Temos que tirar algum tipo de lição de como organizar melhor o atendimento à população
Com recordes sucessivos de infecções e óbitos, o Brasil vive atualmente a maior epidemia de dengue da história do país. Nesta semana, de acordo com monitoramento do Ministério da Saúde, o número de casos prováveis ultrapassou 3 milhões, cenário que nunca havia sido registrado.
Os óbitos também atingiram resultados alarmantes. Foram mais de 1.200 mortes nos primeiros quatro meses do ano, o que também ultrapassa qualquer precedente. O recorde anterior havia sido observado em 2023, que teve 1.094 casos fatais da doença.
Previsões divulgadas em janeiro pelo Ministério da Saúde apontavam que a dengue poderia atingir entre 1,9 milhão e 4,9 milhões de pessoas em 2024. Os registros até aqui mostram que a realidade se aproxima das perspectivas mais críticas.
Na época, o país tinha pouco mais de 200 mil casos e a incidência da doença era de 107 pessoas infectadas a cada grupo de 100 mil habitantes. Hoje, o coeficiente supera 1,4 mil a cada 100 mil.
Em conversa sobre o tema no podcast Repórter SUS, o médico infectologista, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Julio Croda, afirma que evitar novos surtos com tamanho potencial não depende apenas das medidas de controle que envolvem diretamente a população
"Para vencermos essa guerra contra a dengue, principalmente nesse cenário de aumento de casos, aquecimento global, condições inadequadas de moradia e saneamento, temos que investir em tecnologia. As grandes revoluções da área de saúde, sem a mudança estrutural da nossa sociedade, vieram através da inovação. Se quisermos realmente diminuir a carga da doença, temos que inovar", disse.
Ele citou a garantia da vacinação para um número cada vez maior de pessoas e lembrou que o Instituto Butantã trabalha para produzir um imunizante nacional. A vacina está em fase final de produção e aprovação e tem a vantagem de ser aplicada em dose única.
Croda também ressaltou o método Wolbachia, microrganismo que impede o Aedes aegypti de transmitir dengue, zika e chikungunya. A técnica é considerada uma das mais promissoras no controle dessas epidemias e vem sendo implementada em diversos países, com resultados positivos.
Na conversa, o professor pontuou também que é necessário organizar o Sistema Único de Saúde para melhorar a assistência a pessoas infectadas. “Paciente com dengue não pode ficar esperando 4, 6 horas para ser atendido, para ser avaliado, para ser identificado”, alertou.
“Se conseguirmos organizar melhor o atendimento da população nesses momentos de aumento de número de casos, reduzimos muito a letalidade associada à doença. Mesmo que tenhamos uma explosão de número de casos, é possível evitar os óbitos. Já deveríamos ter aprendido com a Covid-19 e agora estamos vivendo o pior momento para a dengue que o Brasil já enfrentou. Temos que tirar algum tipo de lição de como organizar melhor o atendimento à população”, completou.
Na lista de possíveis caminhos, Julio Croda citou exemplos como a ampliação dos horários de atendimento das unidades de saúde em horários alternativos, inclusive aos finais de semana, reforço nas equipes de saúde, parcerias com o setor privado e serviços como tendas de hidratação para atender a população com sintomas.
Cenário epidemiológico
A boa notícia é que nas últimas semanas, a propagação da dengue começou a desacelerar. Pela segunda semana consecutiva, o Brasil registrou tendência de queda ou estabilidade nos casos de dengue na maior parte do território nacional. Segundo o Ministério da Saúde, das 27 unidades da federação, cinco ainda apresentam aumento de casos.
Os dados são relativos à semana epidemiológica 14, que se encerrou no sábado passado (6). Segundo as informações, 13 estados apresentaram números estáveis no período, sem sinais de alta. Em outros 9 foi observada queda.
Na lista dos que ainda têm cenário de crescimento estão Alagoas, Bahia, Maranhão, Pernambuco e Sergipe. Já o declínio ocorreu em Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Distrito Federal, Tocantins, Piauí, Amazonas, Acre e Roraima.
Os números da semana passada já indicavam que a pandemia poderia estar em reversão. Na ocasião, a doença estava em declínio em oito unidades federativas e sete estados apresentaram tendência de aumento.
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio da Fundação Oswaldo Cruz (EPSJV/Fiocruz)
Edição: Rebeca Cavalcante