Nós que somos minorias, queremos mais do que viver, a gente quer direitos garantidos
Ao subir a rampa do Palácio do Planalto lado a lado com o então recém empossado, presidente Lula (PT), Ivan Baron não tinha ideia do impacto que esse dia histórico teria para a história do Brasil e também para a sua própria história.
Baron, que à época já era um influenciador na luta anticapacitista, se consolidou como um dos principais nomes na defesa de pessoas com deficiência no Brasil. E o Brasil viveu uma quebra histórica no rito presidencial, com a ausência de Jair Bolsonaro (PL) na posse.
“Aquele momento foi um grande marco do povo brasileiro, da história da política brasileira. E estar protagonizando de alguma forma, sendo quem eu sou, sendo o corpo que eu habito, aquilo foi muito importante. Eu digo que é o dia mais emocionante da minha vida, e é difícil competir com ele”, explica Baron.
“A gente precisava, foi um grande respiro, principalmente para quem luta por um Brasil mais inclusivo, mais democrático e que caiba todo mundo. Foram quatro anos de opressões, quatro anos a gente sentindo ameaçado o direito básico, que é o direito de viver”, completa.
O influenciador é o convidado desta semana no BDF Entrevista. Na conversa ele fala também sobre a educação inclusiva no Brasil. Formado em pedagogia, Baron explica que o país ainda está muito distante de uma educação que, de fato, inclua pessoas com deficiência em seu dia a dia.
“Uma escola inclusiva não é aquela que tem apenas rampa, corrimão, elevador e piso tátil, é muito mais do que isso. É sobre qualificar os profissionais da educação, é sobre garantir a permanência de estudantes com deficiência”, diz Baron.
“Minha matrícula nunca foi negada quando os meus pais apresentavam o meu laudo médico. Mas, ao mesmo tempo, não era um aluno com deficiência incluído, e sim integrado. Integração é apenas colocar a pessoa lá e fazer com que ela se vire. Inclusão, pelo contrário, é uma discussão muito mais ampla, podemos até dizer, cansativa, porque precisa de investimento, tanto financeiro quanto comportamental”, aponta o influenciador.
Como reflexo da falta de representatividade, Baron inclusive não se furta ao desafio de um dia, quem sabe, se tornar um parlamentar e atuar, na institucionalidade, pelos direitos das pessoas com deficiência.
“Por que não ver uma pessoa com deficiência, nordestina LGBTQIA+ ocupando uma cadeira no parlamento federal? Mas, é algo que eu não penso agora. Eu sei da necessidade, quase que uma obrigação, pela falta de representatividade mesmo de parlamentares assumidamente progressistas, levantando a pauta anticapacitista. Mas, se não for o Ivan Baron, que sejam outras pessoas, que sejam homens, mulheres, pessoas que, de fato, tragam não só a solução, mas colaborem com esse debate no ambiente institucional”, completa.
No vídeo acima, você pode conferir a entrevista na íntegra. Aqui, veja alguns trechos do bate papo:
Brasil de Fato: São dois anos desde aquele nosso primeiro encontro, na posse do presidente Lula, em Brasília. Queria saber o que mudou na tua vida? Aquele momento foi um marco, um dos momentos mais especiais da história do Brasil.
Ivan Baron: Olha, a gente precisa relembrar a importância do primeiro de janeiro de 2023, independente da ideologia partidária da pessoa, se ela é do lado a, ou do lado b, aquele momento foi um grande marco do povo brasileiro, da história da política brasileira. E estar protagonizando de alguma forma, sendo quem eu sou, sendo o corpo que eu habito, aquilo foi muito importante. Eu digo que é o dia mais emocionante da minha vida, e é difícil competir com ele.
Porque, a gente precisava. Foi um grande respiro, principalmente para quem luta por um Brasil mais inclusivo, mais democrático e que caiba todo mundo. Foram quatro anos de opressões, quatro anos a gente sentindo ameaçado o direito básico, que é o direito de viver.
Nós que somos minorias, entre muitas aspas, a gente quer mais do que viver, a gente quer direitos garantidos, a gente quer lazer, a gente quer se divertir, quer saúde. E a volta do Lula, queira ou não, é um sinal que a gente está no caminho certo e que a união faz a força. Não que o presidente Lula seja aquela pessoa perfeita, que nunca vai errar. Ele já falou muito bem que, a partir do primeiro deslize, a gente vai lá puxar a orelha dele.
A resposta contra o bolsonarismo, o autoritarismo foi dada e aquela posse, além de toda a emoção, além de toda a comoção, mudou bastante a minha vida, porque viram que pessoas com deficiência, pessoas LGBTQIA+, pessoas nordestinas existem e resistem, e estão ao lado do presidente da República, simbolicamente passando o maior instrumento de poder que há, que é a faixa presidencial.
Você é pedagogo de formação, Ivan. Queria saber de você qual a situação das escolas brasileiras em relação ao acolhimento da diversidade. Nem todas estão preparadas, não é?
Quando a gente vai falar de educação inclusiva, uma escola inclusiva não é aquela escola que tem apenas rampa, corrimão, elevador e piso tátil, é muito mais do que isso. É sobre qualificar os profissionais da educação, é sobre garantir a permanência de estudantes com deficiência.
A minha matrícula, quando eu estudava - eu sempre estudei em escolas regulares - ela nunca foi negada quando os meus pais apresentavam o meu laudo médico. Mas, ao mesmo tempo, não era um aluno com deficiência incluído, e sim integrado. A partir daí, chega a diferença de inclusão e integração. Integração é apenas colocar a pessoa lá e fazer com que ela se vire, não dando as reais ferramentas para que elas se desenvolvam.
Inclusão, pelo contrário, é uma discussão muito mais ampla, podemos até dizer, cansativa, porque precisa de investimento, tanto financeiro quanto comportamental. E a educação inclusiva, eu não vejo como uma utopia, como algo que nunca vai ser cumprido. Nós estamos caminhando para que aconteça, para que mais escolas evitem capacitismo, para que mais professoras e professores sejam valorizados.
Ivan, queria continuar falando contigo sobre educação. A Câmara dos Deputados colocou no comando da Comissão de Educação da Câmara nomeou o deputado federal do PL, Nikolas Ferreira, que é um sujeito abertamente conservador e que tem feito oposição, pelo menos até aqui, apenas por oposição, com pautas ligadas à extrema direita. Queria saber de você a tua avaliação sobre essa escolha da Câmara dos Deputados.
Olha, honestamente, quem é Nikolas Ferreira e o que ele colaborou para a educação nesses últimos anos? Não só a educação inclusiva, que é a bandeira que eu mais levanto, mas olha de quem ele ficou ao lado nesses últimos anos, além de ser, de fato, uma pessoa LGBTfóbica assumida.
Ele também foi capacitista quando, por exemplo, defendeu a lei da segregação, a criação de escolas especiais que, para mim, de especial não tem nada, criar novas instituições de ensino para matricular estudantes com deficiência não faz sentido. Ao invés disso, porque ele não colaborou para o estado dele [Minas Gerais] criar escolas inclusivas, que garantam a permanência desses estudantes, e o investimento para que, de fato, aconteça?
É lamentável que neste momento que a política brasileira está vivendo, de retomada dos direitos sociais, aconteça a volta dessa ameaça, de um parlamentar como você bem falou, de extrema direita, altamente conservador, que só persegue por perseguir. Não há conexão com a educação.
Não adianta nada termos um presidente legitimamente eleito no Executivo mas, ao mesmo tempo, um Legislativo obscurantista, que não defende, de fato, a democracia. Espero - porque não tenho muita esperança - que ele faça algo [à frente da Comissão].
Falando sobre o governo, são dois anos desde a posse para o terceiro mandato do governo do presidente Lula. Como você tem avaliado este começo de governo?
Está passando rápido. Acho que é porque é um governo bom e a gente não vê o tempo passar. Porque nos últimos quatro anos a gente não via a hora de acabar. Logo no dia primeiro de janeiro, o Lula já revogou um decreto do antigo presidente, que visava justamente essa segregação de estudantes com deficiência.
Também colocou fim no medo que muitos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência tinham sobre a lei de cotas. Então, acredito que a gente está no caminho certo. Recentemente, voltamos com um novo plano “Viver Sem Limites”, que foram milhões de investimento em políticas sociais voltadas para as pessoas com deficiência, seja na saúde, na educação, no desenvolvimento social, na cultura, que é algo muito importante debater.
Então, eu vejo que, de fato, o povo voltou a ter voz, a ter participação social. O próprio PAC também é um exemplo disso, quando a gente envia nossas reais necessidades e eles atenderem, porque não adianta a gente fazer oposição por oposição, é preciso também colaboração, é preciso que o cidadão se apodere dos seus direitos.
Eu vejo que a política estava distante da gente, a gente acreditava que a política só podia ser ocupada por homens brancos, cisgêneros, hetero normativos e sem deficiência, mas não, a política é para todo o mundo, para crianças, jovens, adultos, idosos, todos os gêneros, todas as raças.
Nós podemos ver o Ivan Baron, por exemplo, candidato a deputado federal em algum momento?
Porque não? Porque não ver uma pessoa com deficiência, nordestino LGBTQIA+ ocupando uma cadeira no parlamento federal? Mas, é algo que eu não penso agora. Eu sei da necessidade, quase que uma obrigação, pela falta de representatividade mesmo de parlamentares assumidamente progressistas, levantando a pauta anticapacitista.
Mas, se não for o Ivan Baron, que sejam outras pessoas, que sejam homens, mulheres, pessoas que, de fato, tragam não só a solução, mas colaborem com esse debate no ambiente institucional. Porque todos nós somos políticos, todos nós, seja na hora de a gente comprar o pão na padaria, seja na hora do lazer, seja na hora de discutir sobre saúde.
Como é a tua relação com as redes sociais? Você se tornou um influencer da inclusão, mas a gente sabe que as redes podem ser extremamente tóxicas, com um nível de agressividade terrível…
Desde que eu comecei nas redes sociais, lá por volta de 2018 - primeiro queria contar um pouco sobre como eu comecei o curso de pedagogia. Na época eu estava no segundo ano da universidade e estava envolvido com uma questão de educação freireana, e também tinha um contexto político que a gente estava enfrentando.
Estávamos em período eleitoral e a gente sabia das ameaças que poderiam vir. E nesse ambiente, eu via muito se falar sobre a questão da luta contra o racismo, da luta contra LGBTfobia, do apoio ao feminismo, mas não via ninguém falar do apoio às pessoas com deficiência, que era uma pauta bastante utilizada pela extrema direita, mas não de uma maneira correta e sim de uma maneira assistencialista.
Então, eu iniciei nas redes sociais no ano 2018, de uma maneira bem esporádica, eu postava o básico do básico: como se referir a alguém que tem deficiência? É deficiente? Não, porque essa palavra reduz a pessoa à sua condição. É especial? Também não, todos nós somos especiais para os nossos pais, para a pessoa que a gente gosta, enfim.
Edição: Vivian Virissimo