TRÊS POR QUATRO

'Memória de Marielle é lembrete constante da necessidade de mudanças estruturais', afirma Lígia Batista

Seis anos após crime, mandante do assassinato de vereadora carioca e de seu motorista Anderson Gomes segue identificado

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Marielle Franco foi lembrada em bloco de rua de São Paulo, em meio a avanços significativos na investigação do caso - Elineudo Meira / @fotografia.75
A cobrança é para que as pessoas respeitem essa história e esse legado de luta

"A cobrança é para que as pessoas respeitem essa história e esse legado de luta, ela de fato não se resume só na busca pela responsabilização individual, mas na gente de fato ver uma mudança estrutural, que tem a ver com lutar por uma reparação", afirma Lígia Batista, diretora executiva do Instituto Marielle Franco.

Com a chegada do mês de março, completam-se seis anos desde a trágica data de 14 de março de 2018, dia em que Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram brutalmente assassinados. Em entrevista ao Três por Quatro, a diretora executiva falou sobre o anseio pela conclusão do processo. "Significa também traduzir essa luta por justiça de outras maneiras, na luta pelo acesso à informação sobre o caso, na luta por reparação, memória, verdade, justiça?"

Nascida na favela da Maré (RJ), Marielle Francisco da Silva, que estabeleceu sua carreira no cenário político carioca, seja na representatividade de minorias, ou pela imponência e presença de uma mulher negra em um ambiente de maioria masculina e branca, tornou-se um marco de força e resistência feminina em meio ao cenário político nacional.

Batista reafirma o quão significativa e representativa era a imagem da vereadora negra. "Quando a gente tem uma figura como Marielle eleita com essa expressividade, numa cidade como essa. [...] A terceira, na história da Câmara Municipal do Rio de Janeiro a ser eleita, isso também diz muito. Isso diz muito sobre uma população que quer ver essa política seja feita de forma diferente. Acho importante que a gente relembre essa trajetória, o que significou esse corpo e o quanto ele ressurge e reverbera em tantos grupos sociais”.

Segundo João Pedro Stédile, economista e um dos fundadores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a figura de Marielle teve e continua tendo grande relevância no cenário político nacional, tornando-se um ícone para a esquerda brasileira na luta contra o neofascismo.

De acordo com o Stédile, a figura e o legado de Marielle eram profundamente respeitados nas comunidades do Rio de Janeiro: "a Marina (dirigente do MST no Rio de Janeiro) era amiga dela, e então vivia comentando [...] Marielle é uma porreta, mulher das boas lá da Favela da Maré". Isso ressalta não apenas sua importância política, mas também sua humanidade.

Delação de Lessa nomeia suspeito

Um ano após o assassinato de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, Ronnie Lessa, ex-policial, foi preso e condenado por efetuar os disparos naquela fatídica quarta-feira, dia 14 de março de 2018. Agora, próximo de completar seis anos do crime, Lessa teria apontado o atual conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Domingos Brazão, como um possível mandante do assassinato, trazendo à tona informações que podem influenciar os rumos do caso. A delação, porém, ainda não foi homologada no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A informação foi divulgada pelo Intercept Brasil, em janeiro deste ano.

Para Rafael Borges, advogado e presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, o surgimento do nome de Brazão pouco interfere negativamente nas investigações. 

Segundo ele, é esperado que em breve se revele o mandante ou os mandantes do crime. Apesar de incerto, "existem afirmações muito claras e inequívocas de agentes do Estado Brasileiro". Borges ainda enfatiza que "aquilo (o assassinato) foi um atentado à democracia brasileira". 

De acordo com o advogado convidado, a resolução do caso é de importância crucial, independentemente do responsável, principalmente pelo fato de que "aquilo ali foi claro, a neutralização, e o aniquilamento de um corpo preto, militante, tão importante para as lutas sociais", enfatizando tudo o que era, e tudo o que Marielle ainda representa.

Em fevereiro de 2023, o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou que a Polícia Federal (PF) abrisse um inquérito paralelo para auxiliar as autoridades fluminenses. Fato que para o advogado, "deu ali uma certa robustez" na direção do que podem ser os últimos passos do processo.

A federalização das investigações esteve em pauta desde o início do caso e chegou a constar em um pedido da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, em setembro de 2019.

Legado, representatividade e história

Batista ressalta a necessidade de mudanças na estrutura política nacional para evitar casos como o de Marielle no futuro, "especialmente quando a gente pensa na segurança da família, e busca oferecer na medida das nossas possibilidades, formas de proteger, de estar ali acolhendo essa família ao longo desses últimos anos".

Em suma, a diretora reforça a importância do legado de Marielle na história da política brasileira e seu envolvimento nas alterações de infraestrutura e segurança neste ambiente, onde "a gente quer que as estruturas de poder funcionem de uma outra forma. E para isso que a gente existe [...]a gente segue firme, a gente segue lutando, e a gente sai cobrando respostas pelo caso, e por justiça para Mari e por essas famílias".

Por fim, a trajetória de Marielle seguirá marcada na história brasileira, ainda mais pelo fato de que, através das mãos do roteirista e cineasta José Padilha, Marielle terá sua história não só retratada, mas também preservada em uma série documental. Além disso, seu legado é perpetuado de outras formas, como a produção de uma história em quadrinhos, permitindo que sua vida seja discutida com as gerações futuras.

"Uma parte importante do nosso trabalho hoje é conseguir tirar do papel formas de produção criativa de memória [...] como por exemplo uma história em quadrinhos, que gera uma possibilidade da gente conversar com uma juventude, com outras gerações, a respeito da vida da Mari", conta Batista.

Neste mês de março, conhecido em todo território nacional como mês das mulheres, a imagem e a história de Marielle Franco voltam a ganhar destaque na mídia popular. Entretanto, tal visibilidade não se dá apenas pelas atualizações dos fatos que envolvem o caso, ou pela data póstuma que se aproxima, mas também pelo legado deixado pela mãe, pela socióloga, pela educadora, e pela mulher que foi.

"Todos os dias até hoje, inclusive depois do seu assassinato, eu acho que era fundamental ter uma figura como Marielle. Inclusive — que a gente se conhece lá atrás — para fazer essa ponte entre o que é, fazer a escuta cuidadosa, afetuosa, respeitosa do que as famílias de vítimas de violência do Estado vivem infortunadamente aqui no Rio de Janeiro e como poder produzir efeitos para refletir a partir dessa escuta no aprimoramento da política de segurança pública, que diz respeito a uma realidade que atravessa o Brasil como um todo. Então, eu sinto que essa é a contribuição que ela deixa", completa Batista. 

Confira a conversa completa no Três por Quatro desta semana. Os episódios são lançados toda sexta-feira pela manhã, com discussões sobre os principais acontecimentos e a conjuntura política do país.

Edição: Matheus Alves de Almeida