Foi ao som de tambores e entre discursos emocionados e apelos de justiça que o plenário da Câmara dos Deputados homenageou, nesta terça (26), a vereadora do PSOL Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes, assassinados em março de 2018. A sessão já estava agendada havia dias, mas acabou coincidindo com a semana em que veio à tona a operação da Polícia Federal (PF) que prendeu os três suspeitos de serem autores intelectuais do crime, entre eles o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ). A cerimônia ampliou o clima de pressão pela responsabilização do parlamentar, que terá a prisão preventiva avaliada pela Casa a partir da tarde desta terça (26).
A deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), proponente da realização da cerimônia, disse que a sensação após as revelações da PF é de “muita revolta”. Ela também defendeu que o Legislativo se concentre em garantir medidas que combatam a ação das milícias, arquitetura criminosa cuja atuação está diretamente ligada ao caso Marielle. Nesse sentido, Talíria iniciou esta semana entre os parlamentares a coleta de assinaturas para protocolar uma proposta de emenda constitucional (PEC) que assegura a federalização de investigações envolvendo esse tipo de grupo ou outros coletivos paramilitares com participação de agentes do Estado. Chamada de “PEC contra as Milícias”, a medida precisa de 171 assinaturas para tramitar no Congresso.
A psolista se queixou da demora para a identificação dos mandantes do assassinato de Marielle — foram seis anos entre o crime as prisões do último domingo (24) — e lembrou que a não federalização de casos como esse facilita a obstrução das apurações e da ação do Judiciário. A parlamentar também cobrou a manutenção da prisão de Brazão e a cassação do deputado, alvo de um pedido dessa natureza no Conselho de Ética na Câmara. A representação foi protocolada pelo PSOL no domingo. “É tarefa deste parlamento, da forma mais célere possível, ratificar a prisão de um deputado federal que tem nas costas a execução de uma mulher negra da favela que foi eleita. É responsabilidade deste parlamento cassar este deputado”, entoou Petrone, ao dizer ainda que “precisamos de respostas”.
“Data histórica”
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, marcou presença na sessão e disse ser preciso “pensar uma segurança pública que enfrente com firmeza” as milícias. A coordenadora do Instituto Marielle Franco, Ligia Batista, afirmou que esta terça-feira é “uma data essencialmente histórica” por homenagear a vereadora assassinada “escancarando o mercado da violência que se institucionalizou historicamente no Rio de Janeiro”. Também presente no plenário, a presidenta nacional do PSOL, Paula Coradi, disse que o momento é de “muita indignação” pelo envolvimento de agentes do Estado no crime.
Na mesma linha, a assessora do PSOL Fernanda Chaves, sobrevivente do atentado que vitimou Marielle e Anderson, criticou as falhas da máquina estatal na apuração do caso e disse que “a esperança e a luta por justiça não foram em vão”. “Eles estão condenados a conviverem diariamente com a força de Marielle Franco”, emendou. Em uma participação virtual na sessão, a esposa de Anderson Gomes, Agatha Arnaus, disse que “a luta por verdade não pode ser esquecida”. “É uma ferida que não vai cicatrizar. Ainda nos devem muitas respostas”, continuou.
Já Benedita da Silva (PT-RJ) lembrou a convivência com Marielle na política carioca e destacou o fato de a psolista ter sido a terceira mulher negra eleita pela Câmara Municipal. “Estou me esforçando pra não chorar porque eles não merecem nossas lágrimas, e sim o nosso protesto. Temos que pedir que eles sejam verdadeiramente condenados. É preciso fazer justiça, e ela tem que ser concreta.”
Já a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que integra a mesa diretora da Casa e conduziu o início da sessão, disse que “há uma esperança de justiça”. “A Câmara tem realizado a cada ano sessões solenes [para lembrar o crime] e, em alguns anos, ela não estava mobilizada aqui dentro, mas, na sociedade brasileira, ela [a luta] nunca deixou de existir porque nós não nos acostumamos com a impunidade e a violência política. Não podemos dizer que chegamos a um esclarecimento total [do caso] agora, mas podemos dizer que um passo importante foi dado.”
Edição: Matheus Alves de Almeida