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Governo Lula planeja usar gado para combater desmatamento; saiba como e entenda os riscos

Intenção é resolver problema grave de pastagens degradas, mas desmate pode aumentar se não houver fiscalização

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Áreas de pastagens degradadas são terras anteriormente usadas para pastoreio de gado que perderam sua capacidade produtiva devido a práticas inadequadas - Fernando Martinho/Repórter Brasil)

O governo Lula pretende incentivar com crédito a criação de gado e a produção de commodities agrícolas pelo setor privado em áreas de pastagens degradadas no país, incluindo áreas selecionadas no Cerrado e na Amazônia. 

O Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas em Sistemas de Produção Agropecuários e Florestais Sustentáveis ( PNCPD) foi instituído por um decreto em dezembro do ano passado, mas as regras ainda estão em discussão. 

Pastagens degradadas são solos que não têm mais uso, pois foram usados de forma inadequada para criação bovina e já não são mais produtivos. O reflorestamento é tecnicamente possível, mas o custo envolvido inviabiliza o retorno à vegetação nativa. 

Ao injetar crédito na recuperação dessas áreas, o governo federal planeja criar zonas onde o avanço do agronegócio sobre os biomas não precisa se dar sobre a floresta nativa. No Brasil, mais de 90% do desmatamento ilegal é provocado pela agropecuária. 

Especialistas ouvidos pela reportagem dizem que o programa é importante, pois é a primeira iniciativa no Brasil que busca lidar em larga escala com o problema das pastagens degradas.

Os entrevistados afirmam, porém, que a falta de fiscalização pode fazer com que a agropecuária "transborde" das regiões degradadas para áreas protegidas, provocando o efeito inverso do esperado, que é diminuição do desmatamento.

Paulo Barreto, do Imazon, afirma que direcionar a expansão agropecuária para regiões degradadas pode reduzir a expansão do agronegócio sobre florestas preservadas, mas alerta que o critério de seleção das áreas precisa ser melhor explicado pelo governo federal.

"Falta definir como e onde vai ser. Há vários pontos que precisam ser detalhados. Mas em tese não seria preciso desmatar mais para aumentar a área plantada. É preciso melhorar o uso dessas áreas que já foram desmatadas e mal usadas", pontua Barreto. 

Em todo o Brasil, a área total destinada ao programa é 40 milhões de hectares, maior que o estado de Mato Grosso do Sul. Estão excluídas áreas públicas e protegidas, como terras indígenas. 

A iniciativa é dos ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, além do BNDES, que vai liberar crédito aos produtores.

Ane Alencar, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), concorda que a iniciativa é imprescindível, mas reconhece que colocar gado e soja na Amazônia aumenta o perigo de uma corrida pela especulação fundiária e do aumento do desflorestamento.

"É um perigo que um programa desses seja instalado sem uma governança forte e articulada entre todas as as esferas dos governo, incluindo os municipais e estaduais. Isso poderá estimular a especulação fundiária e a corrida por novas terras agricultáveis, que é justamente o que o programa pretende combater", avaliou Alencar. 

Uma estratégia defendida por Paulo Barreto, do Imazon, que pode prevenir esse problema é destinar para a pecuária regiões próximas de grandes frigoríficos, que já são grandes indutores de desmatamento. 

"É preciso um trabalho forte de modernizar os pastos, que na Amazônia têm baixa produtividade. Inclusive perto dos frigoríficos, para evitar que eles comprem gado de locais distantes, o que incentiva o desmatamento em áreas de fronteira agropecuária", aponta Barreto. 

Edição: Matheus Alves de Almeida