O Plano de Ação para a Neoindustrialização, chamado Nova Indústria Brasil (NIB), lançado no dia 22 de janeiro pelo governo federal, tem em seu favor o fator político, histórico e conjuntural. O mundo retomou a política industrial e essa mudança é duradoura.
Embates entre os EUA e a China, do ponto de vista comercial e outros mais profundos, especialmente com a Rússia, em função da guerra na Ucrânia, associados ao crescimento da OTAN na Europa e a eclosão de mais um grave conflito no Oriente Médio aprofundaram uma crise geopolítica importante.
Dessa mudança geopolítica um novo paradigma das relações internacionais se estabelece, freia a globalização e impõe aos países centrais a adoção de várias políticas internas, entre elas, a retomada industrial para a recuperação de cadeias produtivas e de capacidade de desenvolvimento tecnológico, com menos dependência de outros mercados em função dessa instabilidade nas relações entre os países.
A indústria, que renascerá no Brasil por meio da NIB, pode recuperar segmentos industriais muito mais complexos do que os de hoje, mais tecnológicos, e essa nova política visa restabelecer esses processos que se perderam ao longo do tempo.
É uma política industrial que, primeiro: tenta estancar a desindustrialização, interrompendo o processo que desestruturou cadeias produtivas importantes do País, como foi o caso dos eletroeletrônicos, principalmente pela incapacidade de concorrência com fornecedores internacionais muito mais competitivos devido ao custo de capital internacional e de subsídios.
Segundo: conecta o Brasil com a recuperação do seu tecido industrial, resgatando e abrindo possibilidade de crédito para ampliar a produtividade, como, por exemplo, está previsto na missão 4 da NIB, por meio do Programa Brasil Mais Produtivo, de apoio à produtividade e transformação digital para micro, pequenas e médias empresas.
Terceiro: foca nas oportunidades internacionais do ponto de vista ambiental, já que o Brasil tem um posicionamento vantajoso perante a crise climática e as questões ambientais.
Portanto, a política industrial passa a ser um instrumento decisivo da política, se relaciona com demandas sociais e não apartou a classe trabalhadora, como aconteceu em políticas industriais do passado.
Ao contrário, trabalhadores e trabalhadoras organizados no Macrossetor da Indústria da CUT, fórum que reúne as confederações da indústria metalúrgica, química, do vestuário, da alimentação, da construção civil e madeira e do Sinergia, com a participação do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, o TID-Brasil e da IndustriAll Brasil, debateram e criaram o Plano Indústria 10+ Desenvolvimento Produtivo, Tecnológico e Social, organizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com a contribuição de diferentes atores sociais, entre eles professores universitários, representantes de segmentos industriais, economistas, sociólogos, cientistas sociais, entre outros.
O Plano Indústria 10+, conjunto de diretrizes para a reindustrialização do Brasil, foi entregue, em 2022, ao então coordenador da Campanha Eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Aloizio Mercadante e, posteriormente ao coordenador do Governo de Transição, Geraldo Alckmin, vice-presidente e atual ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Em abril de 2023, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, CNDI, foi recriado e, com a participação dos trabalhadores e trabalhadoras, garantiu-se que a essência do Plano estivesse contemplada na NIB.
Na atualização do Plano Indústria 10+ foi adotado o conceito das missões, elaborado pela professora Mariana Mazzucato, que estabelece que as políticas públicas de incentivo à indústria devam estar atreladas ao desenvolvimento social e humano, dando conta de resolver questões que de fato melhorem a vida das pessoas, ou seja, que a política industrial não tenha um fim em si mesma, mas na solução dos problemas reais que a sociedade enfrenta, como a fome, a falta de saneamento básico, a moradia, a saúde, a educação e o transporte.
A NIB está assegurando para a política industrial um piso de R$ 300 bilhões, sendo R$ 250 bilhões mobilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o restante pela Financiadora de Estudos e Projetos, a Finep, até 2026.
Um comparativo é o Plano Safra, que disponibilizou aos produtores rurais recursos na ordem de R$ 651,38 bilhões, nos últimos dois anos. Mais que o dobro do previsto para a indústria.
Instrumentos como a Embrapa, no caso da agropecuária, e Embrapii, a Apex, a ABDI, no caso da indústria, são espaços fundamentais para a criação de soluções e fortalecimento da capacidade da economia brasileira em se reinventar, em inovar.
O Plano de Ação para a Neoindustrialização precisa manter e ampliar o diálogo com a sociedade, incluindo atores interessados, que possam colaborar com propostas e preocupações a respeito e transformar a NIB em política de Estado de longo prazo.
Nosso sonho é que em pouco tempo os resultados se solidifiquem, melhorem a produtividade, a complexidade industrial, ampliem os investimentos diretos no parque fabril, fortaleçam a formação dos trabalhadores e trabalhadoras e consolidem como critério o potencial de industrialização em cada política pública, para que seja possível propor, à frente, novos desafios, juntando governo, segmento industrial, trabalhadores e trabalhadoras em uma construção contínua da política.
Com isso, daqui algumas décadas, poderá inclusive ser melhorado e ampliado, chamando para si novos desafios, independente de governo, com o segmento industrial empenhado em construir a política e a mostrar seus resultados para a população brasileira.
A Nova Indústria Brasil é um Plano central na macroeconomia, na disputa política, nos acordos comerciais internacionais e no posicionamento do Brasil perante o mundo, porque não se pode abrir mão do segmento econômico que mais impulsionou o País.
O que o Brasil tem hoje a disposição de inúmeras camadas da sociedade nasceu no período mais pujante da indústria. As virtudes que temos na economia, na educação, na saúde surgiram nesse ciclo industrial e esse fator tem que ser considerado e valorizado.
* Rafael Marques é presidente do Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento, o TID-Brasil e presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de 2012 a 2017, e a Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC, em 2013 e 2014. Ingressou na Ford, em São Bernardo do Campo, em 1986 e representou os trabalhadores e trabalhadoras na montadora do ABC Paulista por quase três décadas. É conselheiro do Instituto Lula.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Matheus Alves de Almeida