Cada vez que Lula viaja ao exterior, a relação tóxica do Congresso com os demais poderes se agrava
Olá, não há limites para Lira, o mercado financeiro e as elites, mesmo ganhando sempre.
.O problema dos três corpos. Como se sabe, a nova governabilidade pós-Bolsonaro depende de um equilíbrio instável entre governo, Congresso e STF. E cada vez que Lula sai de viagem ao exterior, a relação tóxica do Congresso com os demais poderes se agrava. O novo episódio de desarranjo iniciou com a rusga entre o Alexandre Padilha e Arthur Lira, que só aparentemente foi motivada por um "desafeto pessoal". Na verdade, a crise da semana foi aberta pela jornada de lutas do MST, que não só forçou o governo a se mexer no tema da reforma agrária, mas também levou à exoneração um primo de Arthur Lira que era superintendente do INCRA em Alagoas. O problema se agravou quando o governo liberou R$ 15 bilhões em emendas e o presidente da Câmara não viu a sua parte. O cacique alagoano, é claro, aproveitou para retaliar tanto o MST quanto o governo, colocando em pauta dois projetos de lei de interesse da bancada ruralista, além ameaçar abrir cinco (!) CPIs que podem atrapalhar a vida de todo mundo. Mas, além da fome insaciável do centrão por cargos e verbas, há principalmente o desejo de Arthur Lira recuperar protagonismo político e não ser carta fora do baralho antes do fim do seu mandato. Afinal, o Senado tem se mostrado mais eficiente na aprovação de pautas conservadoras, com Rodrigo Pacheco passando a patrola no governo e no STF com a aprovação da PEC que criminaliza o porte de qualquer quantidade de drogas. Como se sabe, o alvo preferido do Congresso é sempre o Supremo, que recebeu ameaças de impeachment vindas de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), principal cotado a sucessor de Pacheco na presidência do Senado, assim como do próprio Lira, que tomou as dores dos aliados que fracassaram em impedir a prisão do deputado Chiquinho Brazão e abraçou a pauta de diminuir o poder dos ministros da Corte e fortalecer o foro privilegiado dos congressistas. Para alívio dos aliados que não querem uma guerra com o Executivo em ano de eleições municipais, uma tropa de choque do deixa-disso entrou em campo, capitaneada por Rui Costa e até Alexandre de Moraes, para apagar o pavio do presidente-bomba. No meio do fogo cruzado, o Judiciário ainda ensaiou uma reabilitação do lavajatismo, ao anular o afastamento da juíza Gabriela Hardt, mas que pode ter justamente o efeito contrário.
.Insaciáveis. As rajadas de balas por protagonismo político de Lira e Pacheco atingiram também Fernando Haddad. Quem acreditava na promessa do centrão de que a pauta econômica ficaria imune aos conflitos políticos viu Arthur Lira disputar o protagonismo com o ministro e sair na frente na regulamentação da reforma tributária e Pacheco plantar uma bomba no orçamento com o reajuste salarial automático de 5% a cada cinco anos para juízes e procuradores. Mas a verdade é que a maior preocupação do Planalto não é a fome do centrão e sim a do mercado. E o principal ponto de insatisfação é a forma como o governo trata a questão fiscal. Claro, se o céu fosse de brigadeiro Lula não teria com o que se preocupar. Mas não é o caso. Mesmo que haja sinais de recuperação, com uma previsão otimista do FMI para o crescimento brasileiro em 2024 e aumento dos investimentos e do consumo em fevereiro, o cenário de instabilidade externa é cada vez mais preocupante. O dólar subiu, causando alvoroço em todas as economias emergentes, pressionando a dívida pública brasileira e o governo decidiu empurrar com a barriga a meta de déficit zero para 2026. O mercado não gostou, porque na prática significa que o governo adiou a promessa de separar parte da receita de impostos para destiná-la à amortização da dívida pública. A retaliação veio na forma de pressão para que o Banco Central reverta a tendência de redução da taxa básica de juros. E, claro, já veio o coro dos colunistas e analistas pregando a redução dos investimentos sociais. É assim que a profecia da austeridade se cumpre. Soma-se a isso as próprias inconsistências da política econômica. Afinal, diferentemente dos governos Lula 1 e 2, a almejada distribuição de renda está longe de acontecer no Lula 3, enquanto a inflação penaliza os mais pobres e poupa os mais ricos.
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* Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Nicolau Soares