Seis anos e dez dias após o assassinato de Marielle Franco chocar o país, a Polícia Federal prendeu neste domingo os três suspeitos de serem mandantes do crime, em uma operação autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. As prisões foram consideradas o encerramento da investigação da Polícia Federal e agora cabe à Procuradoria-Geral da República analisar todo o material, incluindo o que foi encontrado nas buscas ontem, para apresentar a denúncia contra os suspeitos.
Em um extenso e minucioso trabalho descrito em 479 páginas, a Polícia Federal apresentou um robusto relatório que perpassa por todas as investigações já feitas pelas demais autoridades sobre o caso e por outros episódios notórios do crime organizado do Rio envolvendo os personagens que participaram do assassinato.
O esforço dos investigadores culminou com o acordo de colaboração premiada de Ronnie Lessa. O ex-policial militar que atuava como assassino de aluguel no Rio e é apontado como executor do assassinato de Marielle contou o que sabe sobre o episódio, deu detalhes sobre os personagens envolvidos e sobre as negociações que teriam ocorrido para matar a vereadora do PSOL e evitar a descoberta dos mandantes. Os investigadores checaram os detalhes do depoimento dentro do que era possível, passados seis anos do crime.
Confira abaixo como foi planejado e executado o crime segundo as mais recentes descobertas da Polícia Federal. A reportagem tentou contato com a defesa dos irmãos Brazão, mas o advogado não atendeu e nem respondeu às mensagens até a conclusão deste texto. Já a advogada Thalita Mesquita, que defende Rivaldo, informou que a defesa não iria se manifestar:
1. Os irmãos Brazão estavam incomodados com a oposição de Marielle Franco ao chamado PL da Grilagem, um projeto de Chiquinho Brazão apresentado na Câmara Municipal do Rio para regularizar lotes em bairros onde as milícias do Rio atuam, e que seriam redutos políticos da família Brazão, como Jacarepaguá, Oswaldo Cruz e Rio das Pedras. O projeto foi aprovado com ampla oposição do PSOL e conseguiu apenas um voto além do necessário para passar. Somado a isso, Marielle vinha atuando junto às comunidades para que elas não participassem de loteamentos de interesses das milícias e defendia que as áreas fossem destinadas para que o governo estabelecesse projetos de moradia popular na região.
2. O planejamento do crime começa no segundo semestre de 2017, quando os irmãos Brazão procuram o miliciano Edmilson Macalé, que era próximo de Chiquinho Brazão, com a proposta de assassinar Marielle Franco. Ele, então, convida Ronnie Lessa para a empreitada.
3. Os dois realizam a primeira reunião com os irmãos Brazão para discutir os detalhes do caso e ouvem a proposta de assassinar a vereadora em troca de terrenos de áreas que seriam invadidas pelas milícias. Nesta primeira reunião, Lessa conta que ouviu ainda a orientação de não matar Marielle na saída da Câmara de Vereadores, uma exigência que teria sido feita por Rivaldo Barbosa para que não chamasse a atenção para o caráter político do caso, o que poderia atrair a atuação de forças federais para a investigação. Na época, Rivaldo era diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
4. Neste primeiro encontro também teria ficado garantido aos assassinos que eles estariam resguardados de qualquer investigação uma vez que Rivaldo estaria participando da empreitada criminosa. Após o encontro, os irmãos Brazão infiltram Laerte Silva de Lima no PSOL, como uma estratégia para levantar informações internamente sobre Marielle. A partir dai, chega ao grupo criminoso a informação de que ela estaria atuando para conscientizar a população sobre moradia popular e fazer com que as pessoas não aderissem aos loteamentos da milícia.
5. Feito o acerto com os mandantes, Ronnie começa a monitorar Marielle e, junto a outros participantes, consegue providenciar a arma do crime e o veículo que seria utilizado no assassinato. Por meio do monitoramento da vereadora, porém, ele percebe que seria difícil o assassinato ocorrer distante da região da Câmara Municipal do Rio e solicita a Macalé uma segunda reunião com os irmãos Brazão para conversar sobre a exigência que havia sido imposta por Rivaldo.
6. Na segunda reunião a proposta foi rechaçada pelos mandantes. Lessa então retoma o monitoramento de Marielle em busca de uma situação “ideal” para o assassinato. É neste contexto que, em 14 de março, Macalé recebe um telefonema do número usado por Laerte, o infiltrado no PSOL. Ao atender porém, quem aparece do outro lado da linha falando é o ex-PM e miliciano Ronald Alves de Paula, conhecido como Major Ronald, que passa a informação sobre o evento na Casa das Pretas onde Marielle Franco estaria naquela noite. Com essas informações, o grupo criminoso consuma o assassinato no dia 14 de março de 2018.
7. Em paralelo à atuação dos assassinos, o então diretor da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, já vinha se articulando dias antes para ser nomeado chefe da Polícia Civil. Na época, o estado do Rio estava sob intervenção federal na Segurança Pública comandada pelo general Walter de Souza Braga Netto. O nome de Rivaldo Barbosa foi levado ao também general Richard Nunes, que estava ocupando o cargo de secretário de Segurança Pública. Como o primeiro nome na lista de Richard Nunes não aceitou o posto, ele acabou nomeando Rivaldo, mesmo com a contraindicação da área de inteligência da Secretaria na época.
8. Ouvido pela PF, Richard Nunes disse que “a tal contraindicação não se pautava em dados objetivos” e nomeou Rivaldo, que assumiu o posto de chefe da Polícia Civil do Rio um dia antes do assassinato de Marielle Franco. Segundo as investigações da PF, ao assumir, Rivaldo não só já sabia que o assassinato estava previsto para ocorrer como ainda, após o crime, nomeou o delegado de sua confiança, Giniton Lages, para conduzir a investigação de forma a não chegar aos mandantes. A informação chocou familiares de Marielle Franco, já que após o assassinato ele se reuniu com a família e prometeu elucidar o caso.
9. Após o crime, Ronnie Lessa se surpreende com a repercussão da morte da vereadora, que mobiliza não só movimentos sociais de esquerda, mas lideranças políticas no Brasil e no exterior também. Ele, então, participa de uma terceira reunião com os irmãos Brazão, na qual informa que a polícia já estava trabalhando em uma forma de direcionar a investigação para longe dos verdadeiros mandantes e executores. Na época, a polícia havia recebido denúncias de uma suposta testemunha plantada pela família Brazão que o responsável pela morte de Marielle seria o então vereador Marcelo Siciliano, hipótese que chegou a ser investigada e, posteriormente, acabou sendo rechaçada pelas autoridades federais.
10. Passados seis anos do caso, a PF reúne os elementos suficientes e aponta a forte influência política dos três suspeitos para prejudicar o avanço das investigações por tanto tempo, além do risco de fuga deles do país, para solicitar a prisão dos três ao STF. Chama a atenção dos investigadores o fato de Rivaldo Barbosa ainda seguir em um cargo estratégico na Polícia Civil, após passar anos atuando para evitar que casos envolvendo bicheiros e notórios criminosos do Rio fossem elucidados. Além disso, os irmãos Brazão seguem influentes na política do Rio e poderiam facilmente fugir do país devido a seu poder financeiro, depois que veio à tona a informação da delação premiada de Ronnie Lessa.
Outro lado
A assessoria de imprensa de Domingos Brazão emitiu nota à Folha de S. Paulo em que afirma que o conselheiro "foi surpreendido" pela decisão do STF. O conselheiro do TCE afirma que inexiste "qualquer envolvimento com os personagens citados, ressaltando que delações não devem ser tratadas como verdade absoluta —especialmente quando se trata da palavra de criminosos que fizeram dos assassinatos seu meio de vida".
Ao Uol, a defesa de Rivaldo Barbosa justificou a ausência de manifestação por ainda não ter acesso aos autos nem à decisão que decretou a prisão. Até o momento, não houve manifestação por parte do deputado federal Chiquinho Brazão.
Edição: Matheus Alves de Almeida