Coluna

De volta à guerra híbrida

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Bilionário Elon Musk se descreve como um "absolutista da liberdade de expressão", mas já mandou bloquear perfis da rede social X, da qual é dono - Sergei GAPON / AFP
A eXtrema direita não apenas vive e respira, como está na ofensiva e marcando pontos

Olá, a eXtrema direita não apenas vive e respira, como está na ofensiva e marcando pontos.

.X Tudo. Os ataques de Elon Musk ao ministro Alexandre de Moraes dizem mais sobre a resiliência da extrema direita do que sobre o hábito do herdeiro sul-africano de criar factoides. É verdade que Musk saiu atrás no mercado dos carros híbridos no Brasil e na América Latina e, principalmente, na disputa pelo lítio que alimenta as baterias dos carros elétricos. Antes do Brasil, a Bolívia já foi vítima das chantagens do empresário falastrão. Mas aqui, o circo de Musk foi montado por outro setor da extrema direita que já tinha vida própria antes de Bolsonaro. Começou com a vinda de um obscuro jornalista americano, Michael Shellenberger, conhecido apenas por seu negacionismo climático, para o Fórum da Liberdade, tradicional evento de institutos ultraliberais do Rio Grande do Sul, historicamente financiados e articulados por think tanks americanos. Shellenberger deu o sinal requentando as “twitter files”, arquivos sem comprovação de autenticidade “vazados” por… Elon Musk. E os ataques de Musk começaram justamente comentando as postagens do jornalista, que tem andado pra cima e pra baixo com o deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS), o mesmo que imediatamente saiu em defesa do bilionário nas redes e articulou um manifesto pela liberdade de expressão. O jogo combinado pode ter incluído uma manipulação de dados para inflar a repercussão no próprio Twitter, alerta o monitoramento de Pedro Barciela, serviu para ressuscitar “influencers” bolsonaristas, mas principalmente dar força para a ala dos ultraliberais de carteirinhas, aqueles que acreditam que o século XXI pertence mais às corporações do que aos Estados, como alerta Marcio Pochmann. Todo o barulho - que não deve dar em nada, nem para Musk, nem para o STF - serviu muito mais para constatar os dilemas do TSE em impedir que as empresas de redes sociais contaminem o debate político e as dificuldades da esquerda sair das cordas diante da ofensiva da direita, ficando mais uma vez com o papel de defender o Estado de Direito, Alexandre de Moraes e o status quo. Mas o episódio também bagunçou a reação da velha direita. Enquanto Rodrigo Pacheco defendeu a aprovação de regras para as redes sociais, Arthur Lira sepultava o PL das Fake News fingindo que fazia o contrário, obrigando até o inerte Dias Toffoli a tirar a regulação das plataformas da gaveta. Na prática, a ala mais tradicional da direita estava mesmo é preocupada se deveria salvar ou não o colega Chiquinho Brazão da prisão, numa votação apertada que mobilizou de um lado dois expoente do Partido das Milícias - Bolsonaro e Eduardo Cunha - e do outro, pela prisão, Eduardo Paes e o STF. Apesar de embaralhar a disputa pela presidência da Câmara - Elmar Nascimento, candidato de Lira, era o principal articulador da liberdade de Brazão - o resultado final reunificou toda a direita: a ordem agora é todos baterem juntos no STF.

.Coach do fracasso. Elon Musk está para o capitalismo do século XXI como Donald Trump esteve para a década de 1980. E apesar de serem tratados como popstars nas revistas econômicas, Trump e Musk compartilham um estilo truculento que esconde uma visão de mundo rasa e fracassos administrativos. Apesar de ser tratado como ícone do empreendedorismo, Musk é herdeiro de um minerador sul-africano que ficou ainda mais rico comprando as empresas certas e especulando muito. Apesar de todo glamour, a atuação de Musk à frente da Tesla tem sido um fiasco cheio de lançamentos fracassados, acidentes e mortes. Como explica Rafael da Guia, Musk nem pretendia comprar o Twitter, mas sim dar um golpe no mercado, comprando 9% das ações, anunciando a compra da plataforma e, depois, vendendo as próprias ações com o preço inflacionado. No entanto, o tiro saiu pela culatra quando o Judiciário americano obrigou-o a comprar a empresa que é deficitária num mercado onde ninguém sabe como dar lucro a não ser especulando com promessas futuras. Ideologicamente, antes de abraçar o trumpismo, o bolsonarismo e a cloroquinaMusk já havia flertado com os neonazistas alemães. Nisso, ele lembra outro símbolo da indústria automobilística, Henry Ford, também afeito ao fascismo. Ideologia à parte, o que interessa é a grana, mesmo que venha do garimpo ilegal, invadindo áreas Yanomami, como lembra o Brasil de Fato, ou vendendo dados de usuários para serviços de segurança. No fim das contas, longe de qualquer genialidade, Musk lembra muito o tipo de gente que estava no Planalto até dois anos atrás - inclusive os generais golpistas que o homenagearam - e merece a reação madura que parte dos internautas brasileiros tiveram sobre o episódio.

.Fora da área de cobertura. Aparentemente a briga de Musk com o STF e a decisão na Câmara sobre a manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão não têm nada em comum. A não ser pelo fato de que os dois episódios contribuíram para ofuscar o já capenga sistema de comunicação do Planalto, que viu passar mais uma semana sem conseguir dar centralidade às boas notícias. Num momento em que Lula se esforça para recuperar a popularidade e enfrenta governadores da direita vitaminados na opinião pública, a perda de controle da pauta política deveria ser levada a sério. Ficou em segundo plano, por exemplo, a queda na taxa de inflação ocorrida no mês de março, que confirma o acerto da política econômica e reforça a continuidade na redução da taxa de juros. No pacote, o governo ainda poderia ter alardeado a Medida Provisória que visa reduzir a conta de luz em até 3,5% ao ano em média para a população brasileira e ganharia tempo e força para enfrentar o espinhoso tema do Projeto de Lei dos trabalhadores de aplicativos que começou mal, com cara de formalização do trabalho precário. E para fechar com chave de ouro, Lula ainda poderia surfar na descoberta de mais uma enorme reserva de petróleo na Bacia Potiguar. É claro que o tema tende a acirrar a contradição entre o discurso ambiental e a dependência dos combustíveis fósseis. Mas isto é visto como o menor dos problemas. Quando o assunto é Petrobras, os conflitos mais agudos são aqueles que envolvem disputa de influência dentro do próprio governo em torno da distribuição dos dividendos, ou os que opõem a indústria petroleira ao agronegócio, interessado em aumentar a dosagem de biodiesel na bomba. Frente a isso, a questão ambiental parece restrita ao portfólio da política externa e dentro de casa ninguém parece levá-la a sério. Seja como for, se as manchetes não foram desfavoráveis ao governo, tampouco foram positivas. E esse é o problema.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O novo capital financeiro. N’A Terra é Redonda, Scott Sehon e Stephen Maher discutem a interdependência entre a indústria e as finanças. 

.Estado de Israel financiou guerra na Guatemala, que deixou 400 mil mortos. No Brasil de Fato, a colaboração entre Israel e o Apartheid da África do Sul no golpe que derrubou Jacobo Árbenz, na Guatemala, em 1954.

.Um jornalista perturba a ultradireita indiana. Entenda porque Prabir Purkayastha se tornou o inimigo número um de Narendra Modi. No Outras Palavras.

.Trabalho doméstico infla crescimento da nova ‘lista suja’ da escravidão. Conheça o perfil dos empregadores envolvidos com trabalho escravo segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. No Repórter Brasil.

.“A tolerância com a milícia é suicídio para a esquerda”. Entrevista com Luiz Eduardo Soares. Confira no IHU.

.O ano da viração. Reportagem da 451 relembra a participação do fotógrafo Sebastião Salgado na cobertura da Revolução dos Cravos, em Portugal.

.Guerra às drogas: uma conta de R$ 15 bilhões ao ano. No Le Monde, Murilo Nicolau analisa o custo econômico e social da política proibicionista do Estado brasileiro.

.Ailton Krenak na ABL rompe com era 'Iracema e Pocahontas' na literatura, diz escritor indígena. No Brasil de Fato, Edson Kayapó comenta o significado histórico da entrada de Ailton Krenak na ABL.

.Em homenagem a Ziraldo, veja como o cartunista mudou campanhas de prevenção à saúde no Brasil. Confira também as edições do Pasquim disponibilizadas pela Biblioteca Nacional Digital.

 

* Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante