Defender a democracia, defender uma sociedade de direitos, é o objetivo de todos nós
Em 73 anos de história, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) só teve duas mulheres como reitoras da instituição. A primeira foi Nilcéa Freire, entre 2000 e 2003, que fez com que a instituição fosse a primeira do estado a ter um programa de cotas para ingresso na graduação. A segunda é a médica sanitarista Gulnar Azevedo, que pretende avançar na reparação pela baixa participação de mulheres na universidade.
Azevedo, que tomou posse no dia 10 de janeiro, foi aluna do curso de medicina da universidade. Ela manteve laços estreitos com a instituição e agora quer fazer mudanças radicais para corrigir os rumos de uma das mais inclusivas universidades do Brasil.
"Temos um compromisso: vamos criar a superintendência de igualdade racial e de gênero, que não só vai tratar dessa necessidade de reparar a participação das mulheres, mas também a participação de outras etnias, de outras raças. A gente não pode continuar como está", explica a reitora.
Gulnar é a convidada desta edição do BdF Entrevista, que celebra o Dia Internacional de Luta das Mulheres, o 8 de Março. Como médica sanitarista, ela teve papel de destaque durante a pandemia de covid-19, quando presidia a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Também recebeu um dos reconhecimentos mais importantes para os cientistas brasileiros, o prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Em pouco mais de um mês de mandato, Azevedo tem buscado provar que é possível espalhar bons exemplos de gestão com paridade entre homens e mulheres.
"[Vamos] estabelecer políticas que sejam transversais, perpassando todos os ambientes da universidade, mas que tragam para a gente a necessidade de combater qualquer tipo de assédio e ações, não só para lidar com o assédio já existente, mas para prevenir. Vamos estabelecer [políticas] a partir da superintendência, mas a partir também das dinâmicas internas. No nosso quadro hoje da administração da reitoria, a maior parte são mulheres também", completa Azevedo.
A Uerj está situada na região central do Rio de Janeiro, ponto histórico e importante para a comunidade carioca. A instituição é vizinha do estádio do Maracanã e também da escola de samba Mangueira, dois dos maiores símbolos populares do Estado.
Manter ativa a chama de uma universidade popular, é talvez um dos principais desafios de Gulnar Azevedo. A ideia, segundo a reitora, é ampliar os auxílios e bolsas de permanência para alunos que enfrentam dificuldades econômicas.
“Não é uma situação simples, porque são pessoas de famílias carentes que estão chegando à universidade e precisam de muito apoio. É por isso que a gente continua dando [esse auxílio] e quer continuar com o auxílio alimentação, o auxílio educação, as bolsas de permanência, que são para os cotistas e pessoas em vulnerabilidade também, porque muitos que chegam aqui, apesar de não serem aprovados no sistema de cotas, vivem em vulnerabilidade, que é a maioria da nossa população. Então não tem sido simples, mas eu digo que foi um grande ganho”.
Na entrevista, Azevedo ainda fala sobre a relação com o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), a criação de uma Comissão da Verdade na Uerj e as irregularidades encontradas pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) durante a gestão do ex-reitor Ricardo Lodi.
"Nós assumimos não têm 60 dias ainda. Desde que assumimos, estamos convivendo com todos esses processos que vieram, e que o Tribunal de Contas está mostrando que tem irregularidades. A partir da revisão estamos estabelecendo regras, com muita transparência, para todas as etapas desses projetos, que garantam que eles tenham, de fato, vinculação direta com as nossas finalidades, ensino, pesquisa e extensão", aponta Azevedo.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: A senhora tomou posse na reitoria há pouco mais de um mês. O que que te motivou e qual a situação que você encontrou ao chegar aqui e assumir a reitoria?
Gulnar Azevedo: A primeira motivação é que eu fui aluna da Uerj, estudei medicina aqui. Eu tenho uma gratidão enorme com essa universidade, por tudo o que aprendi, por tudo o que vivenciei e por ver que ela, hoje, é uma universidade inclusiva, popular, que garante que pessoas que antes nunca tinham chegado ao ensino superior hoje tenham essa possibilidade.
São muitos desafios. Da época que eu estudei para agora, a universidade cresceu muito. Temos hoje uma diversidade enorme de cursos que se conectam com a sociedade, que se conectam com a necessidade de hoje. Diria que o maior desafio é fazer com que essa proposta de universidade seja cada vez maior e que as pessoas tenham noção de que é possível chegar à universidade. Todos têm esse direito.
A senhora é a segunda mulher a exercer o cargo de reitora na Uerj em 73 anos. A diversidade é muito baixa. Por que as portas da instituição estavam fechadas para as mulheres? Há no horizonte uma ideia de criar uma superintendência de gênero ou alguma coisa que vá nesse sentido para entender o porquê das mulheres não estarem à frente da reitoria por tanto tempo?
É verdade, a universidade teve 22 reitores, eu sou a segunda reitora mulher. Isso significa que era um espaço que antes não era reservado para nós mulheres, existia toda uma questão de poder. Mesmo sabendo que alguns cursos eram frequentados, em sua maioria, por mulheres, a gente percebe que na hora de assumir um cargo, o cargo superior da universidade, ainda era vedada a participação de mulheres.
Nós temos, de fato, uma dívida em reparar essa situação. Vamos criar a superintendência de igualdade racial e de gênero, que não só vai tratar dessa necessidade de reparar a participação das mulheres, mas também a participação de outras etnias, de outras raças. A gente não pode continuar como está.
Porque a nossa sociedade ainda era uma sociedade machista, uma sociedade que ouvia pouco as mulheres, que ainda permitia que o racismo não fosse combatido. E esse é o nosso compromisso.
Nós vamos voltar a falar sobre esse tema, mas antes queria falar sobre a gestão financeira da universidade. A gente sabe que o estado do Rio de Janeiro tem grandes problemas fiscais e não é de hoje. E talvez, um dos teus desafios aqui, seja garantir alguma autonomia para Uerj. É possível?
Temos trabalhado muito por isso. A nossa proposta, e foi assim que a gente trabalhou durante as eleições, é que a universidade atinja autonomia financeira, administrativa e didática. É fundamental que a gente consiga isso. Ainda não conseguimos ter todos os recursos e sempre é necessário um adicional para cumprir com o que a gente precisa fazer, que é o pagamento de bolsas, principalmente para os estudantes, porque nós temos um contingente muito grande de cotistas na nossa universidade. E para garantir, também, a permanência e os auxílios que foram iniciados ano passado: auxílio educação e saúde.
É necessário a gente mostrar o papel da universidade, ela está expandindo e o nosso quadro docente, esse quadro técnico, por conta das dificuldades do estado, inclusive do regime de recuperação fiscal, não pode ser expandido. Precisamos recuperar essa situação, e também fazer com que os nossos salários acompanhem o crescimento do custo de vida.
Os contatos e toda a articulação que a gente tem feito, tanto no governo do estado do Rio de Janeiro, como também na Assembleia Legislativa, tem tomado bastante tempo, mas porque a gente quer atingir essa autonomia que nós, toda a equipe e toda a comunidade defende, que é a autonomia financeira.
E como tem sido o diálogo com o governador Cláudio Castro. Há portas abertas, ou há mais dificuldades?
Então, o governador Cláudio Castro nos deu posse no dia 10 de janeiro e nesse mesmo dia nós tivemos uma reunião no Palácio Guanabara, tivemos a presença na reunião de outros secretários, do secretário da Fazenda, do secretário da Casa Civil e de Ciência e Tecnologia - porque a Uerj é ligada à Secretaria de Ciência e Tecnologia do governo do Estado.
Acho que ele tem um bom entendimento da universidade. Ele compreende o papel que a universidade desempenha para o estado do Rio de Janeiro, e eu acho que a partir de lá os canais estão abertos e cabe a nós, enquanto reitora, o vice-reitor, e toda a nossa equipe, colocar a nossa posição institucional e a necessidade de que precisamos defender essa universidade, mostrando que temos uma contrapartida enorme para o estado.
Como a senhora falou, a Uerj é a primeira universidade do Brasil a aderir ao sistema de cotas. E são diversos os levantamentos, inclusive, que apontam que os alunos cotistas têm melhor desempenho ou desempenho muito similar aos demais. Como é que tem sido lidar com esse ambiente académico muito mais efervescente?
É bom falar disso e até interessante chamar a atenção de que as cotas começaram na Uerj, com a outra reitora mulher também. Ela foi bastante corajosa, porque a partir de uma lei, que foi uma lei do estado do Rio de Janeiro, de iniciar essa ação afirmativa, a Uerj assumiu o que a lei estava definindo e fez muito mais, porque fez todo um suporte, inclusive financeiro, com bolsas, para que os alunos pudessem permanecer aqui.
Não é uma situação simples, porque são pessoas de famílias carentes que estão chegando à universidade e precisam de muito apoio. É por isso que a gente continua dando [esse auxílio] e quer continuar com o auxílio alimentação, o auxílio educação, as bolsas de permanência, que são para os cotistas e pessoas em vulnerabilidade também. Muitos que chegam aqui, apesar de não serem aprovados no sistema de cotas, vivem em vulnerabilidade, que é a maioria da nossa população. Então não tem sido simples, mas foi um grande ganho.
Eu era professora da faculdade de medicina antes e depois das cotas e vejo como foi importante trazer para a universidade pessoas que podem conviver, vindas de lugares tão diferentes, de situações de tanta desigualdade.
A senhora citou que era professora antes e depois das cotas. A academia se transformou nos últimos anos, talvez muito por conta dos alunos cotistas que chegam com outra bagagem educacional, cultural, tem muito mais diversidade do que aquele ambiente acadêmico tradicional que a gente conhecia. A senhora acredita que também se criou uma demanda por novas leituras da realidade, por novos autores, que conversem e dialoguem com esses alunos? Há essa mudança na Uerj também?
Essa mudança é gradual, a gente não consegue ver o impacto rapidamente. Tem que persistir para que isso aconteça. Mas eu acho que o convívio, a possibilidade de interação entre pessoas de lugares diferentes, de níveis socioeconômicos diferentes favorece a compreensão do que é o Brasil, do que é o nosso estado.
Acho que ganha quem está conseguindo chegar ao ensino superior e ganha quem já tinha oportunidade de chegar, mas que não conhecia o Brasil. Agora as pessoas estão diante dessa realidade e essa realidade é transformadora.
Como essas mudanças são absorvidas pelo corpo docente da universidade?
Olha, logo que a reitora Nilcea Freire propôs que a universidade encampasse as cotas, houve resistência mesmo por parte do quadro de docentes, principalmente dos cursos mais difíceis como medicina e direito. Mas, ao longo do tempo, o convívio com esses estudantes que fazem muita força para estar na universidade, para chegar aqui, foi mostrando que o desempenho não era diferente e fez com que essas pessoas também revissem a sua posição em relação às cotas. Então, reconheço que foi um ganho.
Esse programa vai ao ar na semana do 8 de março, o mês de luta das mulheres. A gente teve muito avanço nos últimos anos, mas as mulheres ainda vivem sob constante medo da violência, do assédio no ambiente acadêmico, no ambiente profissional, na rua, enfim. Como a universidade pode ser esse ambiente acolhedor e de propagação de um novo futuro para as mulheres?
Com certeza, como eu falei, estamos criando a superintendência de igualdade racial e de gênero, justamente para reparar essas questões e estabelecer políticas que sejam transversais, perpassando todos os ambientes da universidade, mas que tragam para a gente a necessidade de combater qualquer tipo de assédio e ações, não só para lidar com o assédio já existente, mas para prevenir.
O que a gente diz é que a gente tem que ter um lugar de convívio, de muita troca, de muita solidariedade, cultivar a cultura da paz, essas políticas que vamos estabelecer a partir da superintendência, mas a partir também das dinâmicas internas – o nosso quadro hoje da administração, da reitoria, a maior parte são mulheres também.
Então, a gente está fazendo uma mudança significativa, estabelecendo que nossas equipes têm que ter essa relação, tem que ter igualdade de gênero.
E é importante que venha de dentro também esse exemplo...
Você, quando tem essa situação de exemplo, de fato, reproduz para outros lugares e para outros ambientes, uma situação de que é esse o objetivo que a gente quer, essa é a meta que a gente deve alcançar. Mas assim, são mudanças que levam algum tempo, porque elas também implicam em uma mudança de cultura.
O Conselho Universitário da Uerj aprovou no começo de fevereiro a criação de uma Comissão da Verdade, que vai investigar os alunos que foram perseguidos na instituição por conta da ditadura militar. Como é que está esse processo?
Esse processo já andou, a gente vai aprovar no Conselho Universitário uma resolução estabelecendo a constituição, a composição e como é que vai se dar seu mecanismo. E a gente já tem algum material trabalhado nesse sentido, inclusive tem alguns livros já publicados sobre isso, que pessoas da universidade, de fato, foram perseguidas, sofreram. Nós tivemos um estudante que morreu aqui, na porta do hospital, um estudante de medicina. Inclusive essa rua que passa na frente e dentro do campus, tem o nome do Luís Paulo.
Temos muita história, queremos recuperar essa história e mostrar que a Uerj está trabalhando no sentido de que é uma história que tem que ser contada. As pessoas não podem esquecer que isso aconteceu, porque nossa posição é que isso não pode voltar nunca mais.
E o Brasil ainda vive sob a sombra da ditadura. Vivemos recentemente resquícios de uma tentativa de golpe. Isso é uma resposta também que a universidade pode dar de dentro para fora?
Com certeza, defender a democracia, defender uma sociedade de direitos, é o objetivo de todos nós que lutamos pela universidade. Ter esse trabalho de criar a Comissão da Verdade, de mostrar para as pessoas e que elas conheçam uma realidade que foi muito perversa, significa que a gente está cultivando e o fortalecimento da democracia no Brasil, que ainda é frágil.
A senhora falou sobre uma homenagem a um ex-aluno que morreu durante a ditadura, com o nome de rua. A gente tem várias homenagens, não só no Rio de Janeiro, mas em outras partes do Brasil, há ditadores e figuras controversas. O [Emílio Garrastazu] Médici recebeu uma homenagem na Uerj, de Doutor Honoris Causa, e há um processo junto com essa Comissão da Verdade, que também vai debater essa homenagem, entre outras. Qual a importância desse ato da Comissão?
Simbolicamente é muito importante, a gente vai retirar o título. Ele não merece, por tudo o que fez, pelo o que a história mostrou, ter um título de honoris causa nesta universidade.
Falando um pouco sobre a tua carreira, a senhora falou que foi aluna de Medicina aqui, fez também mestrado aqui na universidade…
Olha só, eu eu me graduei aqui, fiz graduação em Medicina aqui, depois eu fiz residência na USP, voltei para fazer mestrado aqui em saúde coletiva, voltei para a USP para fazer doutorado. Então, na realidade, eu tenho o tempo todo na minha trajetória uma ligação Rio São Paulo, Uerj e USP, o que foi muito bom porque deu uma visão de outro estado, o mais rico do país, em uma universidade muito grande e mais antiga que a Uerj.
Mas assim, essa comparação para mim é muito importante, porque mostra que a Uerj tem um histórico muito diferenciado. A USP foi muito planejada, e a Uerj, na realidade, foi acontecendo na medida em que as oportunidades iam sendo geradas. Ela foi incorporando, foi expandindo também. E isso mostra para a gente o seguinte: o Brasil é muito grande, mas o Brasil é um país de muita potência.
Os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, de fato, têm uma contribuição maior, se a gente for olhar historicamente, em relação à produção científica, à formação de pessoas, mas são estados que também são generosos com outros estados. E essa é a nossa perspectiva, que a gente possa também contribuir com os estados da região Norte, da região Nordeste. E a minha trajetória, como eu sou médica sanitarista, na realidade, o tempo todo eu estive preocupada com essa diminuição das desigualdades na questão da saúde.
A gente vive, desde a pandemia, questões de saúde como endemias, epidemias que vão surgindo de tanto em tanto e a gente tem que aprender a lidar, obviamente influenciadas pela questão do clima também. Neste momento, a gente vive sob uma epidemia de dengue e o Rio de Janeiro, inclusive, é um dos estados que têm essa preocupação agora. Como a senhora tem visto o trabalho dos estados, do governo federal, nesse combate à dengue?
Bom, a dengue é uma questão que as pessoas precisam entender, que não é só através da saúde que a gente vai conseguir diminuir. Essa epidemia, a dengue, depende das condições sanitárias, de como a cidade está organizada, da questão da urbanização, de como as pessoas habitam, quais são as habitações que elas têm, de como é que está sendo o cuidado do lixo.
O que eu entendo da dengue é que era totalmente previsível essa epidemia. No entanto, uma cidade como o Rio de Janeiro, onde a gente sabe que alguns lugares têm dificuldades de coleta de lixo, as pessoas vivem ainda em condições habitacionais muito precárias, o mosquito vai proliferar, agravado com as condições que a gente vive mais recentemente, com as mudanças climáticas.
Essas mudanças climáticas favorecem a proliferação do mosquito. Com a proliferação do mosquito, a gente vai aumentar o número de vetores e com pessoas infectadas com a doença, a transmissão vai aumentar. A gente tem que atuar em todas essas áreas contra a dengue.
A saúde é importantíssima porque vai ter que assistir as pessoas que estão adoecendo, a gente precisa correr com a vacinação, porque hoje a gente não tem condição de vacinar toda a faixa etária que já foi aprovada. O Butantã e a Fiocruz vão conseguir fazer uma cooperação para que a gente possa ter um quantitativo maior na vacina de dengue, isso é a área da saúde.
Que é como a vacina da covid-19, que a partir da cepa original, aqui era desmembrada…
Pois é, mas as vacinas estão sendo produzidas no Brasil e para dengue, é possível resolver isso, mas numa escala menor. A gente tem que ampliar o volume de vacinas para poder atender a toda a população. Mas, junto com isso, temos que trabalhar na questão do saneamento, da educação para que as pessoas mantenham suas casas limpas, seu entorno limpo. É um ataque intersetorial, não podemos ficar só na saúde.
A senhora recebeu uma honraria importante da Sociedade Brasileira de Ciência em 2021, que para o acadêmico, para o cientista, deve ser o auge da carreira. Qual é o tipo de estrutura, tanto acadêmica quanto social, que nós temos para que mais mulheres cheguem nesse lugar? E qual é o papel da mulher na ciência hoje?
Bom, cada vez mais a gente vê a participação maior das mulheres na ciência. Na época da covid a gente percebeu o quanto era importante. Se a gente for olhar no Brasil então, o crescimento das mulheres é fundamental. Só que ao mesmo tempo que isso acontece, a gente também viu durante a pandemia, que muitas professoras pesquisadoras não tinham como cuidar da casa, cuidar de seus filhos e também, ao mesmo tempo, manter o seu trabalho.
Várias redes se manifestaram e vários movimentos em defesa disso foram criados e até implementados, para mostrar que a mulher nessa situação acabava ficando com o trabalho doméstico, com o trabalho de mãe muito pesado. Eu acho que é importante a gente mostrar que mesmo assim foi possível. Agora, é a gente dar um passo e avançar. Houve algumas iniciativas que melhoraram. Por exemplo, as bolsas de mestrado e doutorado começaram a considerar o período que as mulheres estavam necessitando se afastar para a amamentação. É necessário mostrar isso para não perder a produtividade, entender que o período é diferenciado.
Mas o que a gente precisa fazer é incentivar que as meninas reconheçam que esse é um espaço delas, incentivar que esse lugar pode ser conquistado pelas mulheres. Não é fácil, a gente tem uma tarefa pesada nesse sentido, mas o que a gente pode fazer é abrir as oportunidades e, de certa forma, valorizar o que a gente tem, e o que pode ser um crescimento. Eu acho que é por aí que a gente vai ganhar. Eu vejo que hoje é bem diferente de quando eu me formei.
A Uerj está numa região chave do Rio de Janeiro. Próxima ao Maracanã, ao centro, às escolas de samba, a comunidade está toda no entorno da Uerj. Entrando aqui a gente percebe que não tem catracas, as pessoas circulam livremente pela universidade. A Uerj pode ser esse polo de referência para a comunidade, para além do mundo estudantil?
Pois é, eu já ouvi algumas pessoas dizendo que, passando por aqui de trem, falam: "poxa, um dia eu vou estudar na Uerj". Eu acho que, por ser a primeira das cotas, a primeira do ensino noturno, que permitiu que trabalhadores pudessem estudar, ter nível superior, ela tem uma imagem que se associa a essa universidade popular.
A gente está vendo a mangueira aqui na frente, o Maracanã ali na frente, então, a mensagem que pode ser dada é que a gente quer uma universidade de portas abertas, como você falou, viva, que consiga contribuir até com o desenvolvimento dessa região toda onde ela está.
Uma universidade que, digamos assim, todos têm esse direito de chegar e dizer "eu conquistei". Isso é um privilégio de quem conquistou, tem que ser uma oportunidade para todos, um direito para todos, essa é mensagem que a gente tem. Queremos ver uma Uerj cada vez mais popular, mas inclusiva. Mas trazendo para o Rio de Janeiro, significa ter uma universidade que vai formar profissionais de qualidade para poder trabalhar no que a nossa população precisa.
Edição: Thalita Pires