Mais um dia 8 de março se aproxima e, com ele, vêm as reflexões sobre como estão os direitos das mulheres. Os cuidados com a casa e a família, o sustento do lar, a carga colocada em nossos ombros é pesada e emocionalmente muito desgastante. Somados a esses fatores, sentimos as várias agressões psicológicas e físicas, em todos os ambientes, desde a nossa vida pessoal à profissional. Não é possível, portanto, mudar o mundo sem mudar a vida das mulheres – e vice-versa. Um movimento está profundamente entrelaçado com o outro.
Mas como transformar este mundo, majoritariamente comandado por homens, com eles ocupando os principais cargos de poder? Qual mudança podemos esperar diante dessa realidade, na qual homens consideraram que aumentar o direito das mulheres é perder privilégios?
Em 2024, ainda são pautas prioritárias para irmos às ruas: a defesa da democracia, a luta pela igualdade salarial e a (eterna) luta contras as violências sofridas diariamente por nós, mulheres.
Precisamos defender a democracia, porque somos as primeiras silenciadas, e junto com as crianças mortas, em estados de exceção. Também é imprescindível a luta por igualdade salarial, que agora é lei e precisa de estratégia para garantir fiscalização do cumprimento. Para termos uma ideia, em 2023, a média salarial de uma mulher negra correspondia a apenas 48% da média de um homem branco na mesma função.
O enfrentamento a todos os tipos de violência que sofremos, física e psicológica, é uma pauta sempre atual. Muitas vezes as agressões vêm de pessoas que fazem parte do nosso cotidiano, pessoal ou profissional.
Apenas em março de 2021, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu derrubar a tese da “legítima defesa da honra”, até então utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher, para justificar a ação do homem se a vítima tivesse cometido adultério, por ferir “a honra do agressor”. É preciso dar um basta nestas situações.
Agressores precisam ser descredibilizados e responsabilizados por suas condutas, ao invés de serem convidados para programas de entretenimento, por exemplo.
A banalização das diversas violências contra mulheres e crianças é gritante. Precisamos começar a nos sentir seguras nas ruas, sem termos que nos preocupar com o que vestir ou em não passar em determinados lugares sozinhas. Precisamos ficar à vontade quando nos destacamos profissionalmente, sem sermos julgadas por nossa aparência, e sim respeitadas por nossa competência. Parece óbvio, mas nesse caso o óbvio precisa ser repetido cotidianamente.
Segundo pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), mais de 18 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual em 2022. Em novembro de 2023, o FBSP divulgou que foram registrados 722 feminicídios no 1º semestre do ano, no Brasil. Já o estudo do Instituto DataSenado em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), divulgado também em novembro, mostra que 30% das mulheres do Brasil já sofreram algum tipo de violência doméstica ou familiar provocada por homens – cerca de 25,4 milhões de brasileiras.
Precisamos, cada vez mais, conscientizar toda a sociedade, sobretudo as mulheres, sobre nossos direitos. Entender que não só podemos, como devemos ocupar o espaço que desejarmos. Precisamos colocar limites, sim. “Ensinar” que respeito às mulheres é fundamental. E é essencial que lutemos para que o Estado faça sua parte através das políticas públicas, mas que a sociedade também compreenda a importância de pautas como a divisão sexual do trabalho, a soberania alimentar, as tarefas de cuidado e até a reprodução da vida humana.
A histórica premissa de que cuidar é tarefa feminina faz com que os nossos salários sejam compreendidos como complementares, e o papel do homem é o de provedor do lar. Mesmo que hoje a maioria dos lares não contem com a presença dessa figura masculina.
É inegável a importância da existência de creches ou espaços de educação infantil. Há 10 anos, 11% das crianças no Brasil eram atendidas nessa faixa etária, hoje são 37% - contando os espaços públicos, comunitários, conveniados, privados e confessionais (que seguem uma diretriz religiosa). Ainda que o Plano Nacional de Educação tivesse uma meta muito superior. Este crescimento se deu de forma muito desigual pelas regiões do país. Onde estão as crianças que não estão nas creches? Quem cuida? Quem se responsabiliza? Quem fica fora do mercado de trabalho?
É preciso refletir quanto tempo depois de ser mãe uma mulher consegue voltar para o mundo do trabalho e quanto isso impacta no seu salário. Esse debate tem como objetivo pensar estratégias para que nós, mulheres, não tenhamos que escolher “ou isto ou aquilo”, ou ser mãe ou ser uma profissional qualificada e reconhecida.
Queremos que os homens e o Estado se responsabilizem também pela sustentabilidade da vida humana, que o tempo investido nessas tarefas deixe de ser invisível e que as cidades sejam pensadas para todas, todos e todes, desde a primeira infância. Assim, neste 8 de março, nós mulheres também vamos às ruas por mais creches ou espaços de educação infantil, preferencialmente públicas e com horário integral.
Ainda em 2024, são tantas pautas importantes que nos levam para as ruas. Inclusive a de reverenciar grandes mulheres esquecidas pela história, silenciadas em nosso cotidiano. E as mulheres silenciadas cotidianamente, que enfrentam as diversas formas de violência.
O #8M nas ruas é pela vida de todas as mulheres e a legalização do aborto. Chega de feminicídio, lesbocídio, racismo, capacitismo e transfeminicídio.
Pelo fim do genocídio negro, indígena e palestino. Nenhuma anistia para os golpistas de ontem e hoje.
Democracia com justiça social e ambiental. Por emprego, contras as privatizações, por acesso à saúde e à comida no prato. Por mais mulheres na política!
*Duda Quiroga é professora, psicopedagoga e poetisa. Atua na Executiva Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), é dirigente do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro (SinproRio), do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) e da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
Maíra Santafé é jornalista. Atua na assessoria de imprensa da Federação Única dos Petroleiros (FUP) pela empresa Alter Comunicação. Além disso, é poetisa (lançou o livro "Entre Acordos e Acordes" pela Chiado Editora, de Portugal, em 2016), compositora e cantora (lançou, em maio de 2011, seu CD autoral "Raiz de Samba").
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato RJ.
Edição: Jaqueline Deister