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Documentário conta vida de mulheres da primeira seleção de futebol brasileira: 'Quando começamos, era proibido'

Dirigido por Adriana Yañez, filme ganhou prêmio de Júri Popular na Mostra Tiradentes, em janeiro deste ano

Ouça o áudio:

Seleção jogou competição em 1988, na China - Divulgação/As Primeiras
Elas têm um sentimento profundo de que foram esquecidas, pelas entidades de futebol, pela mídia

Quem são e onde estão as jogadoras que compuseram a primeira seleção de futebol feminina do Brasil? Essa pergunta norteou o trabalho da diretora Adriana Yañez, responsável pelo documentário As Primeiras, produzido pela Olé Produções, que teve sua estreia nacional em janeiro na Mostra Tiradentes, conquistando o prêmio de melhor filme do júri popular na oportunidade.

O documentário tem uma exibição única, nesta terça-feira (19), em São Paulo, no Cinesesc. A Mostra Tiradentes faz uma rápida passagem pela capital paulista desde o dia 13.

Com a contribuição da pesquisadora Aira Bonfim, o filme encontrou parte da seleção que jogou torneio experimental da Fifa para consolidar a Copa do Mundo feminina, na China, em 1988. 

Mais de 30 anos depois, essas mulheres vivem no Rio de Janeiro e mantêm uma amizade, mas longe dos holofotes que poderiam ter pelo marco que representam.


Da esquerda para direita, Elane dos Santos Rego, Maria Lucia da Silva Lima (Fia), Marilza Martins da Silva (Pelé), Marisa Pires Nogueira, , Leda Maria Cozer Abreu e Rosilane Camargo Motta (Fanta). / Divulgação/As Primeiras

"Algumas se aposentaram, outras não, mas todas vivem de trabalhos como vendedor ambulante, Uber, algumas são treinadoras de projetos sociais dentro das suas comunidades, fazem churrasco para ganhar vida, outra é a motorista de ônibus", comenta a diretora em entrevista ao Bem Viver desta terça-feira (19)

Adriana Yañez também é responsável pelo documentário Um Crime Entre Nós, que denuncia casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. O filme lançado na pandemia, já esteve no Globoplay e agora está de livre acesso no Youtube.

Também assinado por Yañez, este ano deve ser lançado Paid in Blood, ainda com nome provisório, que lembra a Chacina de Pau d´Arco, ocorrida em 2017, no Pará. O trabalho foi feito em conjunto com a jornalista Ana Aranha da Repórter Brasil.

Confira a entrevista na íntegra 

Brasil de Fato: Adriana, como foi o processo de pesquisa desse filme? Foi difícil encontrar as jogadoras?

Adriana Yañez: Olha, a gente chegou nessa história através de uma pesquisa muito profunda sobre esse universo do futebol feminino, mais especificamente sobre o universo das pioneiras do futebol.

A pesquisadora do projeto é uma chave pra explicar como a gente chegou nesse grupo de mulheres, que é a Aira Bonfim.

Aira tem um trabalho muito importante como historiadora de futebol feminino no país. Ela foi a pesquisadora do nosso projeto e, conversando com ela e estudando um pouco sobre esse universo, eu tinha muita vontade de retratar um grupo. 

Dentro da nossa pesquisa e do nosso processo, a Aira veio com esse recorte que, de cara, eu falei, "é esse o caminho do filme", assim, com certeza. 

Ela já conhecia essas mulheres. Ela vem acompanhando há muitos anos a vida dessas mulheres, que foram fundamentais para a história do futebol feminino no país, que jogaram 1988 no torneio experimental na China e depois voltaram para a China no torneio de 1991, e que vivem até hoje no subúrbio do Rio de Janeiro, nasceram, cresceram lá e vivem até hoje nesse lugar. 

São amigas, então o filme também resgata essa história. Retrata a vida dessas mulheres hoje e coloca elas para conversar sobre essas memórias dessas primeiras copas, também não deixando de se aproximar da rotina delas hoje e de uma amizade, que é muito importante para a gente entender quem são essas mulheres e o que elas se tornaram depois de 40 anos. 

Além dessa amizade, o que mais elas compartilham? Elas se sentem esquecidas?

Elas sentem certamente, isso é uma marca da vida delas hoje. Tem sido uma marca da vida delas desde que elas começaram a jogar futebol. 

Elas têm uma contribuição definitiva para a história do futebol feminino. A gente está dentro do país do futebol, e se a gente olhar para o paralelo do futebol masculino, isso se intensifica ainda mais. Elas têm um sentimento profundo de que foram esquecidas, tanto pelas entidades de futebol, pela mídia brasileira. Elas que abriram a porta para tanta contribuição para o esporte. 

Algumas delas pararam de jogar ainda jovens, algumas delas foram jogando até 39, 40 anos de idade.

Algumas se aposentaram, outras não, mas todas vivem de trabalhos como vendedor ambulante, Uber, algumas são treinadoras de projetos sociais dentro das suas comunidades, fazem churrasco para ganhar vida, outra é a motorista de ônibus. Então é uma vida muito batalhada, que guarda essa consequência de não terem sido reconhecidas, nem financeiramente e nem de modo equilibrado com a contribuição que elas deram para o esporte.

Quais são as expectativas e previsões para ele entrar em circuito nacional? Circular mais em mostras? Vocês têm a previsão de levar ele para escolinhas de futebol, para as mulheres, principalmente para as crianças, para as meninas?

Sem dúvida. É isso, né? São portas que elas abriram, quando tudo era mato. Mas muita coisa se desenvolveu no futebol. Muita coisa tem mudado, embora a realidade ainda seja muito dura, embora as chances ainda sejam muito escassas, muito mínimas para a quantidade de meninas que querem jogar futebol.

A quantidade de meninas que querem jogar futebol cresceu muito nos últimos anos justamente porque o futebol ganhou outras projeções. Agora, é possível ser uma jogadora de futebol.

Quando essas mulheres começaram a jogar, ainda era proibido. Então, essas primeiras copas foram muito batalhadas para que essas mulheres pudessem entrar, se reconhecer como jogadoras. 

Hoje o cenário ainda é diferente, mas ainda é um cenário em que a gente vê que, como diz a Milly Lacombe, as mulheres amam o futebol, mas o futebol não gosta das mulheres.

Eu acho que isso ainda é uma realidade no Brasil que tem muita gente batalhando para mudar. Eu espero que o documentário realmente contribua com esse movimento. Eu estou aqui também fazendo todos os meus esforços nesse sentido. Com certeza a gente vai colocar esse filme em todas as discussões que a gente puder colocar.

Eu ainda não posso colocar uma agenda para você de próximos passos tão objetiva, porque o filme ainda está sendo inscrito em vários festivais.  A ideia é fazer um circuito ainda dentro do Brasil e em alguns lugares do mundo.

A gente já tem dois festivais: um no Rio de Janeiro, que é o que eu mais estou esperando de todos, porque é o que a gente vai ver junto com elas, dentro do cinema. Esse é o momento mais esperado por mim, por toda a equipe. 

E tem um festival também fora do Brasil que já está confirmado.

Enfim, a gente está ainda dentro batalhando por essa agenda de festivais. Depois, claro, com certeza ele vai para uma janela de streaming que ainda está sendo pensada e negociada, mas que fique disponível para o maior número de pessoas poder assistir.

Você está para lançar um novo documentário, Paid in Blood. Sobre o que ele se trata?

Paid in Blood é um documentário que eu estou assinando o roteiro, contribuindo com o roteiro, com a diretora, chamada Ana Aranha, que é uma jovem jornalista da Repórter Brasil.

A Repórter Brasil tem um trabalho muito profundo com direitos humanos, com violação de direitos humanos. O documentário acompanha alguns personagens a partir da Chacina de Pau d 'Arco, que foi a principal, a maior chacina do século, na Amazônia. 

Esse filme vem sendo construído há mais de sete anos, filmado ali na região, no sul do Pará. Acompanha tanto pessoas que estão lutando pelos sobreviventes, como os próprios sobreviventes da chacina. 

É bem forte, é um tema muito difícil. Eu costumo trabalhar com temas difíceis. Esse é o meu trabalho. Meu último filme sobre violência sexual contra crianças e adolescentes também [é um tema difícil]. Eu sinto que essa é a minha missão aqui no mundo. Assim como [em] As Primeiras, trazer um pouco as histórias que estão na sombra para a luz.

E o Paid in Blood deve ser lançado também em 2024. 

Massacre do Pau d'Arco é um caso emblemático, que ainda aguarda resolução e punição dos mandantes e responsáveis. Queria entender a decisão do nome em inglês. Foi para soar melhor fora do país, algo que surgiu da apuração?

Na verdade, esse nome é um provisório, porque o filme ainda não foi lançado. Ele é uma decisão muito mais da Ana [Aranha] e da Repórter Brasil do que a minha. Então, eu não me sinto com autoridade muito grande de falar sobre o nome do filme. 

Você comentou também sobre esse outro documentário, Um Crime Entre Nós, sobre violência sexual contra crianças e adolescentes. Sei que já está circulando há mais tempo, mas gostaria que você falasse um pouco sobre ele também. Afinal, é um tema importante, necessário, que precisa ser tratado com cuidado como vocês fizeram.

Ele foi um documentário que ele foi lançado na pandemia e ficou na Globoplay por um tempo fechado, depois a gente conseguiu fazer com que ele ficasse aberto no YouTube.

Essa é uma boa dica: assistir o filme que está aberto para qualquer um que quiser assistir

É um documentário que traça um panorama brasileiro sobre a violência sexual contra crianças e adolescentes. Foi uma pesquisa muito profunda feita ao longo de um ano e meio. A gente entrevistou mais de 50 pessoas para conseguir construir o filme, eleger as pessoas que seriam personagens do filme.

Ele tem alguns dispositivos para a gente se aproximar, entender um pouco esse caldo cultural brasileiro, que é um caldo que ainda naturaliza e é absolutamente permissivo com essa violência.

É, também, uma abordagem criada para que as pessoas possam entrar em contato com o tema. Porque essa é a grande dificuldade, principalmente do Instituto Liberta, que é o instituto que encabeçou esse filme, que tem esse trabalho muito forte no Brasil, talvez o principal instituto hoje que trabalha contra violência sexual de crianças e adolescentes.

Eu continuo trabalhando com eles esse ano a gente vai soltar também uma campanha em rede nacional bastante forte. Mas, o filme ainda circula muito e acho que é legal dar essa dica para que as pessoas assistam mesmo e conversem sobre o tema. 

Para fechar nossa conversa, queria trazer só mais uma questão do seu currículo. Você é formada em comunicação social pela PUC aqui de São Paulo, mas também estudou documentário na Escola Internacional de Cinema e TV de Cuba. Queria que você contasse um pouquinho sobre como foi, as diferenças que você percebe entre o cinema brasileiro, o cinema cubano, e por que essa decisão de estudar lá.

É demais, a ICTV. Essa é uma experiência muito forte. Eu estive lá em 2013 e 2014. É uma experiência muito profunda de cinema latino-americano.

Quando eu fui, ainda não tinha muito internet. Parece que agora as coisas mudaram um pouco. Mas é uma experiência imersiva de um outro país também, de uma outra realidade muito diferente da brasileira. 

A escola fica a 40 quilômetros de Havana. Então, todo mundo mora na escola. Os professores que estão dando aula ficam ali na escola também, dos talleres. Tem um alojamento grande ali, onde estudantes moram. É uma vivência muito intensa. 

Você faz todas as refeições no mesmo restaurante, e à noite todo mundo vai para esse restaurante para tomar uma coisa, assiste o filme, conversa sobre o filme, tem as aulas de manhã e à tarde tem mais filme, e à noite conversa sobre o filme.

Então foi uma vivência do cinema latino-americano muito forte, que eu sinto que tem, para mim, uma influência bastante grande dentro do meu olhar e da minha visão sobre cinema e sobre documentário. 

Recomenda que cineastas brasileiras e brasileiras tenham essa experiência também?

Certamente. Acho maravilhoso conhecer pessoas que estão lá agora. O Rosa Caldeira, que é um cineasta que está lá agora, tem tido essa vivência e tem recomendado muito a outros brasileiros que também tenham essa vivência. Acho bastante válido.


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Edição: Matheus Alves de Almeida