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O "caso Cuca", o jornalismo esportivo e o que a sociedade espera de todos nós

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Cuca estreou no comando do Athletico Paranaense neste domingo (10) com goleada sobre o Londrina por seis a zero - Gustavo Oliveira / athletico.com.br
A impressão que fica é a de que todo mundo estava esperando o momento certo para “perdoar” Cuca

Não tem muito tempo que Cuca conseguiu a anulação da sua condenação por ato sexual e coação de uma menina de apenas 13 anos junto ao Tribunal Regional de Berna-Mittelland, na Suiça. O crime ocorreu durante uma excursão do Grêmio ao Velho Continente no ano de 1987.

Neste final de semana, logo depois da sua estreia no comando do Athletico Paranaense (na goleada por 6 a 0 sobre o Londrina), Cuca fez um longo pronunciamento sobre o caso e mesmo sem citar o crime diretamente, se comprometeu a dar sua contribuição na luta contra a violência de gênero. Destaco abaixo alguns trechos da nota lida neste domingo (10) na Ligga Arena, em Curitiba.

Tenho escutado as opiniões e tentado entender o meu papel. No começo do ano li uma coluna da Milly Lacombe, do UOL, em que ela disse que isso não era sobre mim. Eu entendi o que ela quis dizer. Não é SÓ sobre mim, mas é sobre mim também. Eu escolhi me recolher durante muito tempo, mas consegui seguir a minha vida, enquanto uma mulher que passa por qualquer tipo de violência não consegue seguir a vida dela sem permanecer machucada, carrega o impacto para sempre. (...)

Quero e me comprometo a fazer parte da transformação. Vou fazer isso com o poder da educação. Quero ajudar. Quero jogar luz, usar a voz que tenho para, ao mesmo tempo que me educo, educar também outros homens, principalmente os jovens que amam futebol. (...)

Eu pensei que eu estava livre da minha angústia quando solucionei meu problema com a anulação do processo e a indenização. Mas entendi que não acabou porque não dependia apenas da decisão judicial, mas que eu precisava entender o que a sociedade esperava de mim. O que vocês vão ver de mim daqui para frente não serão palavras, serão atitudes. (...)"

No ano passado, na época em que Cuca assumiu o comando do Corinthians, falei sobre todo o caso de Berna e coloquei que esperava do treinador ao menos um pedido de desculpas sobre o ocorrido há quase 40 anos. Não é difícil concluir que o arrependimento, a busca pela solução do processo na Suíça e a vontade de se pronunciar sobre o caso só vieram depois da chuva de críticas vindas da imprensa, torcedores e de todos os que querem transformar o futebol num ambiente um pouco menos tóxico do que ele é atualmente.

E se arrependendo de coração ou não, ele sempre será lembrado pelo crime cometido em Berna.

Só que eu não voltei ao Brasil de Fato pra falar do Cuca, da anulação do seu processo na Suíça ou da sua contratação pelo Athletico Paranaense.

Tão logo o pronunciamento foi divulgado nas redes sociais do Furacão, alguns colegas de imprensa trataram de tomar dois lados nessa questão. O primeiro é o que repudia qualquer tentativa de arrependimento de Cuca. E o segundo é aquele que tratou de colocar suas palavras como “históricas” para o futebol brasileiro.

É aqui que mora o problema.

A impressão que fica é a de que todo mundo estava esperando o momento certo para “perdoar” Cuca pelo que ele fez lá atrás sem muita cerimônia e sem entender que o arrependimento e mudança de pensamento chegam com o tempo. Se ele de fato deseja mudar, e assim esperamos, que demonstre com atitudes dentro e fora de campo.

Aproveito aqui para citar três personalidades que admiro muito e que prontamente usaram seus espaços no UOL para exaltar as palavras de Cuca. São eles Casagrande, Milly Lacombe e Juca Kfouri. As manchetes das suas colunas no dia seguinte ao pronunciamento do treinador do Athletico Paranaense são as seguintes:

Cuca fez um discurso histórico para o futebol brasileiro” - Casagrande.
Hoje Cuca se redimiu” - Juca Kfouri
Cuca faz depoimento inesperado, forte, histórico e comovente” - Milly Lacombe.

Quem vê essas manchetes pode até pensar que bastava ler um texto para ganhar o “perdão” da imprensa esportiva automaticamente.

E vejam bem que o problema em questão aqui não é descobrir se Cuca se arrependeu ou não. Repito: espero sinceramente que ele repense as atitudes e fale sobre o ocorrido em Berna sem se esquivar do assunto ou buscar desculpas como fez várias vezes.

Eu estou falando de uma imprensa esportiva que parece ávida por encontrar em Cuca um personagem para fazer todo o caminho da redenção como se fosse o roteiro de um filme. De uma imprensa esportiva que julga e absolve com a mesma facilidade com que troca de microfone.

Eu estou falando de uma imprensa esportiva que esquece que a única coisa que deve ser dada para Cuca é o benefício da dúvida. Nem desejar a morte, dor e ranger de dentes e nem passar pano. O negócio é esperar e ver se as tais mudanças de atitude vão mesmo acontecer.

Do contrário, essa mesma imprensa esportiva vai reforçar ainda mais o “pacto da alienação” que vemos no futebol todos os dias.

Afinal de contas, vai bastar ler um texto e falar meia dúzia de palavras bonitas para que a absolvição de todos os pecados aconteça como num passe de mágica.

Pode ser que as palavras de Cuca iniciem um processo de ruptura com um discurso que simplesmente defende a morte das mulheres. Se ele realmente se posicionar como uma voz ativa no combate à violência de gênero e finalmente reconhecer que errou lá em 1987, poderemos ver sim as tais mudanças de atitudes prometidas pelo treinador.

E isso será ótimo se acontecer de verdade.

Agora, o que a imprensa esportiva não pode fazer é simplesmente absolver alguém dos pecados como as três personalidades citadas fizeram junto aos seus inúmeros leitores.

A sociedade espera o arrependimento sincero de Cuca e uma mudança no pensamento de quem vive o futebol. E espera também um pouco de bom senso por parte de quem deveria segurar a onda diante de todo e qualquer pronunciamento que trouxer as seguintes palavras:

“Errei. Fui moleque”.

Me desculpem, mas a mudança de atitude diante de um crime bárbaro e a luta contra a violência de gênero não podem ser resumidas num simples texto cheio de palavras bonitas.

É o mínimo que a sociedade espera. De Cuca, da imprensa esportiva e de cada um de nós.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Jaqueline Deister