Votação ocorreu em mais de 49 mil conselhos comunais para selecionar 4,5 mil projetos / Monyse Ravena

Superar o capitalismo

A dimensão desse tipo de votação para as comunas venezuelanas traz também um debate sobre um projeto de sociedade. Segundo o porta-voz de infraestrutura da comuna socialista Altos de Lídice, José Ibarra, a participação popular é o reflexo mais expressivo da democracia participativa no país.

"É muito importante para superar o Estado capitalista. Estávamos acostumados que faria uma prefeitura. Mas hoje em dia participa o poder popular do seu território, e é o mesmo da agenda concreta de ação onde fazem os projetos de curto, médio e longo prazo. Mas qual é o fator diferencial dessa consulta? É que o mesmo povo, os porta-vozes dos conselhos comunais e dos CLAP, participam em conjunto para esse projeto para que esses projetos que as comunas ganham”, disse ao Brasil de Fato

Mães, pais, avôs e avós acompanhados de filhos, netos e sobrinhos. Famílias inteiras foram votar em um domingo que amanheceu nublado em Caracas. O Ministério das Comunas esperava que ao menos 1 milhão e 300 mil comuneros participassem da consulta popular. O dado representa parte da população que vive em comunas no país. 

Por serem simples e de rápida execução, a meta do governo é que os projetos escolhidos estejam finalizados em no máximo dois meses. A gestão dos trabalhos será feita pelos próprios comuneiros por meio do Banco Comunal. Cada comuna tem o seu Banco. Cada comuna tem uma unidade que concentra a administração dos recursos. O banco receberá o dinheiro do ministério e vai empenhá-lo de acordo com o que foi definido nas assembleias.

Diferente do pleito tradicional para eleições diretas, pessoas com mais de 15 anos podiam participar da consulta popular. Para Dahis Escobar, a presença de jovens é um exemplo da representatividade da escolha dos projetos.

“Estamos tomando em conta também a participação dos jovens. Aqui os maiores de 15 anos podem escolher os projetos que mais gostam, que acreditam que serão melhores para as comunidades e o importante é que esses projetos serão executados pelos próprios moradores dessas comunidades. É um projeto para toda a comuna e que beneficia a toda a comuna, não a um setor, não a um indivíduo, mas a toda comuna”, afirmou.


A partir da votação, cada comuna elenca projetos que serão prioridade para a execução do governo / Monyse Ravena

Maduro celebra

Por meio de uma mensagem publicada nas redes sociais, o presidente venezuelano Nicolás Maduro destacou que o "Poder Popular participa com alegria na escolha dos projetos que serão realizados nas comunidades para melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes".

"Hoje o dia está ótimo! O povo venezuelano participa na Grande Consulta Popular Nacional 2024 para votar nos melhores projetos nas suas comunidades e territórios. O poder em nosso país está nas mãos do povo”, disse Maduro.

A votação recebeu observadores do mundo todo que acompanharam o processo em diversos pontos de votação. O sociólogo de Porto Rico, Ramón Grosfoguel, participou como observador e disse que o processo eleitoral da consulta popular deve ser analisado por outro governos como um exemplo de sucesso. 

“É um exemplo de democracia participativa que não tem precedentes no mundo. Isso não se vê em nenhum outro lugar do mundo, você vive isso e parece uma coisa normal, mas para nós que viemos de fora isso não é normal, é realmente um exemplo”, disse.

Edição: Rodrigo Chagas