cultura de paz?

Falta de apoio psicológico nas escolas públicas do Distrito Federal dificulta enfrentamento à violência

151 profissionais precisam atender mais de 464 mil estudantes; especialista critica cobertura da mídia de ataque recente

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Ações de cuidado com saúde mental e responsabilização de plataformas digitais usadas para divulgar e incentivar violência são medidas emergenciais, segundo especialistas - rawpixel

Um adolescente feriu três pessoas em uma escola em São Sebastião, região administrativa do Distrito Federal, na manhã desta segunda-feira (4). Nenhuma vítima foi ferida com gravidade, segundo informações da Secretaria de Educação do DF (SEEDF), mas o caso reacendeu o debate sobre a violência nas escolas. 

Parlamentares lamentaram o ocorrido e cobraram do governo do DF (GDF) uma política mais eficaz de enfrentamento e prevenção aos ataques. Especialista em educação ouvida pelo Brasil de Fato DF criticou a atuação da imprensa, que mais uma vez tem divulgado informações sensíveis e contrariado recomendações éticas.

Nos últimos anos, o Brasil tem vivido um aumento expressivo de episódios de violência extrema em ambiente escolar. De 2001 a 2023, foram registrados 36 ataques. Mais da metade – 20 casos, que correspondem a 58,33% – aconteceram no período entre fevereiro de 2022 e outubro de 2023. 

A reportagem solicitou à Polícia Civil e à SEEDF o número de ocorrências de violência em escolas do DF em 2023, mas não obteve resposta. 

Falta de apoio psicológico

Em meio a uma onda de ataques, em junho de 2023, o Ministério da Educação (MEC) criou um Grupo de Trabalho de Especialistas em Violência nas Escolas. A atuação dos pesquisadores resultou em um relatório, divulgado em novembro, que identificou as possíveis causas dos ataques e propôs políticas de enfrentamento ao problema. 

Dentre as medidas emergenciais elencadas pelos especialistas, além da responsabilização das plataformas digitais que servem de meio de propagação e incentivo à violência, foi dado destaque à necessidade da criação de ações e redes de prevenção e promoção em saúde mental, “com a presença permanente de psicólogos e orientadores educacionais no âmbito escolar”. 

A Secretaria de Educação, em resposta a pedido de Lei de Acesso à Informação feito em novembro de 2023, informou que há 151 psicólogos e quatro psicopedagogos atuando nas escolas públicas do DF. Esses profissionais precisam atender mais de 464 mil estudantes da rede pública de ensino. Isso significa que há cerca de 3.000 alunos para cada psicólogo.


Falta de profissionais e superlotação das salas de aula são problemas enfrentados pela rede pública de ensino do DF / Caco Argemi / CPERS - Sindicato

Em suas redes sociais, o deputado distrital Gabriel Magno (PT-DF), professor da rede pública, afirmou que o incidente em São Sebastião “evidencia a necessidade de uma política de paz nas escolas” e criticou a falta de profissionais. 

“É urgente que o GDF nomeie os profissionais: professores e professoras, orientadores(as), psicólogos(as), assistentes sociais, porteiros, monitores, supervisores e secretários, bem como invista na criação de ambientes acolhedores e seguros, com salas de aula confortáveis e principalmente sem superlotação e com recursos adequados para o ensino”, defendeu. 

Já o deputado distrital Fábio Félix (PSOL-DF) também se manifestou pelas redes sociais afirmando que recebeu a notícia do ataque “com muita preocupação”. O parlamentar destacou a urgência de “ações de prevenção à cultura de ódio, bullying e violência escolar no DF”. 

Perfil dos agressores

Jovens, do sexo masculino, a maioria brancos, com relações sociais restritas. É assim que o relatório “Ataques de violência extrema em escolas no Brasil: causas e caminhos”, lançado em novembro de 2023, define o perfil dos autores de ataques a escolas no Brasil.

O documento, produzido por pesquisadores de grupos de estudos sobre o tema na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificou ainda que os perpetuadores da violência, em geral, têm a percepção da escola como lugar de sofrimento. Em muitos casos, são vítimas de bullying. 

Além disso, eles têm tendência a possuírem concepções e valores opressores (como racismo, misoginia, ideias nazistas), indícios de transtornos mentais e interações com comunidades virtuais mórbidas, onde consomem conteúdos violentos e nocivos e desenvolvem inspiração e admiração por autores de outros ataques. 

O papel da mídia 

Um dos objetivos dos agressores a escolas, além da vingança, é de serem reconhecidos pela violência praticada. Por isso, alcançar a visibilidade da imprensa é um dos efeitos desejados por eles. 

Estudos mostram que a mídia pode influenciar na proliferação desses ataques. Coberturas extensivas, que mostram imagens e contam detalhes da vida do agressor e do evento podem servir de incentivo para que outros adolescentes imitem o comportamento e o método. 

Jornais locais e nacionais têm divulgado informações sensíveis sobre o incidente desta segunda (4) na escola em São Sebastião. Além do nome da instituição, os veículos dão detalhes sobre a dinâmica do ataque, como a arma empregada. 

A cobertura foi criticada pela professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos. Especialista no tema, ela foi uma das autoras do relatório de recomendações entregue ao governo federal. 

“Quanto mais destaque for dado ao caso, sobretudo no calor da hora, maiores são as chances de termos adolescentes querendo imitar. Eu sei que a imprensa quer noticiar, mas estamos falando de algo que queremos evitar que se alastre e todos nós devemos cooperar. Estou muito preocupada com o tema e não quero ver o que aconteceu em 2023 se repetindo”, afirmou ao Brasil de Fato DF.


Professora da Faculdade de Educação da UnB, Catarina de Almeida Santos, em audiência pública sobre ataque à escolas / Pedro França/Agência Senado

A Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) divulgou uma série de recomendações para a cobertura de ataques a escolas. Um dos caminhos apontados é evitar abordagens apressadas e buscar ir além do simples relato do fato e da reconstituição dos perfis do agressor e das vítimas. “É importante acompanhar seus desdobramentos e as medidas tomadas pelo poder público em função do ocorrido”, destaca a associação.

“Este pode ser um caminho para traçar um panorama ampliado de um fenômeno complexo como são os atentados a escolas: geralmente, eles estão associados a um contexto maior na escola, família, comunidade e sociedade. Dessa forma, é possível problematizar e aprofundar análises”, recomenda. 

O que diz a Secretaria 

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Educação do DF disse que “lamenta” o ocorrido e “repudia qualquer forma de violência, dentro ou fora da escola”. A pasta informou que está empenhada no esclarecimento dos fatos e em dar suporte aos envolvidos, “para garantir a segurança e integridade da comunidade escolar”. 

Questionada em relação às ações desenvolvidas para combater os ataques à escolas, a Secretaria disse que “atua em diversas frentes para solucionar o problema”. Como exemplo, citou ações educativas “voltadas para a saúde mental e a prevenção de bullying nas escolas”, publicações com orientações para educadores, encaminhamento de estudantes com demandas de saúde mental e a instituição, em abril do ano passado, da Comissão Permanente Pela Paz nas Escolas (CPPE).

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino