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Acampamento Terra Livre quer 'retribuir visitas' de Lula e pressionar avanço da pauta indígena

Milhares de indígenas acampados marcharão ao Palácio do Planalto para cobrar cumprimento de acordos e novos compromissos

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Lema do evento este ano é "Nosso Marco é Ancestral: Sempre estivemos aqui!". - Leopoldo Silva/Agência Senado

Com a expectativa de reunir 8 mil indígenas de todo Brasil e de países vizinhos, o Acampamento Terra Livre (ATL) inicia nesta segunda-feira (22). A maior mobilização de povos originários de todo território nacional vai até sexta-feira (26), em Brasília (DF), no Complexo Cultural Funarte.

Nas últimas duas edições, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi convidado e compareceu ao evento. Em 2022, ainda como pré-candidato à presidência da República e, no ano passado, já exercendo o cargo.

O movimento indígena vê a relação com Lula e todo governo dividida. Por um lado há um reconhecimento de avanços nesses quase 16 meses de governo, que não foram vistos durante a gestão Bolsonaro e Temer. 

No entanto, “a gente espera ainda muito mais do atual governo em relação a tudo que foi comprometido a fazerem para os povos indígenas”, comenta Kleber Karipuna, membro da coordenação-executiva da Articulação Nacional dos Povos Indígena do Brasil (Apib), entidade responsável pelo evento iniciado em 2004.

Em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (22), Karipuna explicou que a proposta do ATL este ano é diferente.

“Essa é uma novidade deste ano. Não  convidamos [Lula] para vir ao acampamento, mas enviamos uma carta solicitando que o presidente Lula receba os povos indígenas no Palácio do Planalto como uma espécie de retribuição às suas duas visitas no nosso Acampamento Terra Livre.”

A expectativa é que todos os integrantes do Acampamento, que podem ser até 8 mil pessoas, marchem da Funarte até o Palácio do Planalto, um trecho de pouco mais de 4 quilômetros. 

“Queremos uma conversa, um  diálogo com ele, anúncios, possivelmente, de atos que estão paralisados. Acho que é importante a gente cobrar o avanço da emissão das portarias declaratórias, que hoje estão ainda no âmbito do Ministério da Justiça para serem priorizadas”.

Além da conversa com Lula, um dos focos deste ATL é pressionar o Supremo Tribunal Federal a agir diante do marco temporal. A tese foi aprovada via lei no ano passado e está em vigor este ano, alterando os critério de demarcação de territórios indígenas.

Ano passado o STF decidiu que a tese é inconstitucional, no entanto, segue valendo o entendimento do congresso

Confira a entrevista na íntegra

Brasil de Fato: Além dessa comemoração muito importante de 20 anos, qual que é o clima, como está a animosidade do ATL em relação ao governo, é o momento de amizade ou nem tanta amizade com o governo?

Kleber Karipuna: De fato, a gente espera ainda muito mais do atual governo em relação a tudo que foi comprometido a fazerem para os povos indígenas, principalmente na época da campanha. Vale lembrar que no Acampamento Terra Livre de 2022 o então candidato à presidência da República, o hoje presidente Lula, foi ao nosso acampamento, tiramos uma carta e entregamos a ele com várias pautas de reivindicações, compromissos que foram assumidos e levados para a caminhada da campanha eleitoral em 2022. Ele se elegeu prometendo a demarcação das nossas terras, se prometendo a demarcação das nossas terras. 

Conseguimos avançar em algumas dessas pautas, acho que a criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a ocupação desse espaço por liderança indígenas estratégicas, como a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) sendo pela primeira vez ocupada por uma mulher indígena no comando, a Secretaria de Saúde Indígena também estando um parente legítimo dessa caminhada do movimento indígena e o próprio ministério do Povo Indígena sendo comandado aí por uma companheira de luta que surgiu de dentro dessa caminhada da luta da Apib. 

Tudo isso é uma sinalização positiva para esse protagonismo. Porém a pauta de demarcação, por exemplo, que é uma das principais pautas dos povos indígenas, ao longo de toda essa caminhada histórica da luta do movimento indígena, ainda está muito a desejar

Então, o Acampamento desse ano vem, sim, com uma expectativa e de muita comemoração por conta da data, mas também, na relação com governo, uma cobrança mais efetiva. É o caso da demarcação da proteção dos territórios; da proteção de liderança indígenas, que continuam sendo assassinadas; também a proteção e a promoção da gestão territorial; a complementação de políticas públicas importantes, como é o caso da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental das Terras Indígenas na Pngati.

Então, creio que ainda temos muito a avançar. Esse Acampamento vem com essa expectativa de fazer uma cobrança mais incisiva dos compromissos que foram assumidos e que a gente espera com muita esperança que a partir desse ano de 2024 consigam ser implementadas e avançadas.

O acampamento começa hoje com uma grande expectativa.

Kleber, já tem confirmação se o presidente Lula vai participar em algum dia do evento?

Então essa é uma novidade deste ano. Eu falei que em 2022 o presidente Lula, ainda pré -candidato, foi ao nosso acampamento. No ano passado, fizemos um convite para ele ir ao nosso Acampamento Terra Livre e ele atendeu, foi ao Acampamento.

Esse ano a gente está com uma estratégia diferente. Não convidamos para vir ao acampamento, mas enviamos uma carta solicitando que o presidente Lula receba os povos indígenas no Palácio do Planalto com uma espécie de retribuição das suas duas visitas no nosso Acampamento Terra Livre.

Que ele receba todo o Acampamento Terra Livre em marcha, em frente ao Palácio do Planalto e que a gente consiga ter ali na frente do Palácio do Planalto uma conversa, um diálogo com ele, anúncios possivelmente de atos que estão paralisados. Acho que é importante a gente cobrar o avanço da emissão das portarias declaratórias, que hoje estão ainda no âmbito do Ministério da Justiça para serem priorizadas.

Tem muitas portarias que estão paralisadas desde o ano passado, nenhuma portaria declaratória foi publicada, então esperamos que esse ano seja publicada, assim como o avanço na assinatura de homologações de terras indígenas

Mandamos um ofício para o presidente Lula, para o MPI para que a nossa agenda consiga ser atendida e o presidente nos receba, na ideia que a gente saia daqui do acampamento em marcha, todos os parentes aqui que estiverem, sejam 600 ou até os 8 mil parentes, para a gente sair e marchar para frente do Palácio do Planalto, onde a gente espera ser recebido pelo presidente Lula.

Ali na frente podemos ter anúncios, compromissos sendo cumpridos e outros sendo reassumidos pra gente avançar na pauta da política indigenista.

Já tem uma data prevista para que esse encontro?

Ainda não. Nós estamos aguardando o retorno, então não temos nenhuma confirmação.

Esse ATL, agora, acontece em meio a retrocesso muito grande, que é aprovação do marco temporal. Ele entrou em vigência este ano. Os povos indígenas já estão percebendo que ele está em vigor? Ele está sendo exercido?

Sim, com certeza é uma ameaça real. E esse será um dos focos do Acampamento Terra Livre, que tem como lema, esse ano, "Nosso Marco é Ancestral: Sempre estivemos aqui!".

O próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu sobre isso no ano passado, no julgamento da repercussão geral, em setembro do ano passado, mas infelizmente o Congresso brasileiro que está totalmente minado, empoderado pelos nossos inimigos, aprovou uma lei, a lei 14.701, tentando emplacar o marco temporal através dessa lei que. Infelizmente, os efeitos danosos dessa lei estão se refletindo no nosso território, com conflitos sendo ampliados, aumentando nas regiões, assassinatos de lideranças indígenas acontecendo nos território, por conta, possivelmente, dos efeitos da lei.

A Apib, ainda no final do ano passado, no mesmo dia que a lei foi promulgada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade que está sendo ainda analisada pelo ministro Gilmar Mendes, que, infelizmente, não vemos com muitos bons olhos. Não há alguma sinalização positiva de colocar para a pauta esse debate. 

Com o ministro Gilmar Mendes, fizemos uma reunião inclusive no começo do ano para ver qual seria o posicionamento e a celeridade para se tratar sobre esse tema, porque enquanto não se debate, enquanto o Supremo também não se posiciona, a gente entende que o efeitos da lei estão em vigor e vem ocasionando sérios problemas, como já citei.

A continuidade dos conflitos na ponta, a própria segurança jurídica, o Congresso Nacional falava que a lei iria ajudar a garantir a segurança jurídica na ponta, nos territórios, nas comunidades e pelo contrário, a tese está trazendo malefícios, como eu falei.

A gente entende que o Supremo precisa se posicionar urgentemente em relação aos efeitos da lei, a nossa ADI pede toda a inconstitucionalidade da lei 14.701, por entender que toda a lei é inconstitucional.

Há posicionamentos também da Procuradoria Geral da República, por exemplo, do doutor [Paulo] Gonet [procurador-geral da República] que já se posicionou também entre 17 itens da lei que consideram inconstitucional.

Outros partidos políticos entraram também. Além do julgamento da ACO [Ação Cível Originária] 1100, via uma parceria com o Conselho Indigenista Missionário [Cimi], para também tentar de alguma forma frear o marco temporal. Essa ação está com o relator, o ministro Edson Fachin. 

E além do marco temporal, tem sobre várias outras medidas anti-indígenas que estão tramitando no Congresso Nacional, como a PEC 48, PEC 58, a lei sobre mineração terras indígenas, enfim, várias outras anomalias, vários outros problemas aí que vamos ter que enfrentar ao longo deste ano.


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Edição: Matheus Alves de Almeida