ENTREVISTA EXCLUSIVA

'O Irã obrigou Israel a gastar mil vezes mais do que o custo do ataque para o repelir', diz Mohammad Marandi

Para um dos maiores analistas iranianos, custo, obtenção de tecnologia e capacidade de atacar explicam sucesso de ataque

Brasil de Fato | São Paulo (SP) | |
Mohammad Marandi é um das vozes políticas mais respeitadas vindas do Irã - Reprodução Facebook

O primeiro ataque da história já realizado pelo Irã em território israelense, ocorrido no sábado (13), causou temores por todo o mundo de um conflito bélico maior, com consequências imprevisíveis. Muitos analistas avaliaram que o incidente - resposta de Teerã ao bombardeio israelense de um consulado iraniano na Síria - foi cartada habilidosa do país por, ao mesmo tempo revidar consistentemente e, ainda assim, de forma comedida, já que avisou da operação dias antes, dando tempo para a preparação de defesas. 

Mas como isso foi visto dentro do Irã? O Brasil de Fato falou com um dos principais analistas políticos iranianos da atualidade, Mohammad Marandi, que considera a operação que lançou mais de 300 projéteis ao território de israel bem sucedida por outros motivos, além dos já mencionados acima.

Entre eles, o altíssimo custo financeiro para o governo israelense - já exaurido pelos gastos do massacre em Gaza -, a chance de coletar informações sobre a tecnologia de ponta de EUA e Israel, utilizada para repelir o ataque, além de indicar capacidade de atingir qualquer alvo dentro do país.

Pressionado pelos setores mais à extrema direita dentro de seu governo, o premiê israelense, Netanyahu, teria autorizado na madrugada desta sexta (19) novo revide contra alvos no Irã, mas os ataques não causaram vítimas fatais ou danos significativos, segundo relatos da imprensa.

"Não há boas opções para o governo Netanyahu", disse Marandi. O acadêmico nascido nos EUA e formado no Irã conversou conosco pouco antes do ataque, no dia anterior, quinta (18). Leia a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Como está o clima político no momento no Irã, após o ataque em Israel? O povo iraniano está satisfeito com a resposta do governo ao bombardeio do consulado do Irã ou eles queriam mais? 

Mohammad Marandi: Os iranianos dispararam algumas centenas de drones antigos, nenhum dos novos, mas drones muito antigos e alguns mísseis. Eles levaram três horas para chegar lá. Portanto, os iranianos queriam que os israelenses e os americanos disparassem sua tecnologia mais recente contra eles. E, só os israelenses, dispararam mísseis no valor de US$ 1,35 bilhão (mais de R$ 7 bi).

Portanto, o Irã provavelmente pagou menos de dois milhões de dólares por esses drones e obrigou obrigou Israel a gastar mil vezes mais do que o custo do ataque para o repelir. Além disso, os americanos e israelenses dispararam todos os seus mísseis de superfície, sua tecnologia mais recente. Tudo isso foi feito para coletar informações, porque os iranianos não estavam usando nenhuma de suas novas tecnologias, portanto, não estavam fornecendo nenhuma informação com esses drones antigos. Mas eles estavam coletando informações e fazendo com que os israelenses e os americanos executassem seu plano.

Quando isso aconteceu, os iranianos dispararam um punhado de seus drones mais avançados, não os principais, mas ainda assim avançados, que atingiram duas bases em israel. Uma, a base aérea no sul, que foi usada para realizar o genocídio em Gaza e também para bombardear o consulado na Síria.

E no norte, nas Colinas de Golã, uma base de coleta de informações também foi atingida. Essas são duas das bases mais fortemente defendidas em Israel. Portanto, a operação foi um sucesso e os iranianos estão satisfeitos. 

A população iraniana teme que a tensão possa escalar e gerar um confronto direto que se expanda pelo Oriente Médio? Quais as chances na sua opinião de uma guerra entre Irã e Israel?

Não é como se as pessoas estivessem indo às lojas para estocar mantimentos ou algo assim.  A vida é normal, o trânsito hoje estava normal, nas ruas não havia nada diferente dos dias e semanas anteriores. Os iranianos acham que são muito mais fortes do que Israel. Israel é muito fraco, está muito vulnerável. Eles perderam a guerra em Gaza, perderam a guerra na fronteira com o Líbano. E perderam sua imagem e credibilidade em todo o mundo por causa do genocídio.

O Irã é, obviamente, muito poderoso, muito mais poderoso do que o Hezbollah, o Hamas ou outros grupos [apoiados por Teerã no exterior]. Portanto, os iranianos estão confiantes. O único risco é se os americanos entrarem na guerra. Se eles entrarem, haverá uma grande guerra no Oriente Médio, e todas as instalações de petróleo e gás serão destruídas, o que criará um colapso econômico global.

Bem, isso é uma ameaça, mas acho que o sentimento no Irã é de que há um número suficiente de pessoas sãs em Washington que reconhecem que essa é uma grande ameaça para os Estados Unidos e que não querem essa guerra.

Por que você disse que Israel perdeu a guerra em Gaza? Outra maneira de ver a situação em Gaza é que Netanyahu está tentando expulsar os palestinos. Se ele conseguir fazer isso, mandar um grande número deles para a Península do Sinai, no Egito, isso seria considerado uma vitória para Netanyahu dentro de Israel, não é?

Não, ele não conseguiu fazer isso. Porque depois de mais de seis meses, ele não conseguiu capturar nada nesse território muito, muito pequeno. Sim, ele não capturou nada. Portanto, a resistência em Gaza conseguiu manter o controle sobre o norte, na cidade de Gaza, na parte central, lugares como Khan Yunis e o sul. 

Por isso, os israelenses acham que chegaram a um beco sem saída. Eles fracassaram em todos os lugares. Ou eles terão que atacar Rafah,  o que será outro fracasso, ou terão de atacar o Líbano, o que será um fracasso ainda pior. Eles não têm boas opções. E quanto mais essa guerra durar, pior será para o regime israelense. É claro que será terrível para os civis que estão sendo massacrados por esse regime maligno, mas o próprio regime já perdeu a guerra e isso só vai piorar a derrota. 

Em sua opinião, qual é o futuro do Hamas?

O Hamas cresceu e ganhou estatura, tornou-se mais forte, assim como todos os movimentos de resistência, seja no Iêmen, no Líbano ou na Palestina. Sua estatura cresceu e o regime israelense diminuiu.

O mundo se voltou contra o regime. A região está indignada e os Estados Unidos e os europeus estão perdendo sua credibilidade. Eles estão perdendo sua imagem, seu soft power [influência] em todo o mundo porque as pessoas os veem como apoiadores do genocídio. Portanto, o futuro é sombrio para o regime israelense. 

Não acredito que esse regime durará muito tempo. Pode demorar, não sei se durará dois ou dez anos, mas o regime israelense está quebrado.

É impossível verificar de forma independente os danos causados pelo ataque iraniano à base militar do sul de Israel. Mas só o fato de Teerã ter conseguido atingir o alvo já é uma grande conquista militar. Como isso tem sido visto no Irã? Isso dá ao país a confiança de que o Irã seria capaz de se defender e até mesmo causar danos significativos aos inimigos?

Com certeza, com certeza. Outro elemento importante é o fato de que os próprios israelenses admitiram que gastaram US$ 1,35 bilhão com os mísseis. E os estadunidenses gastaram seu próprio dinheiro. Enquanto que, como eu disse, os iranianos, os drones que eles dispararam, não passaram de US$ 10 mil cada.

Imagine se você tiver US$ 210 mil em drones. Isso não é nada. É zero comparado ao que os israelenses e os americanos gastaram.
Os americanos e os israelenses estavam disparando mísseis que custaram um milhão de dólares. Então sim, acho que tanto a estratégia foi vista pelos iranianos como muito inteligente, quanto a capacidade dos mísseis. Porque há fotos de satélite das bases e temos imagens de mísseis atingindo as bases, e você provavelmente já as viu nas mídias sociais, o que mostrou ao mundo que os israelenses são vulneráveis.

É claro, não foram apenas os israelenses, todos se mobilizaram para ajudar o regime israelense, os americanos, os franceses, os britânicos e os israelenses, todos eles combinaram suas capacidades e os iranianos conseguiram fazer o que precisava ser feito.

Considerando o silêncio das Nações Unidas em relação ao bombardeio do consulado por Israel e a condenação da resposta iraniana, o sistema internacional parece muito, muito tendencioso. Isso poderia incentivar o governo iraniano a buscar a bomba nuclear como a única forma real de proteção?

O Irã não tem uma política de busca de armas nucleares. Se o Irã quisesse ter uma arma nuclear, já a teria tido há muitos anos. O Irã, assim como o Brasil, tem um programa nuclear muito avançado, mas optou por não desenvolver armas nucleares. 

O que aconteceu foi que o Ocidente mostrou à comunidade internacional que não tem valores porque o Conselho de Segurança da ONU queria condenar Israel, mas os EUA, a França e a Inglaterra os impediram de fazer isso. Portanto, aos olhos do Ocidente, os israelenses podem bombardear embaixadas se quiserem. 

E isso, acredito, aumentará o incentivo para que o Sul Global crie seus próprios órgãos regionais e organismos internacionais porque as instituições internacionais que são controladas pelo Ocidente estão se tornando cada vez mais inúteis.

Falando sobre isso, no ano passado o Irã entrou para o Brics. Quais são as expectativas do Irã ao entrar para o bloco?

A expectativa do Irã é que os países poderosos de todo o mundo e os países em ascensão no Sul Global possam se reunir e promover a convergência entre seus povos e suas economias e aumentar as relações comerciais, bem como os intercâmbios culturais e políticos.

No novo mundo, o Ocidente precisa desistir de sua dominação e precisa ser como o resto do mundo e acho que, para os iranianos, o Brics é um ótimo candidato para ajudar a promover ou facilitar essa mudança.

Um dos principais interesses do Irã é que o Brics consiga desenvolver um meio de comércio entre esses países, independente das instituições financeiras ocidentais, e que os países do Sul Global possam comercializar entre si, sem serem assediados pelo Ocidente.

Edição: Leandro Melito