Durante os quatro anos do governo Bolsonaro, a Terra Indígena (TI) Apyterewa, no Pará, foi proporcionalmente a mais desmatada entre todas as terras indígenas do Brasil, segundo dados da Funai e do projeto Mapbiomas.
A invasão que começou na década de 1980 alcançou 70% de todo o território durante a gestão bolsonarista. Apesar da homologação da TI em 2007, invasores continuaram entrando na área, que tinha mais não indígenas (3 mil) do que indígenas (1,4 mil).
A situação começou a mudar em outubro do ano passado. O Supremo Tribunal Federal (STF) ordenou que o governo federal iniciasse a desintrusão – como é chamada a expulsão de ocupantes ilegais de terras indígenas.
Quatro meses depois, em fevereiro deste ano, representantes do STF e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visitaram a TI Apyterewa e confirmaram o sucesso da operação. O desmatamento praticamente zerou. Fazendeiros, pecuaristas, garimpeiros e madeireiros fugiram.
A mudança drástica é resultado de uma operação de guerra que teve a participação de mais de 300 servidores da Funai, Ibama, Força Nacional, Polícia Federal, Abin, Exército, Polícia Rodoviária Federal (PRF) e outros órgãos.
Líder indígena confirma que área está liberada
Nesta quarta-feira (6), o Ministério dos Povos Indígenas faz a devolução simbólica da Apyterewa ao povo Parakanã, durante uma assembleia na TI Apyterewa, que fica em São Félix do Xingu (PA) e tem o tamanho de 8 cidades de São Paulo (SP).
Xokarowara Parakanã, uma liderança da TI Apyterewa, disse ao Brasil de Fato que a área está agora livre de fazendeiros.
"Nós não dormíamos pensando que o governo Bolsonaro e os garimpeiros tentavam entrar no nosso território. O Bolsonaro [nos] prejudicou muito. Estamos há mais de 20 anos nessa luta. Com o governo Lula, conseguimos ficar livre de invasores, garimpeiros, madeireiros", afirmou o líder Parakanã.
Xokarowara acrescentou que os Parakanã pretendem reflorestar o território devastado, onde caça, pesca e água potável já não são mais abundantes. Ele destacou que o movimento indígena pretende cobrar o governo federal para dar continuidade a ações de proteção, monitoramento e de garantia da segurança alimentar.
"O governo vai ter que nos apoiar criando mais duas bases permanentes no território. E também deixar permanente as forças, as instituições, a Polícia Federal, Força Nacional. Isso tem que ser permanente", acrescentou o líder indígena.
Invasores da Apyterewa participaram de golpe no 8 de janeiro
As ilegalidades encontradas dentro da TI Apyterewa chocaram até mesmo indigenistas experientes.
A prefeitura de São Félix do Xingu (PA) construiu uma escola voltada para não indígenas no interior do território. Cinco fazendas foram autuadas por trabalho escravo, e mais de 70 mil cabeças de gado foram contabilizadas dentro da TI.
A Vila Renascer, uma pequena cidade com comércio, internet e até posto de combustível, servia como ponto de apoio dos invasores. Uma grande estrutura como essa só poderia ser construída com a perspectiva de que a invasão continuaria no futuro, embora fosse ilegal.
Janete Carvalho, Diretora de Proteção Territorial da Funai, explicou que a Vila era uma ocupação muito próxima da base da Funai e que foi totalmente desmontada no processo de desintrusão.
"A Vila Renascer era muito simbólica porque sintetizava esse processo de invasão. Ela ficava muito próxima de uma base da Funai. A partir de 2017 há uma consolidação dessa desse local, que passou de casebres simples para um local estruturado, inclusive com um poço de gasolina", contou a indigenista.
Igrejas e bolsonarismo ajudaram a consolidar invasão
Houve momentos de tensão, com agentes federais enfrentando protestos e reações violentas dos ocupantes ilegais. À medida que a operação avançava, indígenas e servidores públicos foram ameaçados.
Um invasor tentou desarmar um homem da Força Nacional e foi morto com um tiro disparado pelo agente. O caso é investigado pela PF. Um servidor da Funai foi baleado vítima de uma emboscada. Ele já se recuperou e está bem de saúde.
Nilton Tubino, coordenador da secretaria-geral da presidência da república, afirmou que a influência de líderes religiosos e do bolsonarismo ajudam a explicar a resistência dos ocupantes ilegais. Segundo ele, houve casos de invasores que participaram da tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023.
"A maioria das pessoas na região é bolsonarista, isso é um dado. O envolvimento das igrejas e a presença de várias delas dentro da Terra Indígena, principalmente na Vila Renascer, foram componentes significativos na ocupação ilegal", disse Tubino.
"Nós identificamos um indivíduo com tornozeleira eletrônica que participou da tentativa de golpe em 8 de janeiro, tendo ficado preso por três meses. Ele revelou que várias pessoas da região também participaram do evento", narrou o assessor da secretaria-geral da Presidência.
Edição: Thalita Pires