* Com contribuição de Fernanda Alcântara
Em seu primeiro mandato como deputada federal, Erika Hilton (Psol-SP) afirma que os debates no congresso nacional não têm possibilitado o avanço de pautas defendidas pelo seu partido e coligações.
Segundo ela, a extrema-direita e a direita têm força para avançar projetos que ela considera retrocessos para sociedade, no entanto, que têm apoio popular por conta da tática do bolsonarismo "de atuar muito por identificação, por pior que isso seja". "A sociedade tem esses valores adormecidos nelas: o racismo, o ódio contra LGBTs, o ódio contra minorias sociais”, aponta.
Segundo a parlamentar, as articulações entre deputados aliados têm sido mais no sentido de “barrar” projetos, do que de aprovar propostas. “O que nós estamos fazendo agora, dentro do Congresso Nacional, tanto a Câmara quanto o Senado, e eu digo isso como líder da bancada da Federação Psol e Rede, é o diálogo. Dialogar com os líderes, fazer as obstruções que são necessárias e barrar”, afirma.
Erika avalia que, na votação que manteve a prisão do deputado Chiquinho Brazão, acusado de ser o mandante do assassinato de Marielle Franco, a votação só foi concluída desta forma porque havia um “constrangimento” na Câmara.
O que, segundo ela, não acontece quando outras pautas, como da reforma agrária ou legalização das drogas, surgem.
A parlamentar participou de um debate na Casa Popular, região central de São Paulo. Convidada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e pela rede BR Cidades, em parceria com o Projeto Brasil Popular, a Editora Expressão Popular, a Fiocruz e o Armazém do Campo, a parlamentar conheceu o espaço recém-inaugurado e falou com representantes dos movimentos.
Confira a entrevista na íntegra em vídeo e texto:
A gente percebe a ascensão de grupos neonazistas tanto no Brasil como em outras regiões do mundo. O pode ser feito de ação concreta para conseguir fazer com que as ondas progressistas voltem. E quanto você percebe que está mudando?
Mudando devagar, mas mudando. Nós temos de fato, hoje no Brasil e no mundo, uma ascensão brutal do que é extrema-direita e o neofacismo. Até com a legitimidade dada por muitos veículos como o próprio X (antigo Twitter), que legitima discursos como esse, como fizeram agora os Republicanos com essa lista de contas que foram bloqueadas nos Estados Unidos.
Isso alimenta e se fortalece através de bilionários. Essas ideias antidemocráticas, antidireitos humanos, antiminorias. E nós precisamos, do lado de cá, entender quais são os mecanismos, a linguagem e a sofisticação que precisamos desenvolver para também nos colocarmos como lideranças e como pessoas confiáveis na sociedade.
Nós precisamos, às vezes, dar alguns passos para trás no debate radicalizado, no debate teórico, no debate profundo e olhar pros olhos das pessoas e dialogar com a realidade delas.
Desmascarar com simplicidade e verdade as fantasias pintadas pela extrema direita e por toda essa estrutura maquiavélica, que ela flerta com a família, ela flerta com a criança, ela flerta com o religioso, ela flerta com a proteção privada da terra.
Tudo isso alimenta, move, seduz com uma facilidade muito maior do que o debate sobre, sei lá, o que a esquerda promove, eu quero o fim da polícia militar, ou legalize as drogas. Que são debates importantes, mas que precisam ser feito com conteúdo, conteúdo que chegue na periferia, conteúdo que chegue na tia da Igreja.
A tia da Igreja não quer a legalização das drogas. A tia da Igreja não quer o fim da Polícia Militar, porque do lado de lá o que está sendo pintado é o terrorismo.
Nós precisamos dizer de alguma maneira, tentar encontrar e eu também não tenho a receita do bolo. Mas eu sei que o caminho é por aqui, quais são a linguagem que nós vamos acessar ao nos comunicar.
Nós precisamos explorar os grupos de WhatsApp, os de Telegram, nós precisamos explorar a internet. Nós precisamos nos projetar para além da cafonice estrutural, que é a política, e que muitas vezes é a esquerda brasileira.
Nós temos que ser atrativos, nós precisamos de uma plataforma política renovada, que dialogue com aquilo que são os tempos de agora, porque senão nós vamos perder mais uma vez.
O fascismo não está morto, o bolsonarismo não está morto. Bolsonaro perdeu as eleições, mas não perdeu a força política. Nós vemos aí o que se manifesta nos projetos dentro da Câmara, nós vemos o que vai ser as eleições municipais, que inclusive são eleições extremamente importantes para demarcar isso.
O bolsonarismo quer mostrar sua força agora, em 2024, nas eleições municipais em todo o país. Nós, enquanto esquerda, estamos trabalhando na construção sólida de prefeitos e vereadores nos municípios do Brasil para fazer frente a esta gente. Com a agenda realista, com um discurso de verdade que dialoga assim, sem abrir mão dos nossos princípios. Nós queremos a legalização da maconha, que está tramitando no Supremo Tribunal Federal, o desencarceramento, o fim da militarização das polícias, mas de que maneira eu comunico isso num mundo tão polarizado?
Eu acho que se a gente olha pra esses lugares, a gente vai encontrando maneiras de se pôr como lideranças, de não brigar com valores estruturais que estão colocados na sociedade.
Não dá para mudar as coisas da noite para o dia, é gradual, é devagarzinho, as pessoas têm uma mentalidade pronta, formada, a gente não pode chegar lá e "cara, não, agora é tudo diferente".
Eu acho que é tateando isso, que ficou muito aberto, mas eu acho que o debate é amplo, que a gente consegue fazer frente a tudo isso, desmentindo as fake news, informando, levando a verdade, chegando até as pessoas e fazendo com que elas se identifiquem.
O bolsonarismo atua muito por identificação, por pior que isso seja. A sociedade tem esses valores adormecidos nela: o racismo, o ódio contra LGBTs, o ódio contra minorias sociais. As próprias minorias sociais às vezes reproduzem isso, que é a frase de Paulo Freire: "quando a educação não é libertadora, o oprimido quer ser opressor". E isso se reflete na identificação que esses grupos têm com essas plataformas políticas.
Qual é o nosso papel frente a isso? Como criar uma identificação frente a isso? Eu tenho a minha fórmula, outros terão as suas, todas serão bem-vindas, mas precisamos olhar para isso com responsabilidade e urgência, porque eles estão batendo na porta.
Como implementar pautas progressistas dentro do Congresso?
Não tem respostas, a gente está todo o dia tentando aprender como a gente fura a bolha, como a gente barra o retrocesso, como a gente consegue votos para aprovar legislações, políticas públicas que são importantes
A gente teve uma votação de prisão do deputado [Chiquinho] Brazão que foi muito apertada, mas ali tinha um dispositivo diferente que unia em alguma instância dos partidos e constrangia aqueles deputados que votassem diferente. E mesmo assim a votação foi apertada.
Pautas como reforma agrária, dos movimentos sociais, da ocupação da terra são pautas que não constrangem. Pelo contrário, ainda encontra reforço na sociedade que é movida pelo preconceitos, pela desinformação, pelo suposto medo de invasores
Eu acho que o que nós estamos fazendo agora, dentro do Congresso Nacional, tanto a Câmara quanto o Senado, e eu estou líder da bancada da Federação Psol e Rede, é o diálogo. Dialogar com os líderes, fazer as obstruções que são necessárias e barrar.
Você me perguntou sobre como aprovar. Eu estou tentando encontrar essa resposta, mas o que nós estamos tentando fazer com esse sucesso nesse momento é frear.
Se a gente não consegue aprovar, que a gente não deixe passar, que a gente não deixe andar pra frente. Não tenho uma resposta clara sobre isso, espero que aos finais dos quatro anos de mandato, pronta para uma próxima legislatura, nós tenhamos condição de entender como é que nós vamos conseguir passar políticas importantes.
Mas sem sombra de dúvida, um dos passos mais importantes é as pessoas votarem com consciência, é as pessoas votarem em candidatos de verdade, é a pessoa votar em representantes de verdade. Porque é só mudando a cara do Congresso que a gente muda esse radicalismo todo.
Gostaria de sua análise do papel do governo e dos movimentos populares como MST, e como a reforma agrária é uma aliada no enfrentamento à fome.
A reforma agrária é uma grande aliada no combate à fome. O ocupar para alimentar, para uma produção que chegue para todo mundo, uma produção de qualidade. A terra não sendo esse espaço ocioso, mas tendo uma função social ativa, que é aquilo que prega o MST.
Usar a terra para que ela produza alimentos, produza moradia, para que ela de fato seja útil para que as pessoas tenham comida na sua mesa. E é uma comida de qualidade, não é só sobre alimento, mas é que alimentos chegam.
A gente viu no último pleito eleitoral uma política de agrotóxicos, uma política de envenenamento do alimento. E a frase Ocupar para Alimentar ela vai exatamente nisso. Ocupar para produção boa, saudável de alimentos saudáveis e um alimento de qualidade da agricultura familiar.
O governo tem papel, primeiro, de fortalecer a descriminalização desses movimentos. A gente tem visto, inclusive na CPI do MST, projetos que entraram na pauta da Câmara na semana passada que são de criminalização dos movimentos sociais.
Acho que o governo precisa fortalecer esses movimentos, fortalecer essa políticas e ampliar políticas de combate à fome, também a partir da União, com agricultura familiar. Acho que os movimentos têm esse papel importante, o poder público tem esse papel importante. A gente precisa unir esses esforços.
A fome não é uma pauta identitária ou política, mas o não enfrentamento dela é uma pauta política. Ela não é enfrentada justamente pelos interesses políticos. Tem alimentos para alimentar as pessoas, têm terra para produzir alimentos para as pessoas. Essas terras não produzem esses alimentos. Essa comida não chega onde tem que chegar. A política ainda controla e se organiza através da fome, através da violência, da precariedade do acesso a itens básicos como alimentos, água, saúde, educação.
Quando a gente olha para essas frentes e faz com que o poder Executivo, e não só ele, o parlamento olhe e compreenda isso, a magnitude dessa frase [Ocupar para Alimentar], a gente vai consolidado espaços dentro da sociedade, de combate à fome.
E não só com políticas assistencialistas, mas enfrentamento com políticas de raiz, mudanças estruturais. Terra para ter plantio, espaço para que as pessoas possam plantar, alimento de qualidade chegando na mesa de quem precisa.
Edição: Rodrigo Gomes