O relatório da Polícia Federal sobre o assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes aponta que um Projeto de Lei Complementar (PCL) que aborda a questão da regularização fundiária na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro teria motivado o crime.
O PLC 174/2016 foi proposto pelo então vereador Chiquinho Brazão (União Brasil), apontado como um dos autores intelectuais dos homicídios pela PF juntamente com o seu irmão e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ), Domingos Brazão, e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa.
O projeto versa sobre regularização de loteamentos e grupamentos existentes nos bairros de Vargem Grande, Vargem Pequena e Itanhangá, e nos bairros da chamada XVI RA – Jacarepaguá, que compreende: Jacarepaguá, Anil, Curicica, Freguesia, Tanque, Gardênia Azul, Pechincha, Praça Seca, Taquara e Vila Valqueire. As áreas, conforme aponta a investigação, favoreceriam especialmente loteamentos e condomínios de classe média e alta em áreas controladas pela milícia.
Segundo a Polícia Federal, por conta de defender o direito à moradia popular, Marielle teria entrado em conflito direto com os interesses dos irmãos Brazão, mesmo não sendo a principal bandeira de seu mandato.
Histórico do projeto
“O PLC n.º 174/2016, assim como em 2015, passou a ser uma prioridade para Chiquinho Brazão que, novamente, passou a atuar, por meio da Presidência da Comissão de Assuntos Urbanos e da interação com seus pares, para sua regular tramitação” destaca trecho do relatório da PF que ainda afirma:
“O vereador seria surpreendido por dificuldades na obtenção de votos para a aprovação, sendo certo que, em primeiro turno, com votos contrários da bancada do Psol e, consequentemente, de Marielle Franco, houve a apresentação de um substitutivo, ampliando a abrangência territorial da lei.”
O texto substitutivo foi apresentado em 31 de maio de 2017 e ampliava a área de atuação do projeto. A proposta levou seis meses para entrar em votação e a bancada do Psol votou novamente contra o PLC. O projeto foi aprovado com apenas um voto além do necessário e isso, segundo um assessor de Marielle à época ouvido pela PF, teria causado “irritação” em Chiquinho Brazão.
Neste mesmo ano, os irmãos Brazão teriam infiltrado Laerte Silva de Lima no Psol para monitorar Marielle Franco. Segundo a delação de Ronnie Lessa, executor do duplo homicídio, Larte informou aos Brazão que Marielle pediu para a população não aderir a novos loteamentos situados em áreas de milícia. A informação teria sido decisiva para colocar em prática a execução da parlamentar.
Mesma data
A redação final do PLC 174/2016 no Plenário da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro ocorreu no dia 14 de março de 2018, mesma data em que Marielle e Anderson foram executados.
Contudo, em abril de 2018, o PLC foi vetado pelo prefeito do Rio de Janeiro à época, Marcelo Crivella (Republicanos). Em seguida, como aponta o relatório da investigação, o veto foi derrubado em maio do mesmo ano e a Lei Complementar n.º 188/2018 foi publicada.
O duelo de forças contra a norma envolveu também o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que julgou a lei inconstitucional em 2019. Foi entendido que a norma não foi precedida de qualquer estudo técnico de impacto e estatísticas precisas acerca da abrangência dos efeitos da medida.
“A malfadada lei protege lotes sequer ocupados, o que seria um incentivo à especulação imobiliária de áreas dominadas por milícias, por exemplo, o que é de curial sabença. Ressalte-se que o ato foi editado sem qualquer estudo ou planejamento a lhe conferir um mínimo de legitimidade”, diz trecho da decisão judicial.
O que dizem os suspeitos?
Ao Correio Brasiliense, a defesa de Domingos Brazão disse “reforçar a inexistência de qualquer motivação que possa lhe vincular ao caso e nega qualquer envolvimento com os personagens citados, ressaltando que delações não devem ser tratadas como verdade absoluta”.
Já o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido), durante participação virtual em uma audiência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados ocorrida na última terça-feira (26), também alegou inocência. A defesa do parlamentar afirmou que a prisão é “ilegal” e deve ser “imediatamente relaxada”.
Ao Uol, a defesa de Rivaldo Barbosa justificou a ausência de manifestação por ainda não ter acesso aos autos nem à decisão que decretou a prisão.
Edição: Jaqueline Deister