O trabalho que coloca comida na mesa da família de Simone Roque do Nascimento, de 43 anos, é a reciclagem. A geração de catadoras do Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, começou com a avó ainda no antigo Lixão fechado às pressas antes da realização da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em 2012, e diante do risco de desastre ambiental.
Assim como tantas mulheres negras, Simone também buscou seu sustento nas chamadas “rampas” de Gramacho, como são lembradas até hoje as montanhas de lixo tóxico do antigo aterro. Depois de fechado, ela trabalhou em depósitos até ingressar na cooperativa Coopideal, em Maria da Graça, bairro da zona norte do Rio, perto da favela do Jacarezinho.
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No local também trabalham as filhas da Simone. Elas são responsáveis pela separação e triagem do material (reciclável, eletrônico e orgânico) que chega de caminhão ao depósito. A cooperativa realiza o beneficiamento (prensagem) e a comercialização, com a garantia de reciclagem efetiva e Certificado de Destinação Final.
“Quero que a nossa categoria tenha mais valor e que o governo olhe mais para a gente, dê condições de vida. É um trabalho que eu não me canso de falar que não tenho vergonha. Como eu vou ter vergonha de um trabalho que coloca comida na mesa da minha família? Tenho só orgulho”, afirma Simone, que está há 25 anos no ramo da reciclagem.
“Às vezes humilham muito quem é catador. As pessoas acham que a gente não tem nome. Se a gente sai para catar material na rua é porque é preciso, porque às vezes está sem homem no caminhão e a gente vai junto para coletar. Minha mãe mesmo já cansou de ir. Acontece de você pedir uma informação e as pessoas olharem com cara de nojo, não reconhecem seu trabalho”, desabafa a trabalhadora.
Para a cooperativa Coopideal, que tem entre seus fundadores ex-integrantes do Lixão de Gramacho, uma forma de quebrar o ciclo de marginalização da categoria é por meio de uma remuneração justa que reconheça o serviço ambiental prestado à sociedade.
Trabalho digno
A rotina dura não desanima quem tem um sonho, e Simone encontrou na cooperativa, além de um salário fixo, a solidariedade de outras mulheres negras, catadoras como ela e com histórias de vida parecidas, que se ajudam nas dificuldades. “Meu sonho é terminar a obra na minha casa, estou correndo atrás e tenho fé que vou conseguir”, almeja.
Já Carmem Lúcia Ferreira, a Carminha, de 62 anos, conta que a reciclagem passou a fazer parte de seu sustento há mais de 10 anos, quando ficou desempregada. Segundo ela, só a coleta seletiva não é suficiente para pagar as contas. Sem vínculo com o trabalho cooperado, a trabalhadora depende do valor da venda direta da coleta nos depósitos de reciclagem, que pode variar de R$300 a R$600 por mês.
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“Eu acho nosso trabalho muito importante, é um serviço limpo que ajuda a evitar a poluição do meio ambiente. Quando o lixo está separado ajuda muito, pena que as pessoas colocam tudo junto. Eu acho um serviço importante, limpo e digno em primeiro lugar. Se as pessoas olharem direitinho o nosso serviço era para ser mais valorizado porque estamos conservando o meio ambiente. Eu pelo menos valorizo”, afirma Carminha, que já foi empregada doméstica, auxiliar de serviços gerais e cuidadora de idosos.
Reconhecimento
Pela primeira vez na história, catadores de materiais recicláveis foram reconhecidos como agentes ambientais e remunerados pelo trabalho realizado durante o carnaval carioca.
Por meio do programa “Folia Verde”, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima (SMAC), um total de 248 catadores receberam diária de R$150 nos quatro dias de folia. O valor representa um complemento aos ganhos proporcionais à coleta dos materiais recicláveis.
Entre os beneficiados estavam as catadoras Simone e Carminha, de Duque de Caxias. As duas esperam participar da iniciativa no próximo ano e comemoraram a venda da coleta para a Prefeitura do Rio.
"Trabalhamos juntos no carnaval eu, meu marido, minhas filhas. Foi o dinheiro que deu pra conseguir comprar materiais de obra aqui para casa. São nove netos, então o dinheiro ajudou muito", confirma Simone Roque.
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Segundo a SMAC, o programa será estendido durante todo o ano, sendo o ponto alto durante o carnaval. O objetivo é estimular a adoção voluntária de ações de sustentabilidade, ao mesmo tempo, valorizar o trabalho dos catadores de materiais recicláveis.
A secretária Tainá de Paula reforça que o “Folia Verde” vai além do carnaval. “Nosso foco é estimular o cuidado e o sentimento de pertencimento e corresponsabilidade na manutenção e preservação de nossa cidade, considerando pontos como a legislação ambiental e os tratados e conferências internacionais sobre as mudanças climáticas”, disse.
Com essa iniciativa, a capital fluminense terá mais chances de alcançar a certificação ISO 20121 para o carnaval, por meio da redução das emissões dos Gases do Efeito Estufa (GEE). Segundo a Pasta, o objetivo do Programa é fomentar essa cultura durante todo o ano, preservando o meio ambiente.
Edição: Jaqueline Deister