Mais mulheres nos Estados Unidos estão fazendo abortos por fora do sistema de saúde. Isso é o que revelou um estudo publicado no dia 25 de março na revista JAMA, da Associação Médica dos EUA
Os pesquisadores analisaram o período de seis meses após a decisão da Suprema Corte que reverteu a legalização do aborto no país em 2022. Desde 1973, a prática era legal em nível federal.
“Tristemente, esse era um impacto que nós tínhamos previsto. É uma coisa que a experiência, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países, nós conhecemos”, explicou Cristina Rosero ao Brasil de Fato. Ela é consultora jurídica do Centro por Direitos Reprodutivos.
“Sabemos que cada vez que temos uma lei restritiva dos direitos reprodutivos, muito mais mulheres não vão ter possibilidade de usar o sistema de saúde”, comenta Rosero, “[elas] vão procurar um procedimento fora. Nem todos os procedimentos fora do sistema de saúde são inseguros, mas muitos deles vão ter um risco na saúde e na vida dessas mulheres que procuram esses procedimentos”.
Métodos
O procedimento considerado mais seguro é o uso das pílulas abortivas, que utilizam das substâncias mifepristona e misoprostol. Nos Estados Unidos, elas são legais e vendidas em farmácias pelo país.
De acordo com a pesquisa publicada na revista JAMA, o número de abortos utilizando essas pílulas aumentou 322% no período analisado. Em 2023, os abortos feitos com uso de pílulas representara, 63% dos procedimentos totais.
“Segundo a OMS, o uso das pílulas é totalmente seguro. E tem a possibilidade de fazer um aborto nas primeiras semanas de gravidez com muita segurança, e pode ter um acompanhamento médico. Mas a mulher não precisa ir à uma clínica ou hospital, para ser atendida”, conta Rosero.
As pílulas ainda estão disponíveis nos EUA, mas não se sabe ao certo por quanto tempo. A Suprema Corte analisa um caso para suspender a aprovação dessas pílulas pelo FDA, a Anvisa dos EUA.
Caso os juízes decidam pela proibição desses medicamentos, mulheres de todo o país poderão ficar sem uma das últimas alternativas seguras para interromper a gestação.
Mas durante a argumentação na Suprema Corte, juízes que votaram pelo fim do direito ao aborto há dois anos atrás, se mostraram pouco convencidos sobre os argumentos de proibir a venda das pílulas.
“É possível argumentar que a caixa de Pandora já foi aberta”, explica a historiadora de direitos reprodutivos Karissa Haugeberg, “a pílula já é tão amplamente disponível em tantas partes do mundo que fazê-la ilegal nos EUA não significa que ela não chegará aos EUA. Mais uma vez, nós poderíamos ter um sistema onde ela é tecnicamente ilegal, no entanto disponível para aqueles que podem pagar”.
O aborto farmacológico não é uma novidade
A história mostra que, sendo legal ou não, medicamentos ou pseudo-medicamentos abortivos sempre circularam nos Estados Unidos - mesmo séculos antes da legalização nos anos 1970.
“Nos Estados Unidos colônia até o século 19, existiam propagandas em jornais e revistas que prometiam diferentes poções ou medicamentos herbais para se livrar de gravidez”, conta Karissa, “mulheres enviavam 5 ou 20 centavos e recebiam uma substância, geralmente poejo, que é uma erva que as vezes induz abortos, e outras vezes recebiam apenas talco que não fazia nada”.
O fim da legalização do aborto em nível nacional, diga-se de passagem, não diminuiu o número de procedimentos. Muito pelo contrário.
Entre 1981 e 2017, o número de abortos para cada mil mulheres caiu de 29,3 para 13,5. Entre 2020 e 2023, período que inclui a decisão que reverteu a legalização federal, o índice subiu de 14,4 para 15,7.
Os números podem ser ainda maiores, visto procedimentos ilegais não contabilizados que ocorrem em estados onde a interrupção da gestação se tornou crime.
“A verdade é que nenhuma legislação que seja restritiva sobre o aborto vai evitar que o aborto aconteça”, afirma Cristina Rosero, “todos os casos de leis que são desse estilo, que tem esses tipos de restrições, somente fazem com que as mulheres tenham que recorrer a métodos fora do sistema de saúde e que elas procurem o aborto de outras maneiras, que podem criar muitos riscos para a sua saúde e sua vida”.
A professora Karissa Haugeberg, da Tulane University, porém, ainda é otimista sobre o futuro.
“Como historiadora, eu fui treinada para olhar a longo prazo. Eu acho que se a gente olhar para cada decisão individual da Justiça no curto prazo, vai ser muito deprimente e vamos querer desistir. E nós sabemos, como historiadoras, que foram aquelas ativistas que continuaram lutando quando era difícil, quando não era popular, quando era arriscado… foram essas ativistas que permitiram que cruzássemos a linha de chegada com Roe”, conclui a historiadora.
Edição: Rodrigo Durão Coelho