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Artigo | Ainda sobre o apagão de professores

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MG: último lugar entre estados em número de professores concursados

A Coluna Cidade das Letras do Brasil de Fato MG trouxe um artigo do meu colega Alexandre Miranda sobre uma questão recorrente nos debates atuais sobre educação escolar, a saber, o “apagão de professores”. Além de citar alguns veículos de comunicação que trataram desse tema em 2024, Alexandre reportou a vários documentos oficiais que há pelo menos 20 anos têm tratado da questão.

Como se trata de questão demasiadamente relevante, eu gostaria de trazer mais alguns elementos à reflexão, a partir dos dados de Censo Escolar de 2023, divulgado em 22 de fevereiro desse ano.

O texto do meu colega traz um argumento importante. Segundo ele, “o ‘apagão’ não é a mera falta de professores nas escolas, mas a falta do professor habilitado, o que torna a situação bem diferente”. Isso é verdade, desde que se entenda a “falta de professor habilitado” na escola e não na sociedade.

Se a falta fosse de habilitados, bastaria aumentar as vagas nos cursos de licenciatura e ampliar as campanhas para seu preenchimento. O problema é que, desde há muito tempo, exceto em algumas áreas, como Sociologia, Língua Estrangeira, Filosofia, Física e Artes, não faltam diplomados em licenciatura. O que acontece é que grande parte dos nossos licenciados não têm a sala de aula como destino ocupacional.

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De resto, os elementos apontados por Alexandre Miranda para a baixa atratividade na carreira docente podem ser explicados pelo valor do diploma de professor: baixo valor econômico, traduzido em salário; baixo valor simbólico, traduzido em prestígio. Essa também não é uma questão recente e poucos foram os momentos em nossa história que os professores puderam usufruir de uma combinação mais elevada dessas duas dimensões.

Contudo, sobretudo em meados do século XX, mesmo que o salário fosse baixo, a figura do mestre e da mestra era suficientemente forte para expressar o prestígio de que a profissão era revestida. Hoje, certamente nem isso.  

O que aconteceu na última década, ao se comparar os indicadores apontados por Alexandre Miranda e os do último Censo, é que houve aumento do percentual de diplomados atuando na disciplina para a qual se formaram. Mas ainda estamos muito distantes do que a decência pede para o exercício da docência: 100% de professores atuando em conformidade com a formação.

A explicação é que a baixa atratividade da carreira docente deslocou muitos dos licenciados para outras atividades mais rentáveis e menos desafiadoras. Vejamos alguns dados do último Censo.

Censo Escolar 2023

Os professores “sem formação superior” são, em média, 13% nos anos inicias; 7,5% nos anos finais do ensino fundamental e 3% no ensino médio. Isso, a despeito de a Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, há quase três décadas, ter estabelecido a exigência de ensino superior para todas as etapas da educação básica.

No outro extremo, os que têm “Licenciatura (ou bacharelado com complementação pedagógica) na mesma disciplina que leciona” são, também em média, 75% nos anos iniciais; 68% nos anos finais do ensino fundamental e 75% no ensino médio. Nesta última etapa, as disciplinas Educação Física, Língua Portuguesa, História, Biologia, Matemática, Geografia e Química, nessa ordem, têm entre 87% e 70% de licenciados ministrando a disciplina para a qual se formaram.

Em outras palavras, a quarta parte dos professores que atuam no ensino médio é composta por não habilitados.

Baixo valor econômico e baixo valor simbólico do diploma já foram apontados acima como os fatores que explicam a baixa atratividade da carreira. Se esmiuçarmos um pouco mais cada um desses fatores, teremos, em acréscimo ao baixo valor econômico, a vexatória situação funcional dos professores na maioria das redes de ensino.

Redes privadas, de elites, pagam bem aos seus professores, mas essa é uma exceção. E o que importa aqui é a situação do setor público.

Quando analisamos a situação funcional dos professores das redes municipais de ensino vemos que o enquadramento “concursado/efetivo/estável” varia entre 42,6% em Alagoas e 85,7% em Rondônia. Excluindo-se os poucos casos de “contrato terceirizado” e “contrato CLT”, observamos o oposto desses indicadores, isto é, 58% em Alagoas e 14% em Rondônia é de professores que atuam por “contrato temporário”.

Se esses números não são nada alvissareiros para as redes municipais, para as estaduais eles são ainda mais comprometedores, uma vez que cabe aos estados a responsabilidade primeira pela oferta do ensino médio.

Se os estados do Amazonas, Bahia, Pará, Rio Grande do Norte e Rio de Janeiro têm mais de 90% dos seus professores enquadrados como “concursado/efetivo/estável”, na outra ponta, Santa Caarina, Espírito Santo, Acre, Tocantins e Minas Gerais têm menos de 30% nesse enquadramento. Com a escandalosa situação de Minas Gerais, em último lugar nesse quesito, com apenas 19,2% dos seus professores efetivos.

Se a situação funcional precária, acrescida de um piso salarial medíocre já dizem muito sobre a baixa atratividade da carreira, quando combinamos isso com o baixo prestígio a que a carreira chegou e os enormes desafios postos atualmente pela sala de aula, temos o cenário claro de por quê nossa educação básica patina nos indicadores de avaliação dos sistemas.

O problema não é da formação, como geralmente tem sido apresentado. O problema é da carreira. E que fique claro: valorizar a carreira docente não é pagar na média das outras profissões. É pagar acima da média e garantir condições adequadas ao exercício da docência.

Sem isso, décadas passarão e estaremos aqui, de novo, a falar sobre a falta de políticas públicas decentes para o adequado exercício da docência.



João Valdir Alves de Souza é professor titular de Sociologia da Educação, FaE/UFMG

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida